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D. António Marto. As periferias "obrigam a Igreja a desinstalar-se"

28 jun, 2018 - 10:06

A poucas horas de ser criado cardeal, o bispo de Leiria-Fátima falou na Manhã da Renascença sobre a sintonia que sente com o Papa na necessidade de reforma da Igreja.

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Não gosta de se “pavonear com vestes cardinalícias”, defende uma Igreja próxima das periferias e junto dos mais frágeis e diz que “são horas” de todos os que exercem “funções de hierarquia” na Igreja se apresentarem “com aquela simplicidade, sobriedade e modéstia com que se apresenta o nosso querido Papa Francisco”.

D. António Marto recebe esta quinta-feira o barrete e o anel cardinalícios das mãos do Papa. À conversa com a Manhã da Renascença, disse não estar nervoso e explica a elevação a cardeal pela “sintonia de mente e de coração” que tem com Francisco.


Dom António, não resisto a perguntar: está nervoso?

Não, não estou nervoso. Estou muito sereno, muito calmo. Fiquei nervoso quando recebi a notícia, em primeira mão e inesperadamente. Depois, interiorizei e agora estou num estado de paz e de serenidade de como quem vai receber uma missão, conta com a graça de Deus para a desempenhar e com o apoio e a sabedoria do Papa Francisco também.

Já esta manhã tivemos reportagem na sua terra natal, em Chaves. Da aldeia de Tronco ao Vaticano, foi uma longa viagem. Pensa nisso num dia como hoje?

Eu ontem estive a ler a reportagem na Renascença e foi como passar um filme da minha vida desde a infância ao dia de hoje, é verdade. E com alegria e consolação e até com os testemunhos dos meus conterrâneos e praticamente contemporâneos – mais ou menos da minha idade, um pouco mais velhos, um pouco mais novos – que dão conta que mantenho as minhas raízes e as minhas ligações à terra natal, que me ajudou a ser quem sou também.

Portugal passa a ter, com o Senhor D. António, dois cardeais em simultâneo titulares de dioceses portuguesas, o que já não acontecia há muito tempo. Faz alguma leitura deste facto?

Não, acho que esta nomeação se deve, em parte, ao centenário das Aparições, em que o Papa teve oportunidade de estar de perto na diocese e no santuário; sobretudo, compreender a projeção universal, quer da mensagem quer do santuário, e também a sintonia de mente e de coração entre o bispo da diocese e o Papa com este empenho na reforma que o Papa Francisco está a realizar na Igreja, para a tornar mais evangélica, mais próxima, mais misericordiosa e mais em saída ao encontro das periferias existenciais da humanidade de hoje.

E, nesse capítulo da reforma da Igreja, que contributos é que o senhor pode trazer?

Não gosto de antecipar o futuro, porque o Papa escolheu-me para conselheiro próximo e há de ser ele a fazer as propostas, a dizer aquilo que espera de mim, que missão ou missões porventura me vai confiar e, por isso, vivo na expectativa e deixo-me surpreender pelo que o Santo Padre me pedir.

Mas, se tiver de identificar um ou dois aspetos pelos quais a Igreja se deve orientar mais do que até aqui, quais seriam os que sublinhava?

São dois aspetos que estão a peito no ministério do Papa Francisco, começando pela família, com expressão desenvolvida na Exortação Apostólica sobre a Alegria do Amor e agora o sínodo sobre os jovens, a pastoral juvenil e vocaciona.

No fundo, é um repensar da missão evangelizadora para o mundo de hoje, na medida em que os jovens são a expressão do mundo novo que está a nascer, com umas transformações gigantescas e vertiginosas a que estamos a assistir e que quase não nos dão tempo de as assimilar, de as pensar e de descobrir os novos caminhos de evangelização para o mundo de hoje.

São dois campos em que me sinto mais à vontade e que ainda nos quais trabalho com paixão e com entusiasmo.



O mundo vive ainda problemas como o dos refugiados, reaparecimento dos extremismos, dos populismos. Como é que a Igreja pode ajudar a contrariar este sentimento de ódio e de violência?

A Igreja, quer ao nível do mais alto magistério do Papa Francisco, quer ao nível das intervenções das igrejas dos vários países, tem desempenhado um papel inaudito, um papel importantíssimo para responder a esta crise humanitária, que é a dos migrantes e refugiados obrigados a deixar as suas terras por motivo dos conflitos, das guerras, da miséria, da fome, das transformações climáticas e dos seus efeitos.

Estamos a criar – digo estamos porque é toda a Igreja – uma onda de solidariedade, uma grande sensibilização, mesmo através, por exemplo, da Cáritas Internacional, das populações para não deixarmos que este momento da história fique entregue às mãos de gente xenófoba, populista, que explora os instintos mais egoístas e mais individualistas, quer das pessoas quer dos povos.

Entre os novos cardeais, há apenas dois europeus. Isto também reflete o carácter cada vez mais universal da igreja?

Reflete. O Santo Padre, como temos visto sobretudo na escolha das viagens que tem realizado, tem privilegiado as zonas periféricas, as periferias, aquelas que não estão representadas suficientemente nas estruturas universais da Igreja e, por isso, tem nomeado um maior número de cardeais desses países para representar a universalidade da Igreja e, sobretudo, para olhar para a Igreja, não só a partir do centro mas olhar para o centro da Igreja a partir das periferias, que obrigam a Igreja a desinstalar-se e a pôr-se numa atitude de saída ao encontro dos mais desfavorecidos, dos mais necessitados, dos mais frágeis e dos mais pobres, quer como pessoas, indivíduos, quer como povos também.

Tem sido um trabalho excelente.

Todos nós, a partir de hoje, vamos vê-lo muitas vezes de vestes cardinalícias. Eu li que gosta mais de andar de fato…

Sim, eu não gosto muito, para ser sincero, de me pavonear com vestes cardinalícias. Sempre fui muito sóbrio, muito modesto e gostaria que todos nós na Igreja, que temos funções de hierarquia, nos apresentássemos com aquela simplicidade e sobriedade e modéstia com que se apresenta o nosso querido Papa Francisco. São horas de chegar aí.

Obrigado.

Obrigado a todos pela vossa oração.

D. António Marto identifica-se com a reforma da Igreja lançada pelo Papa (excerto da entrevista)
D. António Marto identifica-se com a reforma da Igreja lançada pelo Papa (excerto da entrevista)
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