24 set, 2016 - 10:02 • Ângela Roque
O padre José Maria Gil Tamayo, da arquidiocese de Mérida-Badajoz, é também jornalista e já foi director do Secretariado de Meios de Comunicação Social de Espanha, para além de ter colaborado como consultor do Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais. Actualmente é secretário e porta-voz da Conferência Episcopal Espanhola.
Esta semana esteve em Portugal para participar nas Jornadas Nacionais da Comunicação Social, que decorreram quinta e sexta-feira em Fátima, onde interveio na conferência “Ideias e Acções para um Plano de Comunicação na Igreja Católica em Portugal”.
Em entrevista à Renascença, o padre Tamayao fala da importância da comunicação para a Igreja, que deve ter meios próprios de para o fazer. Diz que os jornalistas não podem ser vistos como “inimigos da Igreja” mas, como em relação a outra área qualquer, é preciso que saibam do que falam para comunicarem bem e com verdade.
O sacerdote espanhol comenta ainda a situação política do seu país, que continua sem Governo, e garante que os espanhóis reconhecem que só o apoio das instituições da Igreja minorou os efeitos da crise económica.
Veio a estas Jornadas deixar alguns conselhos sobre a forma como deve ser feita a comunicação na Igreja. Na sua intervenção falou na necessidade de se “repensar a oratória”. A Igreja não sabe comunicar?
A Igreja sabe comunicar, fê-lo ao longo de toda a sua história. Foi Jesus que enviou os seus discípulos para que anunciassem o Evangelho, logo a Igreja tem uma mensagem, tem a tarefa de a comunicar, e foi isso que fez sempre, utilizando todo os meios e tecnologias permitidas pela invenção humana. Das artes plásticas ao teatro, foram tantas as formas através das quais levou o Evangelho às pessoas, gerando cultura. No momento actual, nesta sociedade de informação, a Igreja está obrigada a esmerar-se na sua comunicação, utilizado as novas tecnologias.
E a adaptar-se à rapidez com que hoje se comunica, às novas formas de comunicar…
Sim, mas procurando sempre uma comunicação à medida do ser humano. A Igreja não concebe a informação apenas como instrumento para chegar a mais gente no mais curto tempo possível, mas tem uma vontade de influência, de mudar o coração, de acompanhar as pessoas, transmitindo a mensagem que é a de Jesus Cristo. A Igreja está obrigada a ser criativa na comunicação, por isso tem empresas de comunicação e cria escolas de comunicação. Por isso a Igreja sabe comunicar. Agora, podemos falar nos padres, às vezes… Temos que ser mais activos, falar melhor para que todos nos entendam melhor. Não podemos deixar que as pessoas não nos entendam.
É Secretário e porta-voz da Conferência Episcopal Espanhola. Espanha tem muitas dioceses, mais do dobro das de Portugal. Também tem um Plano de Comunicação?
Temos um Plano de Comunicação. Efectivamente temos organismos de comunicação e temos uma história comunicativa, com a própria Conferência Episcopal, o seu gabinete de comunicação dependente da Secretaria e com a Comissão Episcopal dos Meios de Comunicação Social. E não trabalha apenas sozinha, quer trabalhar conjuntamente, promover nas dioceses esta dinâmica, para que tenham planos pastorais. Porque se há algo muito claro hoje no mundo da comunicação são as sinergias. Não podemos ir cada um para o seu lado. E a Igreja tem de ter essa experiência de sinergia, que se chama comunhão, unidade, e assim seremos mais eficazes.
É importante a Igreja ter meios próprios de comunicação, como aqui em Portugal a rádio Renascença, e em Espanha a rádio e a televisão?
É importante. E é importante reunir duas realidades: Ter meios ligados à Igreja, e ter uma presença cristã nos outros. Haver cristãos nos media generalistas não significa que vão dar catequese ou ser uma espécie de “telepregadores”, não se trata disso. Devem estar com profissionalismo e com coerência. Seja nos meios de comunicação ligados à Igreja seja nos “civis”, deve exercer-se a profissão com competência e com coerência de vida.
Por outro lado, a Igreja também quer ter meios próprios, e não só marcar presença nos outros. Mas quer ter meios próprios com profissionalismo, eficácia e coerência. É preciso que o público consiga reconhecer, identificar a identidade dos meios, a quem pertencem, que é à Igreja. O que a Igreja não pode ter é meios de comunicação seus que emitam mensagens contrárias aos seus valores. E logicamente quem pensa trabalhar e quem já está num meio de comunicação da Igreja, tem de ser coerente nessa linha editorial.
Como referiu nas Jornadas há dificuldades financeiras em muitos projectos, porque estes meios da Igreja concorrem com os outros, há a pressão das audiências, mas em sua opinião “pior seria que não existissem”. Porquê?
Porque tem de haver este serviço de comunicação, estes meios. A Igreja tem um dever de comunicar imperativo que é evangelizar.
Como é o relacionamento da Igreja Católica em Espanha com os media? São muitos hostis à Igreja, à religião?
A Igreja está, como dizia João Paulo II, “obrigada” a ter uma relação com os meios de comunicação. Os media não são os inimigos da Igreja, nem os jornalistas são uns estranhos que vêm pôr-nos armadilhas. Temos de procurar os elementos que temos em comum, que são a busca do bem da sociedade, do bem das pessoas. Nós temos a obrigação de facilitar o serviço dos mediadores necessários nas sociedades democráticas, que são os jornalistas, para darem a conhecer o que fazemos. Mas os jornalistas também têm de conhecer a realidade da Igreja, que não é um partido político, nem uma equipa de futebol. O que se pede aos jornalistas é este conhecimento do que é a realidade da Igreja. Não se pode informar bem sobre o que não se conhece bem. E eu pediria este profissionalismo que existe nos bons jornalistas quando fazem informação religiosa, e ao mesmo tempo exijo a mim próprio e aos meus colegas na Igreja que tenhamos transparência, mensagens claras, disponibilidade para responder aos pedidos e perguntas dos jornalistas, porque são intermediários com o público, que tem direito a uma boa informação.
Referiu neste encontro que muitos jornais em Espanha já deixaram de ter uma secção de “Religião”. É um dado preocupante? A Igreja não consegue chamar a atenção para o que faz?
Em países como Portugal ou Espanha em muitos meios a presença dos temas ligados à religião ou está escondida, ou não existe. Ora, se media dão uma imagem da realidade, do que ocorre na sociedade, há uma componente da sociedade que não podem esquecer ou desprezar, que é a dimensão religiosa. Há uma corrente de inspiração laicista que considera a religião um assunto privado. Bom, é privado mas com repercussão na vida social. Não se compreenderia a história nem a arte de Portugal ou Espanha sem a religião católica. Nem a nossa maneira de pensar, de entender a morte, o amor, a família, múltiplas realidades da vida. Não se pode esquecer isso. Se quero informar de maneira completa e com verdade, não posso esquecer-me da dimensão religiosa. Logo, tenho de procurar um “lugar para Deus” nas páginas dos jornais, e nos espaços informativos.
Agora, a Igreja também tem de ajudar a procurar esse lugar com mais força, é um serviço mútuo. Tem de dar resposta aos comunicadores, comunicar melhor, preparar gabinetes de comunicação. Porque não se pode falar de Igreja só quando há uma acusação a um sacerdote, quando há polémica. Há muitas “madres Teresas de Calcutá” nas nossas paróquias, nas nossas comunidades cristãs, e isso deve ser conhecido, divulgado. Tem de se fazer esse esforço por dar a conhecer estas histórias aos jornalistas.
A Igreja espanhola tem influência na sociedade espanhola? Como é, por exemplo, o relacionamento com os políticos?
Bom, a relação com os políticos… Pode haver amizade pessoal, nalguns casos, isso depende do estilo de cada bispo. Mas, institucionalmente o que prevê a nossa Constituição é que haja colaboração e independência. Independência, porque a Igreja tem de agir com liberdade, sem amarras políticas. E ao mesmo tempo colaboração, como manda a Constituição. Porquê? Porque todos queremos trabalhar pelo bem comum, pela sociedade e pelos cidadãos, que em Espanha são na maioria católicos.
A realidade política espanhola está muito fragmentada, Espanha está sem Governo há vários meses. Como é que a Igreja Católica tem acompanhado a situação?
Com preocupação, mas ao mesmo tempo com essa marca de independência e liberdade. Com preocupação porque já estamos há demasiado tempo sem que a nossa classe política consiga chegar a acordo. Com esperança porque queremos continuar a acreditar, mesmo sendo contracorrente. Se o nosso país, que já viveu uma transição exemplar e houve consenso entre ideias muito distintas a favor da vida democrática, das liberdades e direitos, porque não conseguiremos agora? Eu espero que haja entendimento. Mas, há que pôr de lado interesses partidários, e há que dar atenção sobretudo aos cidadãos que estão com problemas económicos, de gente que sofreu com a crise e que não pode ser esquecida. Precisamos de um governo estável e duradouro, já.
No plano social a Igreja tem dado resposta às necessidades?
Sim. No plano social a crise só não atingiu mais os mais pobres devido à presença da Igreja e das suas instituições. Essa ajuda foi fundamental. A Cáritas ajudou a vários níveis muitas famílias em dificuldade. Os espanhóis perceberam isto, e continuaram a financiar a Igreja através da declaração de impostos, mesmo durante a crise, porque a sociedade vê o efeito benéfico da Igreja perante as dificuldades dos cidadãos.