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Sínodo da Amazónia

“Deus deu-nos a Terra para nos sustentar e não para destruir”

03 dez, 2019 - 15:01 • Aura Miguel

O cardeal brasileiro Cláudio Hummes faz um balanço do sínodo da Amazónia, de que foi relator-geral e que teve lugar em outubro.

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A questão ecológica marcou o recente Sínodo dos bispos sobre a Amazónia, que terminou com um alerta reforçado para a destruição “dramática” da Amazónia, e com a definição do conceito de “pecado ecológico”, que o Papa Francisco pretende que venha a ser incluído no Catecismo da Igreja Católica.

Para o cardeal Cláudio Hummes – presidente da Repam (a Rede Eclesial Pan-amazónica), e relator-geral do Sínodo – o encontro ajudou a mudar a consciência sobre a Amazónia e os seus problemas, que devem servir de exemplo para o resto do mundo, e também contribuiu para mostrar o que a Igreja defende ao nível da defesa da Casa Comum e da ecologia integral.

Em entrevista à Renascença o franciscano, que já foi arcebispo de São Paulo, lembra que é preciso esperar pelo documento pós-sinodal, que o Papa prometeu publicar até final do ano, mas faz um balanço muito positivo dos trabalhos.

Ficou satisfeito com os resultados do sínodo?

Estou muito contente, foi tudo aprovado com mais de dois terços de votos, foram aceites todas as grandes decisões que ali se propõem. Claro que tudo isso vai agora para as mãos do Papa porque o sínodo só tem poder consultivo, não tem caráter deliberativo.

É o Papa quem vai decidir?

Sim, o Papa vai-se pronunciar sobre tudo isso, ainda antes do fim do Ano. Então temos esperança que muitas coisas importantes, ali propostas, venham a ser integradas na missão da Igreja na Amazónia.

Quais são essas coisas importantes?

Em primeiro lugar, trata-se do próprio território da Amazónia e os seus povos, sobretudo, os povos originários e a sua defesa pela Igreja, caminhando junto com eles, porque esses povos sentem-se ameaçados, não tem futuro sereno e são muito esquecidos, os seus direitos não são reconhecidos. Por isso, é fundamental a demarcação das suas terras, como aliás prevê a nossa Constituição brasileira. Os povos indígenas são os originários daquelas terras.

E a dimensão ecológica no Sínodo?

É, sem dúvida, outro dos aspetos, relacionado com o cuidado da Casa Comum, como também disse muito claramente o Sínodo. Fazem parte da nossa fé, porque nós cremos num Deus criador e a Terra é um dom que Deus nos deu para nos sustentar e não para a degradar nem a destruir.

Considera que esta consciência é partilhada pelas autoridades no Brasil?

Atualmente, temos alguns problemas porque o governo do Brasil chegou a pensar sair do acordo climático de Paris, o que seria realmente desastroso. Na verdade, todo o Sínodo também se realizou dentro dessa grande problemática mundial que é a crise climática e ecológica. E sair desse acordo significaria retroceder na questão da preservação da Amazónia, que é fundamental para o clima e para toda a saúde e futuro do planeta. Nesse sentido, estamos muito preocupados com um eventual retrocesso e o que isso poderá significar para o Brasil.

Pensa que depois do Sínodo, mudou a consciência mundial sobre a Amazónia?

Penso que sim, que ajudou muito. Para nós até foi uma surpresa o modo como os meios de comunicação mundial participaram. Quer dizer que o Sínodo falou de algo que tem a ver com o mundo, porque a situação da crise mundial climática e ecológica é uma crise grave e urgente. É preciso atuar de imediato. Acho que o Sínodo contribuiu realmente, mas tem sempre de ser retomado porque os interesses contra são muito grandes: interesses económicos e das grandes empresas, relacionadas com petróleo e com carvão mineral, por exemplo. São eles os grandes vilões da crise climática.

Durante o sínodo falou-se muito de ordenação de homens casados, de diaconado feminino... São novidades que espera que aconteçam na Igreja Católica?

Espero que consigamos, na Amazónia brasileira e em toda a pan-Amazónia, assumir de forma sinodal, juntos com o povo, esse grande processo. Foi abordada a questão dos padres casados, por causa das comunidades mais afastadas na floresta que não têm acesso à Eucaristia, nem aos outros sacramentos necessários para vida quotidiana. Eles não têm padre, só lá vai uma vez por ano, ou nem isso. Então, dentro deste contexto, foi proposta a possibilidade de se ordenar padres casados, na seguinte forma: que fossem primeiro ordenados diáconos permanentes, homens casado a exercer durante certo tempo e, só depois, se deverá escolher entre estes um ou outro que possam realmente vir a ser ordenados padres para assumirem essas comunidades mais distantes e conviver com elas.

Mas isso agora está nas mãos do Santo Padre.

Exatamente. E esperamos que ele concorde, pois tem sido um assunto já abordado noutras ocasiões. Mas o Papa também disse, claramente, que este sínodo não era para discutir os ministérios ordenados, o que não significava que não se pudesse considerado esta necessidade e fazer uma exceção para aquela região da Amazônia.

Sabemos que é um grande amigo do Papa Francisco. Quer partilhar connosco algumas palavras que o Papa lhe tenha dito?

Vou-lhe contar o seguinte: Depois da eleição do Papa Francisco, no final do Conclave, encontrei-me com ele e ele disse-me “D. Cláudio, a partir de hoje você vai ter que rezar diariamente um terço do rosário por mim”. Eu prometi-lhe e faço-o até hoje, rezo por ele todos os dias um terço do rosário.

E depois do Sínodo, falou com ele?

Depois do sínodo, não consegui porque ele estava muito ocupado, mas vou estar de novo com ele, em Roma, quando houver a reunião do conselho pós-sinodal que vai acompanhar a concretização do Sínodo.

O senhor cardeal também foi aquele que lhe disse, quando o Papa foi eleito, para não se esquecer dos pobres…

Sim, é verdade. Eu estava sentado ao lado dele, e quando os votos começaram a convergir para ele, eu consolava-o e depois, quando os votos foram suficientes para ser eleito, houve um grande aplauso na sala, na Capela Sistina. Então, abracei-o, beijei-o no rosto e disse-lhe: “Não te esqueças dos pobres” e foi aí que ele, pensando nos pobres do mundo, tomou o nome de São Francisco de Assis como nome para o seu pontificado.

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