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Entrevista a José Luís Carneiro

Estados gerais do PS têm de definir "linhas mestras" das autárquicas. "Prioridade" tem de ser “inquietações” das pessoas

11 dez, 2024 - 21:11 • Susana Madureira Martins

O ex-ministro da Administração Interna lança livro com intervenções sobre segurança interna e alerta para “instrumentalização” de “bolsas de descontentamento.

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José Luís Carneiro alerta para “instrumentalização” de “bolsas de descontentamento e pede ao PS “discussão alargada” sobre necessidades das populações
José Luís Carneiro alerta para “instrumentalização” de “bolsas de descontentamento e pede ao PS “discussão alargada” sobre necessidades das populações. Foto: Daniel Rocha/Público

José Luís Carneiro, deputado do PS e ex-ministro da Administração Interna, acaba de lançar o livro “Segurança Interna em tempos de incerteza”, onde reuniu intervenções na área que tutelou durante dois anos. Em entrevista à Renascença, o antigo governante alerta para a necessidade de diálogo entre as forças políticas e sociais do “centro”.

Ao PS, o dirigente socialista pede que os Estados Gerais do partido, que deverão arrancar no início do próximo ano, sirvam para estabelecer “linhas mestras” que respondam às preocupações das pessoas.

Defende um compromisso duradouro entre todas as forças sociais e políticas, tendo bem vista a defesa dos valores democráticos e humanitários inscritos na Constituição. Não é exatamente aquilo que temos assistido com protestos das forças de segurança já este ano e mais recentemente com a manifestação dos bombeiros. Como é que isto se explica?

As sociedades contemporâneas vivem momentos muito difíceis, há um contexto internacional que acelera movimentos disruptivos que se têm vindo a conhecer nas sociedades contemporâneas. Há um conjunto de crises consecutivas que contribuíram para este fenómeno que estamos a viver. A crise financeira de 2008-2009 teve efeitos muito nocivos na confiança nas instituições, criou as primeiras bolsas de descontentamento, que foram instrumentalizadas a partir de 2011-2012. Depois tivemos a crise das migrações e dos refugiados em 2015 e depois a pandemia com efeitos muito fortes na aceleração da transição da nossa vida material para a vida digital e aí sim tem havido um crescimento significativo da criminalidade.

Todo este quadro tem vindo a contribuir para uma progressiva polarização das sociedades e a polarização conduz a uma radicalização, quebra o espaço de diálogo, de entendimento, de cooperação, e há, naturalmente, forças políticas e partidárias, que não apenas contribuem para esse ambiente e para essa instrumentalização, como procuram aproveitar essas bolsas de descontentamento, lançando-as contra os sistemas democráticos e contra os sistemas constitucionais.

"A nossa grande prioridade deve ser as preocupações e as inquietações das pessoas"

Está a falar do Chega? Há uma instrumentalização, por exemplo, das forças de segurança e também agora, parece-lhe, dos bombeiros sapadores?

Não queria dirigir-me a nenhuma força política em especial, porque essas forças políticas vivem também dessa polarização, alimentam-se do confronto. Agora, essas expressões radicais e extremistas estão na extrema-direita e também estão na extrema-esquerda, porque há várias manifestações com movimentos radicais, mais anarquistas, pulverizam algumas ideias de anarquismo e outros que disseminam a ideia da necessidade da ordem.

Tenho vindo a defender que é muito relevante haver capacidade de diálogo político entre os partidos que são o alicerce dos sistemas democráticos, dos sistemas liberais, das democracias pluralistas representativas. Têm de dialogar, têm de encontrar soluções para enfrentar problemas, nomeadamente na demografia, na reforma dos sistemas políticos e dos sistemas eleitorais, garantindo uma melhoria da capacidade de participação dos cidadãos no processo de escolha pública.

Esse diálogo é muito relevante para a reforma do sistema da Justiça, para a reforma das funções sociais, por exemplo, para a atualização dos sistemas de financiamento da própria Segurança Social, além das próprias funções de soberania. Esse diálogo ao centro político e social é essencial para conseguirmos vencer com ponderação, com equilíbrio, com moderação e com capacidade de ultrapassarmos estes tempos que são muito difíceis.

E acha que há condições para esses pontos entre partidos e entre forças sociais também?

Há condições, a prova está, por exemplo, na aprovação do Orçamento do Estado. Estou convido que todas essas forças que polarizam tinham interesse em que houvesse uma crise política. No último ano e meio, na Madeira, estamos a entrar na terceira crise política. Imagine que estava a acontecer a mesma coisa no nosso país, quando estamos com níveis de crescimento económico entre os melhores nos últimos cinco anos e níveis de emprego elevados? Isto resulta também da estabilidade política, porque a estabilidade política é essencial a quem decide investir.

Um cenário de instabilidade política constitui um prejuízo para a economia e para a sociedade, é fonte de desconfiança em relação ao sistema político e contribui para alimentar aqueles que se alimentam dessa instabilidade e dessa disrupção da confiança dos cidadãos nas suas instituições.

Este sábado, o líder do PS alertou o partido para o modo como tem de lidar com o Chega. Estamos a meses das eleições autárquicas, é uma preocupação que compreende?

A nossa grande prioridade deve estar naquilo que são as preocupações e as inquietações das pessoas e das sociedades. As questões da habitação, as questões relacionadas com o rendimento e com a sua qualidade de vida e o seu bem-estar, com o futuro das mais jovens gerações, que é com isso que os pais que trabalham todos os dias, que se levantam cedo, se preocupam, como é que pagam os estudos dos seus filhos, como é que lhes proporcionam uma vida melhor.

As questões ligadas à saúde e à melhoria dos serviços de saúde e dos cuidados de saúde, particularmente dos cuidados de saúde primários, as questões associadas à qualidade dos transportes e da mobilidade nos grandes centros urbanos, onde se perdem tempos infinitos, por vezes, para se conseguir chegar aos nossos trabalhos, às nossas responsabilidades. É aí que devemos colocar a nossa resposta política. É importante realizar quer os Estados Gerais ou uma convenção autárquica de nível nacional e depois haver encontros dessa natureza de cariz regional, para estabelecer precisamente linhas mestras que vão ao encontro daquelas que são as preocupações.

" É importante realizar quer os Estados Gerais ou uma convenção autárquica de nível nacional, para estabelecer linhas mestras"

Espera que, nos Estados Gerais ou numa convenção autárquica que possa decorrer, que surjam essas orientações e que surja um documento que oriente os autarcas e os candidatos às autárquicas?

Sim. Quando eu fui secretário-geral adjunto do PS, encomendámos um trabalho a uma equipa sobre as marcas do PS no poder local democrático. E são marcas indeléveis da nossa democracia, nomeadamente a descentralização de atribuições e competências, ou seja, a humanização do poder, a transferência de poderes para os cidadãos, para as populações, as políticas sociais e a forma como elas entraram também nas autarquias e nos poderes regionais.

Deve haver uma discussão alargada sobre o diagnóstico das necessidades das populações e das comunidades locais. Depois é estabelecer uma matriz de políticas para responder a essas necessidades, com a certeza de que as necessidades das áreas metropolitanas são diversas dos territórios de transição entre as áreas urbanas e as áreas rurais.

Temos o dever de trabalhar. Fui autarca, dirigi uma cooperativa de desenvolvimento regional que tinha municípios e que tinha parceiros públicos e privados, estive à frente de um agrupamento de centros de saúde que agregava 5 ou 6 municípios e essa experiência multifacetada tem de ser colocada nas políticas públicas. Por isso é que me disponibilizei para apoiar o meu partido naquilo em que o meu partido entender que eu possa ser útil.

E tem sido chamado perante essa disponibilidade?

Estamos a entrar agora nessa fase mais exigente, tenho sido chamado por muitas estruturas locais, por exemplo, tenho um convite para ir agora à apresentação do candidato à Câmara Municipal de Murça. É um dos exemplos. A minha presença servirá também para, a partir destes exemplos, falar aos mais jovens de que há muita vida para além das áreas metropolitanas e que é muito importante que nós olhemos para o território do país como um todo porque só um território e um desenvolvimento coeso pode criar oportunidades para todos.

Esta semana, os Países Baixos restringiram a entrada pelas fronteiras terrestres durante seis meses. Estamos a caminhar para uma Europa securitária ou o caminho da confusão em que cada Estado membro adota a sua própria política de segurança?

A Europa foi capaz de lançar, desenvolver, um dos mais importantes projetos de liberdade, segurança e justiça, que foi o Espaço Schengen.

O Espaço Schengen prevê que, em determinadas circunstâncias devidamente fundamentadas, se possa repor a fronteira e os controlos de circulação no interior dessa fronteira. Nós, por exemplo, fizemos por altura da Jornada Mundial da Juventude, com controlos aleatórios que foram realizados nas nossas fronteiras terrestres, marítimas e aéreas. Mas isso deve ser, digamos, um instrumento com um caráter absolutamente excecional, porque a Europa tem na demografia um dos maiores desafios.

Não entende isto como um mau sinal da Europa?

Há decisões de governos europeus que procuram tapar o sol com uma peneira, que procuram tapar o sol, tapar o vento com as mãos. Não é possível tapar o vento com as mãos.

A Europa tem de ter uma política, e tem uma política de apoio e de cooperação para o desenvolvimento, ou seja, tem de ter e reforçar os meios de apoio às regiões da origem desses fluxos migratórios. O que é importante é a Europa e os países que defendem os valores que estão na Carta dos Direitos Fundamentais, contribuir para o desenvolvimento das regiões da origem, para a criação de oportunidades de vida para essas populações e procurar garantir que os fluxos decorrem de modo regulado, seguro e em condições de acolhimento.

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