25 nov, 2016 - 17:15 • Filipe d'Avillez
O clericalismo é uma forma de riqueza e de apego às posses, nem que seja ao orgulho, considera o Papa Francisco, referindo-se, neste contexto, à valorização excessiva do clero na vida da Igreja.
A revista dos jesuítas italianos “La Civilita Cattolica” publicou, recentemente, uma transcrição integral da conversa livre e informal que Francisco manteve com os jesuítas que participaram na Convenção Geral da instituição, em Roma, no dia 24 de Outubro. Nesta conversa Francisco bate várias vezes na tecla do clericalismo, um mal que já lhe mereceu várias críticas no passado.
“O clericalismo, que é uma das doenças mais graves de que a Igreja padece, distancia-se da pobreza. O clericalismo é rico. Se não é rico em dinheiro, é rico em orgulho. Mas é rico: Há no clericalismo um apego às posses. Não permite-se nutrir pela mãe pobreza, não se deixa guardar pelo muro da pobreza. O clericalismo é uma das formas de riqueza de que padecemos mais seriamente na Igreja hoje. Pelo menos em algumas partes da Igreja”, afirma o Papa.
Noutra passagem Francisco volta a falar do assunto, chegando a dizer que uma das grandes riquezas das expressões de piedade popular é o facto de não terem sido estragadas pelo envolvimento dos padres. “A única coisa que está mais ou menos a salvo do clericalismo é a piedade popular. Uma vez que a piedade popular era uma daquelas coisas ‘do povo’ em que os padres não acreditavam, os leigos podiam ser criativos. Poderia ser necessário corrigir uma coisa ou outra, mas a piedade popular salvou-se porque os padres não se envolveram. O clericalismo não permite o crescimento, não permite que o poder do baptismo se desenvolva”, critica Francisco.
“Quando era bispo em Buenos Aires acontecia que bons padres vinham ter comigo e diziam: ‘Tenho um leigo na minha paróquia que vale ouro!’. Descreviam este leigo como sendo de primeira categoria e depois perguntavam se o podíamos ordenar diácono. Este é o problema, quando encontramos um leigo que tem valor, tornamo-lo diácono. Clericalizamo-lo.”
Embora a conversa tenha decorrido há um mês, a sua divulgação agora coincide com a primeira reunião de uma comissão convocada pelo Papa Francisco precisamente para discutir a questão do diaconado feminino.
Ao longo da conversa, que ocupa 15 páginas do “La Civilitá”, Francisco fala ainda da falta de vocações, dizendo que a não promoção de vocações numa paróquia ou diocese é equivalente a fazer uma “laqueação de trompas eclesial. Não permite à mãe ter os seus filhos. Isto é grave”.
Francisco admite também que é uma pessoa bastante pessimista. Assinalando o facto de se encontrar “em família” e num ambiente informal, o Papa diz “sou sempre bastante pessimista. Não estou a dizer que sou depressivo, isso não seria verdade, mas é verdade que tendo a focar aquilo que não correu bem”, mas logo a seguir admite que encontra enorme consolo no facto de sentir que há uma força que o move. “O consolo é o melhor antidepressivo que alguma vez encontrei. Encontro-o quando estou diante do Senhor e deixo que Ele me manifeste aquilo que fez durante o dia. Quando, no final do dia, me apercebo que fui guiado, que apesar da minha resistência uma força me guiou, como uma onda que me carrega, isso consola-me. É como sentir ‘Ele está aqui’. No que diz respeito ao meu pontificado, consola-me sentir, interiormente, ‘não foi uma conjugação de votos que me meteu nesta dança, mas o facto de Ele estar lá”.
Questionado sobre a paz Francisco repete a tese de que o mundo se encontra numa terceira guerra mundial em parcelas mas que os cristãos têm a obrigação de continuar a trabalhar pela paz. “Com as atitudes cristãs que Nosso Senhor nos revela nos Evangelhos muita coisa se pode fazer, e muito se faz, e vamos avançando. Às vezes isto é acompanhado de um alto preço, na primeira pessoa, e ainda assim avançamos.”
E conclui o Santo Padre dizendo que “o martírio faz parte da nossa vocação”.