12 out, 2024 - 13:12 • Ana Kotowicz , Alexandre Abrantes Neves
A atenção do novo procurador-geral da República vai estar focada no combate à corrupção e, para isso, Amadeu Guerra quer ver a Judiciária mais envolvida nas investigações. Na tomada de posse em Belém, o sucessor de Lucília Gago considerou que o mandato da antiga PGR não foi fácil e deixou recados para quem pense que pode interferir na atuação do Ministério Público. Há linhas vermelhas que ninguém deverá passar.
"Há, igualmente, linhas vermelhas que não aceito, nomeadamente, a alteração do estatuto do Ministério Público em violação da Constituição e da sua autonomia e independência", disse Amadeu Guerra, no seu discurso de tomada de posse, já depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter falado.
Sobre a anterior PGR, considerou que foi um mandato de sobressaltos. "Uma palavra final para a senhora conselheira procuradora-geral cessante, que não teve a sorte do seu lado, no decurso do seu mandato, em que ocorreu uma pandemia que — durante cerca de dois anos — alterou os hábitos e a motivação dos portugueses. Mesmo assim, considero que exerceu o cargo — como sempre fez na sua carreira — com honestidade intelectual e de forma dedicada", declarou no discurso de tomada de posse.
Sobre a corrupção, Amadeu Guerra deixou claro que quer perceber por que motivo algumas das investigações sofrem atrasos. A solução pode passar por uma relação mais próxima com a PJ. "Nos crimes de corrupção e crimes conexos, bem como na criminalidade económico-financeira, é minha intenção acompanhar de perto, através dos diretores dos DIAP Regionais e do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), as razões dos atrasos", disse o novo PGR.
"Ao mesmo tempo, devemos envolver a Polícia Judiciária de forma efetiva, face ao aumento recente dos seus meios humanos: inspetores, peritos e meios tecnológicos", acrescentou.
Ficaram também promessas de repensar o combate à corrupção, algo que poderá passar por mexidas na organização. "Será criada uma estrutura ágil — à qual será dada a formação necessária — que fica encarregada de realizar ou apoiar o titular do inquérito na inventariação dos ativos e na apresentação dos requerimentos necessários à decisão de arresto preventivo", referiu.
Além da corrupção, há outras prioridades sobre as quais Amadeu Guerra se quer debruçar, nomeadamente na redução das taxas de crimes como homicídio e violência doméstica – um trabalho que, para o PGR, “está condicionado pela falta de meios humanos” e que por isso exige ao governo “rever o estatuto dos funcionários de justiça e tornar a carreira mais aliciante”.
Numa intervenção recheada de recados, o primeiro foi direcionado às críticas à atuação do Ministério Público em casos judiciais, como a Operação Influencer. Amadeu Guerra assegurou ouvir “sempre as críticas justas e fundamentadas”, mas foi claro na garantia para o seu mandato – não vai ceder “ao alarde mediático em processos concretos”.
“Sou desfavorável (…) a alterações legislativas levadas a cabo na decorrência de processos concretos, de forma precipitada, por vezes, sem justificação e sem ponderação”, defendeu.
Em janeiro deste ano, uma operação judicial na Madeira - e que levou à demissão do presidente do governo regional, Miguel Albuquerque - gerou polémica: na altura, três arguidos, incluindo o autarca do Funchal, ficaram detidos 21 dias até conhecerem as medidas de coação.
Sem se referir diretamente ao assunto, o novo PGR diz “não compreender as críticas, [já que] o Ministério Público cumpre as regras e prazos fixados na lei”, alertando que mudanças nesta matéria podem levar a “violações” de princípios constitucionais.
Preocupado também sobre o segredo de justiça, Amadeu Guerra garantiu “revisitar” o tema e encontrar soluções para encontrar um “equilíbrio entre estes aspetos [criminais] e o direito à informação” – numa alusão, apesar de não haver uma referência clara, *a divulgação de escutas entre o antigo primeiro-ministro, António Costa, e o ex-ministro das Infraestruturas, João Galamba, sobre a demissão da antiga CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener.
Ministério Público
Lucília Gago jubilou-se como magistrada do Ministé(...)
Antes de Amadeu Guerra, foi o Presidente da República quem discursou, agradecendo à procuradora-geral cessante, Lucília Gago, os seis anos de serviço, "mais de agruras e incompreensões" do que de bonança.
"Agradeço-lhe estes seis anos, fundamentalmente mais de agruras, incompreensões, sacrifícios, do que bonança, mar sereno ou bons ventos", disse Marcelo Rebelo, na Sala dos Embaixadores do Palácio de Belém, depois de recordar que a PGR sucedeu a Joana Marques Vidal "em condições particularmente difíceis, nomeadamente um juízo coletivo muito crítico quanto ao tempo da Justiça".
Além disso, recordou "o confronto constante entre uma opinião pública e/ou publicada, cada vez mais exigente", e também cada vez "mais queixosa e ou denunciante dos abusos da Justiça, tidos como perseguição às pessoas e, nelas, aos titulares de poderes políticos, administrativos, económicos e sociais", acrescentou.
Para o novo PGR, Marcelo Rebelo de Sousa deixou alguns pedidos: que "lidere o que deva ser liderado, pacifique o deva ser pacificado", e que dê especial atenção à corrupção. A pedagogia, reforçou Marcelo, é um instrumento importante
"Que possa ser coroada de êxitos a sua obra, liderando o que deva ser liderado, pacificando o que deva ser pacificado, agindo com particular atenção à corrupção e demais criminalidade económica e financeira, fazendo pedagogia — sem ceder nunca nos valores e princípios constitucionais e legais —, mas aberto à reflexão e reponderação do que se possa ser, e sobretudo deva ser, reformulado", declarou.
"Numa palavra: unidade, pacificação, rumo claro, abertura aos reptos das mudanças indispensáveis", concluiu o Presidente da República, mas não sem antes frisar que Amadeu Guerra toma posse num "contexto dificílimo", mas tem a seu favor um currículo experiente e sólido
[artigo atualizado às 15h57 com as declarações sobre as polémicas relacionadas com grandes processos]