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​Missão País. Quebrar barreiras e sair da zona de conforto

19 fev, 2019 - 13:00 • Olímpia Mairos

Santa Marta de Penaguião recebe a Missão País pelo segundo ano consecutivo. A iniciativa envolve jovens universitários que aproveitam a pausa entre semestres para contactarem com comunidades espalhadas por Portugal.

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A Missão País está pelo segundo ano consecutivo em Santa Marta de Penaguião, na diocese de Vila Real. É formada por 58 jovens universitários, do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto.

Durante uma semana, os estudantes fazem do Fórum de Atividades de Santa Marta de Penaguião a sua casa. E é daqui que partem diariamente em missão, na alegria de “missionar e contagiar corações”. Uns vão para as escolas, outros para os lares e outros, ainda, para o contacto junto das populações, no “porta a porta”.

Na aldeia de Paredes de Arcã, Maria Isabel Silva, de 84 anos, está sentada ao sol quando é abordada por quatro jovens. “Bom dia. Somos da Missão País. Podemos falar consigo um bocadinho?, pergunta um dos jovens, que envergam t-shirts roxas, onde se pode ler o lema da missão ‘E se conhecesses o dom de Deus?’”.

Maria Isabel começa por olhar com alguma desconfiança, mas é só no primeiro contacto. Depois estabelece-se o diálogo, por entre rasgados sorrisos e até gargalhadas, sobre o sol que está “a aproveitar”, os sete filhos, os 17 netos e os 17 bisnetos e a vida dura que teve, a trabalhar nas vinhas do Douro.

A idosa conta aos missionários que foi agricultora, trabalhou de sol a sol na vinha, para criar os filhos e passou “muita fome”. Agora vive com uma filha e gosta de ver gente nova nem que seja só de passagem. Sobre os jovens da Missão País diz que “são todos jeitosos e simpáticos”. “É como diz a cantiga, se fosse nova não me escapavam”, graceja.

Os jovens fazem-se acompanhar do ícone da Mãe Peregrina, uma imagem de Nossa Senhora de Schoenstatt, um dos símbolos que carateriza a ‘Missão País’, e vendo que a senhora tem nas mãos um rosário, convidam-na para uma breve oração. E é assim que o encontro termina.

Segue-se uma nova casa e um novo contacto. Maria Rebelo, de 83 anos, acolhe os jovens à porta e convida-os para a varanda com vista para as vinhas em socalcos do Douro. E a conversa começa mesmo por aí, pela beleza da paisagem que se avista, passando pelos trabalhos de antigamente, até se chegar às ‘maleitas’ de que padece.

“Hoje já não posso fazer nada e vivo aqui com a minha filha, mas, noutros tempos, trabalhei muito na vinha”, conta, desejando aos jovens missionários que “vão com o anjo da guarda, que nosso Senhor os guarde, para que corra bem a vida”.

Júlio Almeida, presidente da junta de freguesia de Sever, diz à Renascença que “esta missão é muito importante” para a população desta freguesia, justificando que “as pessoas estão praticamente isoladas e ficam todas contentes por verem gente nas freguesias. É uma maneira de conversarem e de conviverem”.

“O que se recebe é bem mais do que o que se dá”

Isabel Moreira, 25 anos e estudante de medicina, é uma das voluntárias a percorrer as aldeias de Santa Marta de Penaguião, no contacto com os mais velhos. “Está a ser muito interessante, porque a cada casa que vamos é uma história diferente e muita partilha por parte das pessoas que encontramos, uma necessidade extrema de falar, de contar o seu dia a dia”, afirma a jovem.

Como futura médica valoriza a oportunidade de “contacto com as pessoas”, acreditando que lhe vai ser “muito útil na comunicação no futuro com os pacientes”.

Também Inês Marques, de 19 anos, a frequentar o segundo ano de medicina, considera “extremamente importante conhecer e contactar com realidades novas” porque, diz, “ajuda-nos a num futuro a tratarmos melhor os doentes, a pensar duas vezes antes de dizermos alguma coisa, porque nós nunca sabemos o que se passou na vida das pessoas para serem de determinadas formas”.

António Lima, de 21 anos e também estudante de medicina, está a realizar a sua primeira missão e considera a experiência “muito enriquecedora”. “Nunca tinha tido a coragem de vir. Mas é uma forma de quebrar barreiras e sairmos um pouco da zona de conforto e de nos darmos a estas pessoas, que não têm muita companhia durante o dia”, conta o estudante do quarto ano.

Agora, que está em missão porta a porta, diz que “o que se recebe é bem mais do que o que se dá e as pessoas ficam com uma felicidade tremenda”. No “porta a porta”, António Lima explica que “dão companhia” e recebem em troca “muitas experiências de vida e conhecimento”. “Saímos daqui de coração cheio de várias experiências que vamos vendo e partilhando”, conta o futuro médico.

O jovem António refere que, “às vezes, as pessoas acham que vamos vender alguma coisa, mas depois de explicarmos, recebem-nos de braços abertos”.

“De braços abertos”, foi assim que a autarquia de Santa Marta de Penaguião recebeu os jovens, conta à Renascença, um dos chefes da Missão País, João Silva. “Contamos com o apoio inexcedível da autarquia, a nível de transportes, alimentação e alojamento e até de apoio emocional, de acompanhamento, prontidão para ajudar”, sublinha.

O estudante de 21 anos está no quarto ano de medicina e explica que a missão como chefe “às vezes é complicada”. “Como chefes, a nossa missão é concentrarmo-nos nos missionários e dar-lhes todas as condições, para que consigam fazer o melhor trabalho nas comunidades”, conta João, realçando que um dos focos da iniciativa é “deixar sementes”.

“Queremos deixar aqui alguma inspiração, para continuar este espírito e este projeto, daí envolvermos nas nossas atividades os jovens das localidades, para eles perceberem o que nos move e como incentivo para eles prosseguirem com esta missão”.

Dificuldades, privações e limites. Serviço “bastante cansativo, mas muito gratificante”

Durante uma semana os jovens universitários têm que enfrentar algumas dificuldades, privações e limites. Dormem no chão, em sacos cama, e vivem em comum, numa partilha de espaços, de tempo e de vidas.

O dia começa e termina sempre com a oração. O chefe deste setor, Miguel Vidal, de 22 anos, estudante de medicina veterinária, explica que o objetivo é “levar a fé e a espiritualidade católica aos jovens universitários, para que eles possam ser saciados e transbordarem essa fé para todos aqueles em que tocam aqui, nos municípios do interior”.

Ao longo da semana, os jovens são também chamados a olhar para a sua própria fé. São acompanhados por um sacerdote e é-lhes proposto um tema diário. Têm a oportunidade de estar na presença de Jesus, através da missa diária, orações da manhã e da noite e meditações que lhes permitam aproximarem-se de Deus e melhor compreender o sentido da Missão.

Maria Oliveira, de 20 anos, aluna do terceiro ano de ciências do meio aquático, está na sua segunda missão e é chefe de serviço. Trata da logística, manutenção e limpeza dos espaços onde estão alojados e assegura-se que “todos os missionários têm as condições necessárias para poderem ir missionar lá para fora”. É um serviço “bastante cansativo, mas é muito gratificante”, refere à Renascença.

“As pessoas estão recetivas. Toda a gente gosta mesmo muito desta missão”

A Missão País termina, em Santa Marta de Penaguião, com uma peça de teatro preparada pelos universitários para toda a comunidade.

Beatriz Rocha, de 21 anos e aluna do curso de ciências farmacêuticas, é a chefe do teatro e explica que se trata de um presente dos jovens para a comunidade que os acolhe. “Tem toda uma história referente ao tema deste ano, à volta da samaritana, que envolve a água e um poço, tem uma parte de moral, mas também tem partes com piadas e engraçadas”, conta.

A jovem universitária refere que preparar o teatro “às vezes, não é fácil, porque somos todos estudantes e não é de teatro, mas é um desafio para os atores, para eles próprios conseguirem superar esse medo de falar em público e de não terem medo de se expressarem”.

A jovem descreve a experiência de missão “única, incrível” e afirma que “toda a gente gosta mesmo muito desta missão”.

“Temos oportunidade de dar um pouco de nós aos outros, mas muito mais do que dar é o que nós recebemos da comunidade e notamos que este ano as pessoas estão mais recetivas, apoiam-nos em tudo, querem sempre participar nas nossas atividades e estão ansiosas que cheguemos perto delas”, conclui.

Os jovens da Missão País percorrem, durante uma semana, aldeias, lares e escolas e desenvolvem várias atividades como jogos, orações e teatro. A iniciativa não se limita aos estudantes católicos, há alunos sem vivência religiosa ou de outras religiões.

Para o padre António Luís, ao serviço da Igreja de Santa Marta de Penaguião, trata-se de uma iniciativa “muito oportuna para a população em geral e para a Igreja em particular”. “É um desafio para os jovens, sobretudo para os que estão organizados e colaboram nas tarefas das paróquias. E certamente continuará a dar frutos como já deu o ano passado”, sublinha o sacerdote.

A Missão País é um projeto católico que envolve milhares de jovens em todo o país, que aproveitam a pausa entre semestres para contactarem com comunidades espalhadas por Portugal.

Em 2019, a Missão País conta com a ajuda de 3.200 missionários divididos em 55 missões, todos com o lema “E se conhecesses o dom de Deus?”.

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