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Eutanásia

​A pergunta devia ser: “Como desejas viver até ao fim?”

24 mai, 2018 - 16:11 • Ângela Roque

Jesuítas em Portugal tomam posição pública contra a eutanásia. Consideram “insuficiente” a reflexão que já fez, dizem que é “enganador” falar em “autonomia dos doentes”, e que só o facto de não haver cuidados paliativos acessíveis para todos, recomendaria “prudência” na aprovação da lei.

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Os Jesuítas em Portugal tomaram posição sobre a eutanásia, a poucos dias do parlamento discutir quatro projetos de lei que pretendem regular a “prática não punível”, por entenderem ser ser seu "dever tomar uma posição pública sobre esta questão”.

No editorial “Não somos sozinhos, não morremos sozinhos”, publicado esta quinta-feira no Ponto SJ, o portal de comunicação dos Jesuítas em Portugal, começam por considerar que “a reflexão que se gerou na sociedade não foi suficientemente esclarecedora”, e que “é necessário formar melhor as pessoas para as ‘decisões em final de vida’ ”, porque “há uma enorme confusão de conceitos que não será dissipada com o debate do dia 29”.

“A pergunta que importa fazer é se o caminho preconizado é o que melhor responde à necessidade de acompanhar quem se aproxima do final da vida. E quanto a isso a nossa convicção é clara: não!”, refere o texto, que lembra que o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) deu parecer negativo ao projeto-lei do PAN (relativamente aos outros projetos não foi ainda divulgado).

Para os jesuítas é enganador falar-se de “autonomia” porque, para além dessa forma de entender o ser humano inviabilizar a própria “ideia de sociedade”, e “a necessidade de um Estado Social”, todas as propostas legislativas deixam a decisão final para os médicos, o que não é legítimo. “Não faz sentido que os deputados coloquem nas mãos de um médico a responsabilidade de decidir se, diante de uma doença terminal, o argumento ‘não querer ser um peso para os filhos’ ou ‘não querer sofrer por os ver sofrer’ é um motivo suficiente para dar a morte ou para a negar. Para qualquer profissional esta escolha constituirá certamente um dilema”, e “em vez de se oferecer verdadeira autonomia, estar-se-á a proporcionar maior isolamento e solidão”.

Sobre os cuidados paliativos, e embora reconheçam os esforços já feitos para “desenvolver um plano estratégico” nesta área, os jesuítas lembram que esses cuidados não estão ainda acessíveis para todos, o que “por si só, recomendaria alguma prudência na aprovação da lei da eutanásia”. E aconselham: “importa que acompanhemos mais os processos de doença, que se criem apoios efetivos para os cuidadores que optam por cuidar de familiares doentes”, e que se aposte “em cuidados e processos que ajudem o doente a reconhecer a sua dignidade como pessoa”.

“Numa sociedade cada vez mais envelhecida, o nosso empenho tem de estar em criar condições para quem envelhece, em ajudar quem sofre lesões irreversíveis, ou adoece gravemente, a sentir-se acompanhado e protegido. Estes são os verdadeiros sinais de progresso humano e civilizacional. Importa que essa oportunidade seja dada a todos, especialmente aos que não têm recursos próprios”, sublinha o editorial.

“Sabemos que a mais perfeita rede de cuidados paliativos não responderá a todas as necessidades e não reduziria a zero os pedidos de eutanásia”, mas “o melhor modo de acompanhar os processos de morte é recordar que não somos sozinhos, nem morremos sozinhos. A vida humana implica dependência e interdependência, e por isso não faz sentido que uma lei possa sugerir a cada um: ‘decide sozinho quando queres morrer’. O que é determinante é que se desenvolva uma cultura em que o normal seja perguntar a cada um: ‘como desejas viver até ao fim?’ “, lê-se ainda no texto.

Nesta tomada de posição pública a Companhia de Jesus afirma-se disponível “para continuar a participar de modo franco e aberto no diálogo”, e lamenta que haja “da parte de alguns deputados, a tentação de se fecharem à sociedade civil e de se precipitarem a apoiar uma lei sobre a qual muitos portugueses não estão esclarecidos, não compreendendo sequer as suas consequências”.

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  • João Lopes
    24 mai, 2018 Viseu 18:05
    A eutanásia e o suicídio assistido continua a ser homicídio mesmo que a vítima o peça, tal como a escravatura é sempre um crime, mesmo que uma pessoa quisesse ser escrava! Com a legalização da eutanásia e do suicídio assistido, o Estado declararia que a vida de pessoas doentes e em sofrimento não lhe interessa, e não as protege. A eutanásia e o suicídio assistido são diferentes formas de matar. O parlamento, os tribunais, os hospitais, os médicos e enfermeiros, existem para defender a vida humana e não para matar nem serem cúmplices do crime de outros.
  • benjamin
    24 mai, 2018 famalicão 17:00
    A bárbarie continua nos povos dos países do Sul. Gostamos muito de nos afirmar como europeus e parte integrante da Europa, mas para receber dinheiro porque, para cumprir com as regras mais elementares da ética ou evidenciar os mais altos padrões morais e cívicos, isso, já é para os outros, para os que pagam as contas. Mas, já não chegava estarmos na linha da frente para matar animais inofensivos e que sempre fizeram parte do nosso "habitat" e quotidiano, pois agora, pelo que vamos ouvindo e lendo, também queremos passar para a frente na decisão de matar pessoas antes do fim anunciado. Que tristeza de gente, que tristeza de cidadãos, que tristeza de país...

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