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Timothy Radcliffe: “A diferença sexual é um grande motor de criatividade”

03 fev, 2017 - 15:53 • Filipe d'Avillez

O teólogo Timothy Radcliffe, antigo superior da Ordem dos Dominicanos, argumenta que é preciso recuperar o sentido da sacralidade do corpo na sociedade moderna e critica o conceito de casamento homossexual.

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O antigo superior da Ordem dos Dominicanos Timothy Radcliffe esteve recentemente em Portugal para dar duas conferências.

Em entrevista à Renascença, o teólogo, com vários livros editados em Portugal pelas Paulinas, abordou o tema da importância do corpo, numa conversa em que também manifesta preocupação por medidas de protecção das crianças que podem ser-lhes prejudicais e em que admite que aquilo que se tem visto de dança litúrgica no Ocidente “não é muito encorajador”.

O conceito do corpo, nas sociedades modernas, está em crise?

No mundo ocidental, temos uma relação ambígua com o corpo. Por um lado, queremos ser bonitos e as pessoas dão muita importância ao aspecto do seu corpo. Mas, por outro lado, tendemos a ser dualistas e ouvimos as pessoas dizer que, na realidade, elas são as suas mentes. Desde Descartes que temos muito este dualismo na nossa cultura.

O que eu tento dizer é que temos de recuperar um sentido de unidade da pessoa, que, na realidade, somos corpo e alma.

São Domingos fundou a ordem para pregar contra os cátaros, que ensinavam que o corpo era mau. Por isso, desde o início, a missão da ordem dominicana foi dizer que o corpo é bom e que somos, verdadeiramente, seres corpóreos.

Num dos seus livros, diz que o abuso sexual de menores é uma corrupção do sentido do tacto, que é um dos mais importantes. Na sequência da crise de abusos na Igreja e na sociedade, não se corre o perigo de criar uma distância exagerada entre as crianças e os adultos, em geral?

Por um lado, não se pode ir longe de mais na defesa das nossas crianças. Mas, por outro, parece-me que, para se crescer como criança feliz, é necessário poder estar de forma relaxada na presença de adultos, como os amigos dos pais. O toque é uma coisa muito humana. Para São Tomás de Aquino, era o mais humano dos sentidos e Jesus tocava nas pessoas, tocou nas crianças, tocava os doentes e os enfermos. Por isso, o toque é uma parte muito importante de qualquer boa relação humana.

Então, encontramo-nos numa situação genuinamente difícil. Temos de salvaguardar as crianças, claro. Mas, por outro lado, se os privamos de relações afectuosas com adultos, isso será muito mau para eles e para todos. Se nos tornarmos tão desconfiados que não confiamos em nenhum adulto, acabaremos por prejudicar as crianças de outra forma.

Tem sido acusado de ter posições que “esticam as fronteiras da ortodoxia” em relação à homossexualidade, por exemplo, mas argumenta que tem sido mal compreendido. Qual é, então, a sua posição sobre as relações homossexuais?

Em primeiro lugar, é a ortodoxia que nos leva às fronteiras. Sempre. A ortodoxia não passa por atar a fé numa série de frases estreitas. A ortodoxia empurra-nos no sentido do mistério de Deus. Por isso, uma pessoa verdadeiramente ortodoxa – e eu sou profundamente ortodoxo – é alguém que está constantemente a tentar compreender, um pouco mais aprofundadamente, qual é a natureza do amor de Deus e como o vivemos. A ortodoxia não é contra a aventura, empurra-nos em direcção ao mistério.

Em relação a relações homossexuais, penso que o mais importante é ajudar as pessoas a amar bem. Isso significa que temos de estar próximos, temos de as ouvir, partilhar com elas o Evangelho, ajudando, assim, os homossexuais a amar de uma forma mais profunda e respeitadora do outro.

Muitas pessoas em Inglaterra, neste momento, partem do princípio de que o respeito pelas relações entre homossexuais significa que temos de aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Eu acho que isso é um erro. Não acho que seja possível, de facto, duas pessoas do mesmo sexo contraírem casamento.

Todavia, acho que as minhas posições sobre a homossexualidade são perfeitamente normais. Não são diferentes das que tinha o cardeal Hume [antigo arcebispo de Westminster], do resto da Igreja inglesa ou, já agora, do Papa Francisco. A minha posição é de que, em vez de nos apressarmos a julgar, temos de escutar os homossexuais e acompanhá-los na sua tentativa de aprender a amar bem.

Este conceito do casamento homossexual resulta da normalização social da ideia de homossexualidade ou é também resultado de uma crise no conceito de casamento?

Eu diria, antes, que reflecte como encaramos a diferença sexual. Creio que a diferença sexual é uma parte profunda, não só da natureza humana, mas de toda a natureza. Toda a evolução depende do funcionamento da diferença sexual, começando com o mais simples animal. A diferença sexual é um grande motor de criatividade no nosso mundo e o casamento é a consagração de algo de profundo significado, não só para os seres humanos, mas para toda a vida.

Imaginar que podemos, simplesmente, esquecer isso numa relação e ter um casamento entre pessoas do mesmo sexo é ignorar algo fundamental sobre a vida, desde as suas origens.

A Igreja tem sido uma voz solitária no actual debate, sublinhando a sacralidade do corpo. Escreveu sobre a importância do corpo na oração. Algumas culturas parecem fazer isso mais facilmente do que outras. O que é que podemos fazer para envolver mais os nossos corpos na oração e na vida espiritual?

Essa é uma questão muito profunda, e não sei verdadeiramente qual é a resposta.

A primeira coisa é reconhecer que, quando rezamos, a posição corporal é muito importante. Desde os padres do deserto que se compreende que a oração envolve como nos sentamos, como respiramos, como nos movemos. Existe no fundo da tradição ocidental o reconhecimento da importância do corpo na oração. No Antigo Testamento, vemos que a dança é uma parte importante da oração e ainda vemos isso em África, com as danças litúrgicas.

Agora, como é que podemos recuperar essa tradição? Não sei bem, para dizer a verdade. A maioria das tentativas de dança litúrgica no Ocidente têm sido um bocado ridículas, normalmente executadas por pessoas que não sabem dançar. O que tenho visto não tem sido muito encorajador. Mas é um desafio que temos de abordar. Um dos meus confrades, um dominicano inglês, compôs uma dança de louvor a Deus. É um jovem frade e tem sido muito elogiado no Reino Unido. Por isso, estamos no início, a tentar descobrir.

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