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Hora da Verdade

D. José Traquina. “Vamos esperar que cheguem todos a recasados para depois cuidar?"

29 mar, 2018 - 00:05 • Eunice Lourenço (Renascença) e Lurdes Ferreira (Público)

O bispo de Santarém defende o acompanhamento individual como forma de discernimento para a comunhão. Mas alerta para o risco de se ficar a discutir que bispo tem a melhor nota sobre o assunto em vez de fazer o que é preciso em termos de pastoral familiar.

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Bispo de Santarém: “Vamos esperar que cheguem todos a recasados para depois cuidar?”
Bispo de Santarém: “Vamos esperar que cheguem todos a recasados para depois cuidar?”

D. José Traquina considera que o Papa Francisco é um “destabilizador”. Em entrevista à Renascença e ao Público, o bispo de Santarém que não há divisões na Igreja portuguesa, apenas sensibilidades diferentes e alerta os padres que não se podem esquecer que, além de sacerdotes, são pastores.

Tomou os jovens como prioridade na sua diocese. O que está a fazer por eles?

Encontrei em Santarém uma realidade que me espantou. Pelo Carnaval, 600 jovens de Santarém foram a Taizé, numa atividade promovida pelos professores de aula de religião e moral. Foi o maior grupo português a ir a Taizé.

Para além dos escuteiros, temos um movimento de jovens, único no país, que é o Movimento de Encontros Fraternos, que junta centenas de jovens, com dois a quatro encontros por ano, em que fazem novos convívios.

Temos hoje uma realidade juvenil muito diferente de há 40 anos. Era muito mais afastada em termos de valores e de fé, muito mais. Em Portugal considerou-se há 40 anos que a pastoral universitária tinha acabado, hoje são grupos de jovens universitários que andam à procura de padres para os acompanhar nas missões que querem.

Um dos assuntos em foco em relação à Igreja são as orientações de cada diocese para os recasados. Já deu as orientações para a sua diocese?

Não dei. Tenho pena que o assunto família se tenha fixado e o tema de Amoris Laetitia se tenha fixado apenas no oitavo capítulo [da exortação apostólica do Papa Francisco sobre o amor em família]. Deixa um trabalho marcado com essa dimensão como sendo a única e, porventura, desmobiliza a Igreja para aquilo que é preciso fazer em termos de pastoral da família. Ficamos a discutir qual o bispo que tem mais razão por causa dos recasados e esquecemos o que vamos fazer com os jovens, que querem casar, com os casais novos, qual a ajuda, o acompanhamento que lhes damos. Vamos esperar que cheguem todos a recasados para depois cuidar?

Tem grande experiência como pároco.

A experiência foi essa, do acolhimento e da proximidade. O problema é as pessoas sentirem-se rejeitadas. Auto-excluem-se. A Igreja tem porta aberta. Quando o padre dá a bênção dá para todos.

Tenho muita pena porque [Amoris Laetitia] é um documento muito bom. Se queremos ajudar, temos inspiração para uma pastoral da família alargada. Voltamos aos jovens: os jovens têm estímulos à frente para pensar no casamento? Há consideração pela família? É valorizada na nossa sociedade? Para a Igreja, é. Os pais educam os seus filhos em família, estão a educar os cidadãos deste país e desta sociedade. Os pais fazem um trabalho de colaboração enorme ao educarem os seus filhos. A família é um bem para a sociedade. É a qualidade humana da sociedade.

E qual o estímulo da Igreja?

É ir por aqui. É valorizar a família e estimular os jovens. Se não tivesse encontrado padres felizes nunca me teria metido por este caminho. Se os jovens não encontram casais felizes a viver a sua vida com sentido de realização como é que se vão meter nesse caminho?

E em relação aos recasados qual é a sua orientação?

Acho bem que se faça o acompanhamento que está a ser indicado, individual. Cada caso é um caso. Se a resposta ficar no sim ou não, estarmos a banalizar os sacramentos, mas fazendo um acompanhamento podemos concluir se há nulidades, o que houve no percurso, o sofrimento, a seriedade da questão. É possível ir integrando as pessoas. A integração é sempre possível.

Nestes anos de Papa Francisco, há grupos que o defendem e outros que o criticam. Até o acusam de heresia. Como vê estes cinco anos?

Vejo muito positivamente. Pode ser que o Papa Francisco seja considerado um desestabilizador. Para mim, é o exemplo do pastor interessado e desestabilizador e bem. Porque uma igreja que se fecha na sua verdade não cresce e não dá testemunho. O Papa tem razão quando pede a descentralização. A comunidade cresce quando faz missão com os olhos de Cristo. Não se pode dizer que o Papa Francisco não tem espiritualidade. Ele parte daí.

A igreja parece dividida entre progressistas e tradicionalistas?

Parece, mas o Papa não se incomodará com isso. Precisamos de considerar que a Igreja é una, mesmo que pareça uma manta de retalhos, é sempre a mesma, e não é possível ter uma Igreja numa unicidade de apresentação, toda igual, todos a celebrarem da mesma maneira. Temos é de fazer o discernimento em cada continente, em cada conferência episcopal, em cada bispo, fazer um discernimento para dar sinais de que estamos interessados no bem dos homens e na glória de Deus. A glória de Deus é o bem dos homens. Um padre ou um bispo é sacerdote porque presta culto a Deus, mas é pastor porque conduz o povo de Deus. As duas dimensões têm de estar presentes.

São essas duas perspetivas que dividem a conferência episcopal portuguesa?

Não me parece que em Portugal exista essa divisão. Existem sensibilidades, cada um de nós tem a sua, mas não existe divisão.

No mundo, percebe-se que há pessoas que se refugiam mais na liturgia e outras que são mais levadas a cuidar do próximo. Desde que nos encontremos na mesma eucaristia é bom.

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