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"Missão País". "Aprendi a interessar-me mais pelas pessoas"

06 fev, 2017 - 19:23 • Ângela Roque

Projecto católico de universitários começou em 2003 com 20 estudantes, mas já envolve mais de 2.300. Em entrevista à Renascença, o coordenador nacional fala da importância deste projecto.

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Manuel Albuquerque está no quarto ano de medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova (Nova Medical School). Faz missões desde que entrou para a universidade e este ano é um dos coordenadores do projecto a nível nacional.

Em entrevista à Renascença, conta como surgiu e cresceu o projecto "Missão País". Em 2017, são já 45 as missões de 38 faculdades de Lisboa, Porto e Coimbra, envolvendo mais de 2.300 estudantes. O objectivo é que em cada uma se formem Núcleos de Estudantes Católicos, que permitam prolongar o trabalho missionário e evangelizador ao longo do ano.

“Mãe, vens visitar-me?” foi o lema escolhido para a edição deste ano, em que se celebra o centenário das aparições de Fátima. As missões arrancaram ainda em Janeiro, e prolongam-se até Março.

Todos os anos por esta altura, na pausa lectiva entre o 1º e o 2.º semestres, realizam-se estas missões e são muitos os estudantes universitários envolvidos. O que é que mobiliza os jovens para um projecto destes?

Querer levar a sua fé para a faculdade e foi assim que começou o projecto. Porque às vezes é difícil viver a fé na faculdade.

Foi essa necessidade que deu origem a este movimento, que agora faz estas missões. Isto surgiu há mais ou menos quanto tempo?

Foi em 2003, este vai ser o 14º ano da “Missão País”. E surgiu por causa de um jovem do movimento apostólico de Schoenstatt que teve vontade de fazer qualquer coisa na sua faculdade, levar a sua fé para a faculdade. Houve um padre que o ajudou e lhe deu umas ideias com base numas missões parecidas que já se faziam no Chile. Foram mobilizados 20 jovens nesse primeiro ano e a partir daí foi sempre crescendo. Este ano somos uns 2.300 missionários, 2.300 universitários nas missões.

De quantas faculdades?

De 38 faculdades, mas algumas têm várias missões, por isso são 45 missões no total, de 38 faculdades pelo país. Há no Porto, em Coimbra e em Lisboa, por enquanto. Há faculdades que não têm pessoas suficientes interessadas para abrir lá missões, mas os estudantes podem fazer missões na mesma, inscrevendo-se através de outras faculdades.

Isso indica que há muito interesse por este tipo de iniciativa?

Há muito interesse e todos os anos tem crescido. No ano passado eram 42 missões, este ano são 45, no ano anterior eram 37, por isso isto tem crescido bastante ao longo dos anos e é muito bonito ver isto crescer.

Na prática, o que implica a missão?

O que costumo dizer é que vamos pôr-nos ao serviço uma semana para uma vila ou uma aldeia, a escolha é feita mais pelo tamanho e por ter instituições adequadas à nossa missão. E nós vamos lá durante uma semana e tentamos pôr-nos ao serviço da comunidade em tudo e mais alguma coisa.

Fazem uma pesquisa do que é necessário, onde é que é precisa ajuda?

Sim. E tentamos não escolher sítios muitos grandes – cidades, por exemplo. Concretamente, o que fazemos é: vamos às escolas contactar com as crianças o máximo possível, tentar transmitir a nossa fé, mas não de uma maneira directa. Tentamos, pelo nosso exemplo, pelo nosso contacto pessoal com eles, conseguir marcá-los e levar-lhes um bocadinho da nossa alegria de viver a fé. Vamos também aos lares, muitas vezes, às vezes hospitais ou centros de dia, depende do que há nas localidades.

Depois também fazemos uma coisa que é um bocadinho a parte central da nossa missão: o “porta a porta”. Vamos pela vila ou pela aldeia andar a bater às portas e tentar chegar àquelas pessoas que estão dentro de casa, que também precisam muito de companhia e que ninguém vai ter com elas. Há imensas pessoas que têm histórias fantásticas sobre isto do “porta a porta”, e eu acho que é o que leva muito esta missão para a frente.

Muitas vezes vamos com a imagem da Mãe Peregrina, que é a imagem de Nossa Senhora de Schoenstatt e as pessoas também ficam muito marcadas pela imagem. Conseguimos, no fundo, envolver a população toda, os mais idosos, os mais novos, aquelas pessoas que estão em casa. Às vezes, também vamos aos cafés, convidamos as pessoas para a missa, porque normalmente temos missa todos os dias. Há sempre um teatro durante a semana, que um grupo de estudantes prepara, e há uma vigília de oração também.

As comunidades que vos recebem têm esta noção clara de que vocês vão numa missão de evangelizar?

Sim, isso é sabido. E normalmente a primeira pessoa com quem contactamos é o padre, que vai falando disso na Igreja, e toda a gente sabe que somos um projecto católico. Depois as nossas t-shirts também têm cruzes, temos a Mãe Peregrina…Isso também nos dá uma certa responsabilidade para nos portarmos bem…

E para se lembrarem que estão ali em missão.

Exacto. E depois também vemos a Igreja a crescer ao longo das missas, todos os dias, as pessoas vão aderindo.

As missões não acontecem todas na mesma altura, pois não?

Não, é ao longo desta pausa lectiva, mas uns vão numa semana outros noutra. Eu vou dia 12, para Alcanede, vai ser o primeiro ano de missões nesse sítio. Mas as missões deste ano, as primeiras começaram ainda em Janeiro e vão até Março.

De ano para ano, realizam-se nos mesmos sítios ou vão variando?

Nós fazemos três anos em cada sítio, para dar o mínimo de continuidade ao trabalho, mas não queremos que as pessoas fiquem dependentes de nós. Ou seja, queremos que haja uma espécie de envio, nós vamos lá fazer o nosso trabalho, ajudar a transformar um bocadinho aquela localidade, mas depois queremos que a comunidade consiga dinamizar-se e voltar a uma vida normal de fé, por ela própria.

A vertente da fé é muito importante nesta missão, mas também tem algum cariz solidário?

Sim. Lá está, nós pomo-nos ao serviço da comunidade para o que precisarem, e às vezes surgem esses trabalhos. Eu próprio já tive de pintar umas paredes, às vezes são os lares e os centros de dia que precisam mais dessas ajudas, e nós estamos dispostos a fazer isso. Faz todo o sentido dentro desta missão de nos pormos ao serviço das outras pessoas.

As missões acontecem só nesta altura? Não voltam, por exemplo, no Verão?

Não, só fazemos nesta altura. Mas eu já tive um projecto de pós-missões na minha faculdade em que nos organizámos por grupos de três ou quatro, e íamos lá um fim-de-semana por mês ajudar a fazer companhia e ajudar o grupo de jovens de lá.

Pertence a que faculdade?

À Nova Medical School.

Vai ser um futuro médico?

Se Deus quiser!

E isto faz diferença na sua vida?

Sim, eu acho que as missões fazem diferença na minha vida. Eu até tenho uma anedota gira… uma vez estávamos todos num centro de dia, éramos todos estudantes de Medicina, e estava uma pessoa à conversa com um senhor que se queixava muito: “Não me tenho sentido muito bem desde que fui operado ao coração’. E, de repente, estávamos ali uns sete ou oito à volta daquele senhor, a querer saber tudo – “então, foi operado a quê?”. E isto é giro porque, no fundo, esta missão está muito ligada à minha futura profissão. Sinto que fez muita diferença, fez-me interessar mais pelas outras pessoas, que não é uma coisa fácil, estarmos totalmente ali para aquela pessoa…

Mas isso para um médico é fundamental, não é?

É muito importante, exactamente. Por isso mesmo este “treino” é muito bom também para a minha futura profissão. E acho que se adapta a todas as profissões, porque é preciso saber amar. No fundo, quando estamos ali com aquela pessoa estamos a entregar-nos totalmente a ela.

Este é um projecto católico de universitários, mas não vão só católicos?

Não, vão muitos estudantes que não são católicos.

E já aconteceu converterem-se?

Sim, tantos. Eu acho que a “Missão País”, se calhar, cresceu tanto porque houve muitas histórias de conversão. Pessoas que ficaram totalmente agarradas à “Missão País”, que cresceram imenso. E também pessoas que se calhar já tinham abandonado um bocadinho a vida de fé e conseguiram voltar, graças à “Missão País”.

Depois da “Missão”, os estudantes fazem caminho juntos nas várias faculdades?

A “Missão País” tem um objectivo que é inspirar gerações que vivam a fé católica em missão. Queremos marcar uma geração de católicos que consigam, no seu dia-a-dia, viver a sua fé. Portanto, sim, o grande objectivo é continuarmos a juntar-nos na faculdade, nem que seja só em almoços ou debates, o que quer que seja. Orgulhamo-nos muito de ter estado na origem dos Núcleos Católicos nas faculdades, onde tentamos formar-nos para sermos profissionais exemplares, profissionais cristãos que consigam amar o outro o melhor possível. É muito interessante porque nas missões acabamos por ter um estágio e ficamos tão felizes com aquilo que queremos continuar no nosso dia-a-dia. E isso é que eu acho extraordinário e é um dos nossos grandes objectivos: haver estes Núcleos Católicos nas faculdades que consigam perpetuar o nosso trabalho nas missões.

Esta entrevista foi transmitida na Renascença no espaço das 12h00 desta segunda-feira, dia em que é dado destaque aos temas sociais e da vida da Igreja

Comentários
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  • Rui Moreira
    10 abr, 2017 Ericeira 23:57
    Gostei de ouvir o Manuel hoje um dia gostaria de falar consigo
  • Anónimo
    29 mar, 2017 Lisboa 01:20
    Eu fiz a Missão País por três vezes e acho ser um projecto com uma ideologia tremenda! Animar vilas pequenas, fazer companhia aos idosos entre outras coisas. Foi algo do qual gostei bastante mas não me interessa repetir...Honestamente acho que hoje em dia a Missão País é mais popular do que outra coisa. As pessoas vão lá para conhecer malta, miúdas giras e para ser vistos. Opinião de quem passou por isso. Acho a ideia excelente e este tipo de iniciativas devia existir mais. O problema é que quando se torna demasiado grande, os valores perdem-se pelo meio. Recomendo as pessoas a ir, mas quero que façam esta pergunta antes: "Porque vou mesmo? Pelos meus amigos e o "programa" ou principalmente para ajudar?" Boa noite.

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