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Está a nascer uma "aldeia para Deus" no Nordeste Transmontano

25 jun, 2019 - 15:07 • Olímpia Mairos

Mosteiro trapista de Palaçoulo, a que alguns chamam de sonho e outros carícia de Deus, vai tornar-se uma realidade.

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Espaço Reportagem 25/06/2019 - Mosteiro trapista, da jornalista Olímpia Mairos
Clique na imagem para ouvir a reportagem na íntegra. Foto: Olímpia Mairos/RR

O homem sonha, a obra nasce. É assim, também, com o primeiro mosteiro trapista em Portugal. Nasce em Palaçoulo, no concelho de Miranda do Douro, de sonhos que se cruzaram e tornaram realidade.

“É uma questão de atualidade, porque hoje há cada vez mais pessoas a procurar o silêncio, na busca de uma espiritualidade autêntica e profunda. E no alinhamento da regra de S. Bento, este mosteiro trapista constitui um valor acrescentado”, afirma o bispo de Bragança-Miranda.

“É o tal sonho de Deus que se torna realidade e aqui, em Palaçoulo, é uma carícia de Deus”, prossegue D. José Cordeiro, aludindo ao sonho das Irmãs em fundar um mosteiro em Portugal e aos muitos sinais, neste percurso de aproximadamente três anos. “Aconteceu pela Providência Divina desta maneira. E é com enorme alegria e profunda esperança que acolhemos o mosteiro aqui”, observa o prelado.

O dia da bênção do início das obras da hospedaria, ou casa de acolhimento como é designada em Portugal, para ir ao encontro da legislação portuguesa, amanheceu chuvoso e foi debaixo de uma chuva intensa que decorreu a cerimónia. Caso para o povo dizer: “obra molhada, obra abençoada”.

Esta primeira fase é a construção da casa de acolhimento que, depois do estudo da realidade, está perfeitamente insculturada, porque será feita com os materiais da região. “Como as próprias irmãs dizem, é já o início de uma aldeia para Deus, feita com os materiais do Planalto Mirandês. É uma arquitetura monástica”, realça D. José.

“Se não acreditassem, isto não seria possível”

“Este é um dia muito feliz” diz o padre António Pires, pároco de Palaçoulo e procurador da comunidade monástica em Portugal, referindo-se à bênção do início das obras da Casa de Acolhimento do Mosteiro Trapista de Palaçoulo.

“O sonho começa a tornar-se realidade. Houve uma probabilidade, passou essa possibilidade e hoje, sem dúvida, é uma realidade. Sinto-me muito feliz”, afirma o sacerdote à Renascença, recordando o primeiro encontro com as monjas em Vitorchiano, em 23 de novembro de 2016. “E a partir daí fiquei cúmplice também e envolvi-me totalmente, disponibilizei-me totalmente”, conta o padre António Pires.

O processo, entre a decisão de construir o mosteiro até ao presente, não foi fácil, “foi um processo complicado”, admite o sacerdote, explicando que “há aqui muitos direitos reais: há o direito administrativo, o direito canónico, o direito concordatário, todo um processo que foi necessário até chegarmos a esta hora, que é mais uma página do diário de Vitorchiano, do diário da paróquia e do meu próprio diário”. Haverá mais páginas, muitas, mas é um capítulo da epopeia”, observa o sacerdote.

Por entre as dificuldades em avançar com algo novo - a construção de um mosteiro, o padre António Pires deparou-se também com a incredibilidade de alguns, mas nunca se deixou abater. “Havia dúvidas. Chegaram a dizer-me, inclusive, que era mais fácil as vacas voarem que um mosteiro vir para Palaçoulo. Eu, hoje, até brinco com a situação e digo que a vaca mirandesa, em posta, nos bons restaurantes, voa muito depressa”, conta o sacerdote à Renascença.

“Povo extraordinário foi o de Palaçoulo”, afirma o padre António Pires, explicando que quando conheceu as monjas e acolheu o desejo de erguerem um mosteiro naquela localidade, não sabia que quantidade de terra precisariam, qual a área, quantos hectares.

“Eu até pensava em 10 hectares. Depois, mais tarde, soube que, no mínimo, teriam que ser 20. E nós conseguimos 30 hectares. E num processo muito rápido. Começamos o emparcelamento em janeiro de 2017. Em fevereiro tínhamos já as terras registadas em nome da fábrica da Igreja, uma vez que o mosteiro não tinha personalidade jurídica ainda. Depois fizemos a transição, quando o mosteiro teve personalidade jurídica”, explica.

O segredo parece estar no entusiasmo de alguns que conseguiram contagiar outros. E todos acreditaram. “Se não acreditassem, isto não seria possível. É verdade que é um grupo cristão, um grupo que sente a Igreja e Palaçoulo, que é uma aldeia com a sua própria especificidade, tem uma cultura muito própria. As pessoas sentiram que o mosteiro potenciaria muito também a sua própria localidade. Isto, para eles, é motivo de orgulho”, diz o padre António.

O sacerdote realça ainda que o povo de Palaçoulo “respondeu com aquilo que podia responder, que estava na sua disponibilidade” e assegura que “continuará a responder, porque isto tem que nos englobar a todos e até à própria diocese, mas também é um grande dom que estamos a receber, que nos está a superabundar a todos. Certamente que as comunidades locais, a diocese e a Igreja em Portugal terá toda a boa vontade de colaborar”.

“Temos para dar uma vida oferecida a Deus”

De um sonho que “começa a tornar-se realidade, para graça de Deus e pela boa vontade de tanta gente que, como nós, creem nesta experiência, nesta aventura”, fala também a madre Guisy, superiora nomeada para o novo mosteiro.

A monja de 56 anos integra a comunidade de 10 monjas e espera estar em Palaçoulo dentro de 16 meses, altura em que se prevê esteja concluída a hospedaria. “Vimos com muita fé e com o desejo de trazer algo de bom para a Igreja. O que temos para dar é uma vida oferecida a Deus, que é uma vida muito linda porque vivida diante e na procura de Deus”, conta à Renascença.

A monja que já se exprime em português esclarece que vão viver do seu trabalho e que, numa primeira fase, vão contar com a ajuda do mosteiro fundante de Vitorchiano. Da gente de Palaçoulo destaca a abertura, a disponibilidade e a ajuda. “Encontrei gente boa. Foi uma linda surpresa”, conclui.

A monja mais velha que vem para o mosteiro de Palaçoulo é Maria Augusta de 82 anos. Conta que se ofereceu na sequência do apelo do Papa Francisco: ‘é preciso que os mais velhos sonhem para que os jovens possam profetizar’.

“Sou a mais velha, portanto, serei a avó da comunidade. Ofereci-me para vir”, conta, revelando-se “feliz por vir”, porque teve na vida “outras experiências de fundações” e sabe que “a presença de uma pessoa mais velha pode ser útil numa comunidade jovem. E gostaria de dar a Deus, até ao último momento, tudo aquilo que posso”.

“Já vi o terreno. Gosto muito. É um terreno isolado, como é na nossa tradição e parece-me que tudo possa conduzir a uma vida de contemplação, de paz, de fraternidade, como é a nossa. Quando o vi pela primeira vez disse: “É aqui que quero viver e é aqui que quero morrer”, conta a monja por entre sorrisos.

O mosteiro de Palaçoulo, com capacidade para 40 monjas, contempla uma casa de acolhimento, uma hospedaria, segundo a regra de S. Bento, destinada aos visitantes e turistas, e que servirá como fonte de receitas.

Pedro Salinas Calado, arquiteto coordenador da equipa projetista, confessa à Renascença tratar-se da “obra mais importante” da sua vida, até hoje. Fala de um “trabalho muito intenso, muito rezado”, que, espera, “possa verter para a obra em si, depois de construída”.

“Contactar e trabalhar com as monjas tem sido contagiante. É uma experiência absolutamente extraordinária”, diz Pedro Calado, explicando que “as Irmãs estão mesmo a tratar de coisas de Deus. Vivem isto com uma liberdade e uma determinação que se percebe que é mesmo gente confiada a Deus”.

O que pode um mosteiro trapista trazer a uma região do interior?

Artur Nunes, presidente do Município de Miranda do Douro, conta que o concelho “acolhe calorosamente” as monjas e fala de um processo e de “um trabalho de várias entidades que se envolveram e comprometeram a chegar a este dia”.

“É marcante, porque já há tantos anos que não se fazia e construía um mosteiro em Portugal. Através da Igreja, da construção deste mosteiro, abre-se aqui uma porta de fé, de investimento. Será uma marca histórica para a região”, observa o autarca.

O presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro acredita que “Palaçoulo, uma terra com gente muito empreendedora, muito trabalhadora, uma aldeia que é exemplo a nível nacional ao nível da produção, da inovação, da internacionalização, só tem a ganhar com o mosteiro trapista que proporcionará uma outra vitalidade à região”.

“Com certeza que este mosteiro traz vitalidade e mais vontade para Palaçoulo aparecer, não só nos territórios nacionais, mas também internacionais, na sua projeção de fé”.

O autarca considera que o mosteiro pode dar um novo impulso ao turismo na região, explicando que “há também um novo conceito de um turismo associado, de uma produção e de uma visão diferente para o território, da Diocese de Bragança-Miranda, que ganha aqui uma escala nacional e internacional”.

Para Ricardo Silva, de 19 anos, habitante de Palaçoulo, o mosteiro “é um orgulho para todos. Vai enriquecer a aldeia, torná-la ainda maior e atrair visitantes que procurem paz e silêncio”. “É muito importante. A aldeia vai ser mais conhecida a nível nacional e internacional. É um orgulho e uma graça de Deus”, confirma José Augusto ramos, de 77 anos.

Para David Fernandes, “o mosteiro pode desenvolver toda a região, na medida em que vai trazer visitantes quer pela curiosidade da vida monástica, quer para virem repousar na casa de acolhimento”. Já Liliana Delgado, de 33 anos, destaca o contributo que o mosteiro pode dar para “a vivência da fé” e para “o desenvolvimento da aldeia, com a criação de alguns postos de trabalho e atração de pessoas”.

Combate ao bullying de lobbies que procuram desfigurar a identidade cristã

Numa altura em que se fala muito que se está a perder a identidade cristã, e “é possível, porque há uma espécie de bullying ideológico, bullying de lobbies que procuram desfigurar a identidade cristã”, o padre António Pires destaca a importância de uma presença monástica em território português.

“Esta comunidade e esta região e este país, como a Itália, como a Espanha, como grande parte dos países da Europa, tem raízes cristãs. E se nós olharmos para uma árvore que pode ficar desfigurada numa trovoada, num vendaval, podem-se partir os ramos, mas as raízes lá estão. E nós, hoje, os sacerdotes, pelas exigências que os desafios nos colocam hoje, entramos numa espécie de burnout espiritual, e mesmo as pessoas… E penso que esta vida, este encontro com a Palavra que o mosteiro possibilita, a vida comunitária, a oração, o acolhimento, o trabalho, irá combater muito este burnout espiritual”, explica o sacerdote.

Já a aldeia de Palaçoulo, a unidade pastoral, a região, a diocese, a Igreja em Portugal, e o país vizinho, poderão, segundo o procurador da comunidade monástica, “encontrar aqui uma referência muito grande para não cair na tentação de despir o fato do batismo nem apagar a vela da primeira comunhão ou da confirmação, porque muitos cristãos, hoje, fazem isso com muita facilidade”.

“É um sinal profético. Será uma forma de desinstalar, será uma forma de mergulhar também neste mistério. Irá equilibrar uma certa azáfama, um certo ativismo, uma certa desorientação. Irá recolocar-nos em Jesus Cristo, sob o manto de Nossa Senhora”, conclui o sacerdote.

Para o bispo de Bragança-Miranda, o mosteiro Trapista de Santa Maria, Mãe da Igreja” poderá ser “gerador de cultura e de desenvolvimento integral”. “Está vocacionado para a vida contemplativa, trazendo ao Nordeste Transmontano uma mensagem de paz para todos aqueles que aqui se deslocarem em busca do silêncio, da fé e da contemplação”, explica o prelado.

O bispo de Bragança-Miranda manifesta também o desejo e diz ter “muita esperança” de que Palaçoulo possa “acolher alguns grupos de jovens” vindos para as JMJ, em 2022, “sobretudo por causa da atração do Mosteiro Trapista de Santa Maria, Mãe da Igreja, porque é assim, a vida contagia-se e alarga-se”.

O primeiro mosteiro trapista em Portugal nasce em Palaçoulo, no concelho de Miranda do Douro. Chama-se “Mosteiro Trapista de Santa Maria, Mãe da Igreja” e é uma fundação do Mosteiro de Vitorchiano (Itália), pertencente à Ordem Cisterciense da Estrita Observância (OCSO), também conhecida como “Trapista”. O investimento, estimado em seis milhões de euros, será suportado integralmente pela Ordem formalmente designada "Cisterciense da Estrita Observância”.

Neste momento decorrem as obras de construção da casa de acolhimento que deverão estar concluídas dentro de 16 meses. Depois, e já com a comunidade de 10 monjas no local, avançam as obras do mosteiro propriamente dito, com a igreja abacial, projetado para 40 monjas.

O dia da bênção do início das obras da hospedaria foi dia de festa em Palaçoulo. A comunidade paroquial reuniu-se à volta da mesa da eucaristia, depois deslocou-se ao terreno para a cerimónia da bênção e, no final, os pauliteiros brindaram as monjas com as suas danças. A iniciativa concluiu com um lanche oferecido pela Fábrica da Igreja da Paróquia de S. Miguel de Palaçoulo.
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