19 dez, 2018 - 17:23 • Rosário Silva
O pároco de Borba, padre Ricardo Cardoso, diz que a população vive “insegura e em risco”.
Em entrevista à Renascença, Ricardo Cardoso lamenta que o tempo passe sem que sejam apuradas responsabilidades. Um mês depois da tragédia, o sacerdote teme que o caso caia em esquecimento, lança um conjunto de questões e pede justiça para uma população do “interior esquecido” que tem o “direito de viver comodamente e em segurança”.
Há um mês, o padre Ricardo Cardoso, tal como todos nós, era surpreendido com a tragédia que acabou por vitimar cinco pessoas. Passado este tempo ,que leitura faz do que está, ou não, a ser feito?
Olhe... A verdade é que, neste momento, se estão a avaliar muito as questões a partir do passado, ou seja, pensa-se muito em recompensas que se têm de dar às famílias das vitimas, quando essas famílias ainda não estão a ser assistidas convenientemente. Aliás, o senhor arcebispo de Évora já referiu isso mesmo. É urgente dar, no momento, uma prioridade rápida a estas famílias, mas também temos de ter em conta aquilo que está para a frente.
Está a referir-se, exatamente, a quê?
Repare: temos uma população que vive insegura e uma população que vive em risco, embora a maior parte das pessoas não o saibam. Existem, neste momento, estradas com o trânsito alternado e a pergunta que se faz é porque é que o trânsito está alternado. Porque não são tomadas já decisões de fundo? Porque há pedreiras abertas e sem qualquer tipo de exploração ou avaliação dos seus riscos? E a pergunta que faço - não em função daquilo que aconteceu e que foi trágico, já existe sofrimento a marcar a vida destas populações - a pergunta que faço, é sobre o que está para a frente. O que estamos a fazer? Quais são as decisões que estão a ser tomadas? Como é que a população poderá sentir-se fora de risco e em verdadeira confiança.
Sente que, neste mês, pouco ou nada se fez?
Tendo em conta todas estas questões que deixei, vejo as coisas um bocadinho ofuscadas.
O padre Ricardo acompanha no dia-a-dia estas famílias? Tem conhecimento de que algumas estejam a passar dificuldades?
Nós sabemos que algumas das pessoas que faleceram, eram o sustento da casa e, portanto, estamos a falar de situações de alguma dificuldade, que neste momento se podem fazer sentir, mas daqui para a frente ainda se vão fazer sentir mais. A principio há sempre a solidariedade por parte das pessoas, de quem está a envolver as famílias, mas daqui para a frente as coisas vão-se desvanecendo e o sentido de solidariedade vai-se perdendo. Fica a faltar não só a vida humana, que se perdeu, mas o que ela assegurava.
Como pároco desta comunidade e perante o que têm ouvido e, sobretudo, visto, o Estado está a falhar?
Eu acho que o Estado falha sempre quando não tem atitude humana e, como tal, foram vidas humanas que se perderam. Há vidas envolvidas, as que se perderam e as que ficaram, e a primeira atitude humana que deveria ter havido era um assumir da responsabilidade ou, pelo menos o fazer-se presente. E até ao momento isso não aconteceu. O Estado começa por falhar logo com a sua ausência. Depois, falha na certeza de que há responsabilidades, como dizia o senhor Presidente da República, objetivas e outras subjetivas, e é necessário avaliar isto de forma rápida. Parece-me a mim que, ao final de um mês, as coisas estão a ficar esquecidas e, por outro lado, é necessário o quanto antes tomar decisões quanto a responsabilidades.
O que precisam, de momento, estas pessoas?
Estas pessoas precisam, por um lado, ser ressarcidas, embora saibamos que não há dinheiro que pague uma vida humana. Depois, não só as famílias das vitimas, mas também toda a população, precisa de sentir-se em segurança e viver em justiça, pois há aqui uma imensa injustiça pelo facto de o interior estar completamente esquecido. É necessário tomar a decisões sobre como se está a fazer a gestão destas coisas, nomeadamente aquilo que são os interesses públicos e aquilo que são os interesses das populações. Nós temos o direito de viver, comodamente e em segurança, como as demais populações do nosso país.