10 jan, 2025 - 12:04 • Manuela Pires
Foram chumbadas todas as propostas para alargar o prazo para a interrupção voluntária da gravidez. O projeto do PS, que previa o alargamento até às 12 semanas, recebeu os votos contra do Chega, PSD, CDS e os votos a favor do Bloco de Esquerda, PCP, Livre, PS e Iniciativa Liberal.
O Parlamento também chumbou o projeto do Bloco de Esquerda, que previa o alargamento até às 14 semanas. Neste caso, a iniciativa recebeu os votos contra do Chega, CDS, PSD e de quatro deputados da IL, a abstenção de um deputado da IL e de quase toda a bancada do PS. A favor votaram BE, PCP, Livre, oito deputados do PS e três da IL, entre eles a líder parlamentar Mariana Leitão.
Em sentido contrário ao alargamento, estavam a proposta do Chega — na qual se propunha a possibilidade de as grávidas fazerem um exame para ver e ouvir o batimento cardíaco do feto —, e a do CDS-PP. Os populares pretendiam que médicos objetores de consciência pudessem estar presentes nas consultas que antecedem a interrupção voluntária da gravidez.
No arranque do debate, a deputada Isabel Moreira, do PS, apelou ao PSD para votar favoravelmente os diplomas que visam alargar até às 12 semanas o prazo em que é legal fazer uma interrupção voluntária da gravidez e, ainda, regulamentar o direito dos médicos à objeção de consciência.
Isabel Moreira garantiu que o partido quer, no essencial, manter a atual lei, mas alargando o prazo para seguir as orientações dadas por várias organizações, entre elas a OMS.
“Pretende-se manter o essencial da lei atual, da qual muito nos orgulhamos, alterando apenas aquilo que os estudos e a prática têm demonstrado ser de alteração urgente, porque em caso algum pode uma mulher ser abandonada por esta conquista. É isso que defende a Organização Mundial de Saúde, o Parlamento Europeu, o Conselho da Europa e tantos profissionais de saúde e gente de todos os espectros políticos”, declarou.
A líder parlamentar do Livre, Isabel Mendes Lopes, cujo projeto defendia o alargamento para as 14 semanas, disse no debate que muitas mulheres são impedidas de fazer uma IVG porque o prazo já passou e são forçadas a ir a Espanha onde o prazo já é de 14 semanas.
“Em 2022, 1.366 mulheres não puderam fazer uma IVG em Portugal porque o prazo das 10 semanas estava ultrapassado. E, todos os anos, cerca de 500 mulheres têm de ir a Espanha aceder a uma IVG, muitas porque o prazo em Espanha é de 14 semanas”, referiu a deputada do Livre.
Além do alargamento do prazo, os projetos defendem ainda uma regulamentação do direito dos médicos à objeção de consciência. Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, diz que esse direito está a ser usado como um boicote.
“A objeção de consciência dos profissionais, que é exercida de uma forma desregulada, inconsistente, desorganizada, serve como um instrumento de boicote à prestação de um serviço”, considera a líder do Bloco de Esquerda.
Na Iniciativa Liberal, a líder parlamentar tem a mesma opinião. Mariana Leitão diz que esse direito não pode por em causa o cumprimento da lei.
“O direito à IVG é, muitas vezes, limitado pela prevalência de profissionais de saúde que invocam a objeção de consciência, que é também ele um direito inquestionável e um princípio fundamental numa sociedade que respeita as liberdades individuais. No entanto, este direito não pode conflituar com o direito à interrupção voluntária da gravidez”, disse Mariana Leitão num discurso aplaudido pelas bancadas da esquerda.
Por último, a líder parlamentar do PCP lembrou neste debate que foi o partido que, em 1989, trouxe pela primeira vez a despenalização do aborto a debate no parlamento. Além de alargar para as 12 semanas o prazo em que é permitida a IVG, o PCP quer ainda garantir que a mulher tem acesso a ela.
“Propomos que sejam removidos os obstáculos que dificultam o acesso à IVG desde logo, pelo estabelecimento de protocolos de articulação entre os cuidados de saúde primários e os cuidados hospitalares, que seja assegurado o encaminhamento entre entidades do SNS, respeitando a opção da mulher e nos casos em que sua localização seja fora da área de residência da mulher, seja assegurado transporte gratuito e que haja um registo nacional de objetores de consciência, centralizado na Direção Geral de Saúde”, referiu Paula Santos.
Contra esta iniciativa esteve o CDS. O líder parlamentar, Paulo Núncio, acusou os partidos à esquerda de estarem a colocar em causa um direito dos médicos.
“A objeção de consciência dos médicos não é negociável, é matéria de juramento, de vocação e de lei. Querer obrigar profissionais a participarem e a praticarem atos contra a sua consciência é um poder que este Parlamento não tem”, garante Paulo Núncio.
Esta ideia foi contestada por Pedro Delgado Alves, do PS, que acusou o deputado centrista de estar a assustar as pessoas, porque a intenção do PS “é precisamente garantir que cada médico tem esse direito e que seja claríssima, que proteja os médicos e as mulheres".
O PSD, que já tinha anunciado o voto contra todos os projetos, levou a debate o referendo realizado em 2007, no qual a pergunta que foi colocada falava em 10 semanas como prazo para a interrupção voluntária da gravidez.
A deputada Andreia Neto disse, por isso, que a Assembleia deve respeitar a vontade que saiu da consulta popular. A social-democrata considerou que o debate só vai criar divisão e conflitualidade, e garantiu que nada fará para melindrar os direitos das mulheres.
“A legislação hoje em vigor é o retrato fiel da vontade soberana a qual vincula esta Assembleia e de uma forma clara, inequívoca e incondicional. Respeitemo-la, senhoras e senhores deputados”, concluiu a deputada social-democrata.
[notícia atualizada às 13h34]