29 nov, 2024 - 23:00 • Susana Madureira Martins
Horas depois de aprovada a proposta de Orçamento do Estado para 2025, no Parlamento, de uma assentada o primeiro-ministro, Luís Montenegro; o líder do PS, Pedro Nuno Santos; e o Presidente da República, juntaram-se à mesma hora, no mesmo local, para o mesmo evento: a apresentação do livro “Palavra que conta” do ex-chefe de Estado Ramalho Eanes e da jornalista Fátima Campos Ferreira.
Num verdadeiro mar de gente na Culturgest, em Lisboa, que reuniu nomes de todos os quadrantes, como o ex- Presidente da República Cavaco Silva ou o ex-presidente do Parlamento Ferro Rodrigues ou ainda a cúpula da direção da Polícia Judiciária, nem Montenegro, nem Pedro Nuno falaram com os jornalistas nos corredores, mas cruzaram-se, deixando para trás o pesadelo orçamental dos últimos meses.
Montenegro manteve, assim, o silêncio sobre os dados errados divulgados pelo Ministério da Educação relativos aos alunos sem professor, horas depois de ter sido questionado sobre o tema no Instituto Português de Oncologia (IPO), em Lisboa, e já depois das explicações do ministro Fernando Alexandre, em Bruxelas.
Ramalho Eanes era, no fundo, o homenageado e foi no general que as atenções se centraram. Marcelo Rebelo de Sousa falou do ex-Presidente como um “realista” com a noção “exata das dificuldades que enfrentou” e das dificuldades as Forças Armadas “ainda hoje” enfrentam.
Evitando o discurso catastrófico sobre o estado atual das Forças Armadas, Marcelo fez questão de dizer que é “excecional” como conseguem, "mesmo com parcimónia de meios, mesmo com incompreensão das facetas do seu papel, ser notáveis à escala universal”.
“Conseguem superar tudo isso e serem notáveis”, reforçou Marcelo. E isso “também se deve” a Ramalho Eanes, acrescentou o Presidente da República. “Não é só a ele, mas também” a ele, rematou.
Foi Eanes o “único” Presidente da República, que foi, “ao mesmo tempo”, chefe de Estado Maior General das Forças Armadas e é ele “o único” que compreende e “pode apreciar” os desafios “complexíssimos” das Forças Armadas portuguesas “no presente, que vêm do passado, mas são complexos no presente”, numa crítica implícita à política de investimento na Defesa durante quase dez anos de Governo do PS.
Marcelo contrastou claramente em relação à intervenção imediatamente anterior do sociólogo e ex-ministro da Agricultura António Barreto, que ao apresentar o livro de Eanes traçou um quadro negro da situação da Defesa Nacional.
Barreto começou por classificar Ramalho Eanes como o “protagonista maior” deste livro, referindo que a palavra do ex-Presidente da República “conta, fazendo depois uma dura crítica ao modo como o país não “investe” em Defesa.
Barreto considera que Eanes tem sido dos protagonistas políticos que recorda que Portugal gasta 1% do PIB em Defesa e que o país tenta “disfarçar internacionalmente” o que cumpre o compromisso de chegar aos 2% de investimento nesta área.
De Eanes, o sociólogo diz que “conhece muito bem” as Forças Armadas e a Defesa Nacional e aquele que denuncia “com rigor” o desinvestimento nos militares, mostrando que estão “incapazes em praticamente em todos os domínios”.
Barreto elenca que “falta” a Portugal equipamento, produção, capacidade tecnológica, armamento e pessoal para o setor da Defesa, concluindo que, “se Portugal quer ser apoiado e defendido tem de dar a sua parte”, surgindo “mal preparado” para uma defesa ainda mais atlântica e europeia. Fica um outro aviso do antigo ministro do PS: Portugal “não poderá ser parceiro menor ou pedinte maior”.
Ficou ainda o elogio a Ramalho Eanes como sendo das “poucas pessoas disponíveis” para discutir o serviço militar obrigatório, com o sociólogo a considerar como “preocupante” a tendência ocidental de considerar dispensável o investimento na Defesa.
Barreto lamentou ainda o “vício malsão” que considera existir no país de que a Defesa seja considerada “obra de loucos e cupidez no comércio do armamento”.
Críticas do sociólogo ao estado das Forças Armadas com o ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo, presente no auditório da Culturgest, que optou também ele pelo silêncio à saída da apresentação do livro de Eanes, adotando o lema de que "calado, corre melhor".