08 jul, 2024 - 05:30 • Filipa Ribeiro
A decisão parte dos núcleos locais, mas Bernardo Blanco defende que em caso de existir uma mega coligação à esquerda, as coisas "terão de ser repensadas". O vice-presidente da Iniciativa Liberal acredita que "nenhum liberal, preferindo obviamente a IL, quer que o Partido Socialista vença a câmara de Lisboa" e que isso "implica uma análise política". Em entrevista à Renascença, Bernardo Blanco fala ainda sobre o risco de um chumbo do Orçamento do Estado, que na opinião do deputado da Iniciativa Liberal será influencido por uma decisão do Chega, ou do PS. No rescaldo da VIII Convenção Nacional da IL deste fim de semana, Blanco rejeita a ideia de um partido fragilizado e congratula-se com a aprovação de um Programa Político que ajudou a construir.
Depois da aprovação do Programa Político, sai satisfeito da Convenção?
Saio muito satisfeito.
Foi um fim de semana positivo. O programa político foi aprovado com 98% dos votos, praticamente unanimidade e isso mostra como diz a canção, que é “muito mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa”.
Quando tiramos pequenas intrigas e olhamos para aquilo que a Iniciativa Liberal defende todo o partido acredita no mesmo: na liberdade individual, na propriedade privada, na igualdade de oportunidades, na liberdade de escolha dos serviços públicos, que cada pessoa deve poder ter o seu projeto de vida em paz e com quem quiser.
Vê-se que a nível ideológico o partido está unido. É isso que nós temos que mostrar para fora e é isso também que as pessoas querem saber quais são as ideias em que acreditamos e as propostas que defendemos.
No sábado, tivemos a situação dos estatutos, mas a maioria dos membros nem quer saber dos estatutos. A maioria do eleitorado nem faz ideia do que é que são os estatutos, ou o que significa num partido político.
O que mais interessa é vender lá para fora, mostrar às pessoas, a Portugal, que há uma alternativa, que nós temos um projeto ideológico diferente e que temos medidas diferentes para a sua vida.
O segundo dia de Convenção acaba por colorir o primeiro. Estiveram em discussão duas propostas de alterações aos estatutos chumbadas. A derrota das duas propostas, fragiliza a atual direção ou a oposição interna?
Na realidade não fragiliza ninguém.
Havia duas propostas: uma do Conselho Nacional e uma proposta alternativa. A Comissão Executiva não era propriamente autora da proposta, mas tinha o dever porque assim se comprometeu de iniciar este processo de revisão e cumpriu com isso. Nenhuma passar significa que nós ficamos com estatutos atuais. Eu, muito honestamente e numa nota pessoal, acho que as duas tinham vários problemas. Os estatutos atuais têm duas ou três questões que têm de ser corrigidas como a parte das regiões autónomas terem núcleos regionais, mas nunca senti a necessidade de aprovar uma destas propostas.
No fim do dia o partido fica igual a sexta feira a nível de regras e não me parece que estivesse a funcionar mal e certamente também estará a funcionar muito bem esta segunda-feira, a nível de de regras.
O partido não sai fragilizado?
Eu acho que não. Os estatutos são importantes, são as regras de funcionamento particular, mas o eleitorado quer saber o que é que nós defendemos, o que é que estamos a propor para melhorar a vida deles. Os estatutos são muito mais questões de funcionamento interno, porque obviamente são relevantes, mas não me parece que haja grande diferença.
Como é que sai Rui Rocha desta Convenção Nacional?
Eu acho que o Rui fez um excelente discurso no final da Convenção. Falou para o país e é isso que me interessa quase sempre. Eu falo muito pouco de questões internas, claro que elas são importantes, mas interessa-me é falar para o país, porque a Iniciativa Liberal apareceu para ser uma alternativa para fora, se for para ser um clube fechado de pessoas que discutem regras e burocracia, acho que não vale a pena. O Rui falou para o país tendo feito também uma análise política da situação política que é importante, porque o Governo está a fazer alterações fiscais com critérios de idade e com critérios de quase nacionalidade que não fazem sentido.
A Iniciativa Liberal é o único partido que diz que os impostos têm de ser simples e têm de ser baixos para todos. Não faz sentido, um português que seja qualificado e que ganhe 25 mil euros pague 30% de IRS quando agora uma pessoa estrangeira só vai pagar 20%. A esquerda vai dizer que essa pessoa estrangeira, também deve pagar 30% e nós dizemos o contrário, que o português deve pagar esses 20%.
Este domingo João Cotrim de Figueiredo deu uma aula com críticas ao primeiro dia da Convenção de onde disse que terminaria sem mais um voto. Está mesmo a Iniciativa Liberal a falhar na comunicação otimista que Cotrim defende?
Acho que o João falou no intervalo e este domingo tivemos a segunda parte do jogo com uma grande resposta e um grande resultado e consenso em torno das ideias e das medidas para o país e é isso que interessa e por isso se ontem, de acordo com o João, não ganhamos um voto, este domingo se calhar ganhamos alguns.
Em relação à comunicação, eu concordo com o João. A Iniciativa Liberal tem de ser um partido que aposte na esperança no futuro, na confiança e no optimismo.
Tiago Mayan Gonçalves defende mais transparência e confessa desconhecer, por exemplo as contas do partido. Existe falta de transparência?
Refuto completamente essa falta de transparência em relação às contas. Houve uma situação que está com o Tribunal Constitucional.
Nós seguimos as recomendações do próprio Tribunal Constitucional. Houve um atraso. Nós submetemos as contas a tempo, mas vamos ter atualizar essa questão.
A situação também foi tratada no âmbito do Conselho Nacional e o que fizemos foi exatamente cumprir aquilo que o Tribunal Constitucional nos recomendou para não haver qualquer tipo de problema legal. E, desse ponto de vista, acho que estamos completamente assegurados de ponto de vista jurídico.
Aproxima-se a votação do Orçamento do Estado. Como é que a Iniciativa Liberal pensa votar? Tem sido discutida essa orientação de voto?
Vamos ter de ver primeiro o que é que está no orçamento.
Obviamente há matérias onde nós esperamos negociar com o Governo para que o governo inclua medidas nossas. Durante os governos do Partido Socialista, conseguimos negociar ao ponto de incluir algumas medidas e por isso, o que eu espero obviamente de um governo do PSD é que possamos, como temos feito até agora, falar tranquilamente e incluir muitas mais medidas.
Obviamente, também tem de haver espaço do Governo para essa para essa negociação.
Parece-lhe que vai haver espaço?
Até agora, tudo tem sido bastante cordial. Dou o exemplo do pacote das migrações que nós subscrevemos porque o Governo também introduziu medidas nossas e falou connosco .
Agora, em relação ao orçamento, na questão do IRS, há uma visão completamente diferente. O Governo vai baixar apenas os impostos consoante a idade ou residência e isso não nos parece justo nem eficiente em termos económicos, achamos que os impostos têm de baixar para todos os portugueses, independentemente da idade e da origem de outros cidadãos e obviamente isso será um grande ponto de segurança.
Depois, há outro factor essencial, nós votamos contra o orçamento do Partido Socialista com uma carga fiscal elevada e com uma despesa pública elevada. Se este orçamento for bastante parecido, nós não poderemos acompanhar porque temos uma visão alternativa diferente, que é a de que o Estado deve reduzir despesa e obviamente devolver esse dinheiro poupado aos portugueses, baixando a carga fiscal.
Para além do IRS, que outros pontos querem negociar?
Há uma parte que nós temos batido muito também em relação à tributação e à simplificação dos regimes dos profissionais liberais.
Noutras questões, dou o exemplo do ISV dos carros importados, que é algo que Portugal tem sido condenado múltiplas vezes pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. O PS nunca mudou e eu espero que o Governo acolha a nossa proposta para corrigirmos. Sobre a tributação das empresas, acho que o Governo está a pensar ir num bom caminho, se calhar não tão rápido como nós gostaríamos, mas aí nós vamos obviamente acompanhar.
Depois há discussões mais de fundo que veremos como é que orçamento acontece. A nível da educação, por exemplo, achamos que os contratos de associação e os contratos simples e de desenvolvimento que existem devem ter mais financiamento para que mais famílias carenciadas possam escolher outras escolas perto dos seus códigos postais.
Há risco de a proposta de Orçamento do Estado ser chumbada ou acredita que há uma possibilidade de ser aprovada?
Eu acho que há um risco de ser chumbada.
Não seria o mais útil para Portugal, no sentido em que o Governo começou agora.
Temos de dar algum tempo para ver os resultados das políticas que o Governo está a tomar e parece-me que não seria producente quer em termos de políticas, quer em termos eleitorais e de cansaço dos portugueses, ter novas eleições.
Tivemos muitas eleições de seguida e não sei se isso está a ajudar, ou não, o desenvolvimento do país. Não me parece que haver umas eleições a curto prazo seja uma ajuda.
Acho que há esse risco, no sentido em que o Chega move-se muito por sondagens e por isso, se André Ventura estiver um bocadinho aflito e precisar de fazer uma prova de vida, acho que não tem problema nenhum em ignorar prezar o país e seguir para eleições. Veremos também se o PS tem alguns mínimos de responsabilidade, tendo em conta a composição parlamentar, mas acho que há esse risco.
Se for chumbado devem ser convocadas novas eleições?
Não tenho a certeza, não é algo sobre o qual já tenha refletido muito.
Sei que algumas pessoas dentro do partido já tomaram a posição de continuar de alguma forma com a maioria parlamentar e tentar que a legislatura continue, isso é totalmente válido.
Eu estive na Roménia no ano passado, numa visita da Comissão de Assuntos Europeus e em 4 anos, o Governo tinha mudado 4 vezes com a mesma composição parlamentar, sem haver eleições e é algo totalmente possível também na nossa maioria parlamentar, porque há maiorias relativas de esquerda e maiorias relativas de direita.
PSD sozinho PSD com IL... PSD com Chega, com PS do outro lado. Se calhar não há uma enorme necessidade de haver eleições caso existam mínimos de estabilidade e isso vê-se sempre nas aprovações quer dos orçamentos, quer de programas de governo.
O que é que está a ser pensado pela IL para as eleições autárquicas?
A Iniciativa Liberal tem algo que eu acho muito democrático, mas que nem sempre é o mais eficiente que é deixarmos os nossos núcleos locais, as nossas concelhias definir como é que vão a eleições e isso faz com que possamos ter realidades muito diferentes.
Podemos ter uma coligação numa das principais câmaras do país e na outra podemos ir sozinhos. Podemos ir sozinhos na grande maioria do país, que é o que eu acho que vai acontecer e haver exceções.
Os núcleos poderiam todos dizer queremos ir em coligação, mas eu acho que não é isso que vai acontecer na maioria dos concelhos.
Há obviamente dois concelhos principais, Lisboa e Porto, onde nós teremos de avaliar, enquanto partido, as circunstâncias políticas. Há circunstâncias que eu diria que são muito complicadas: imaginemos que havia uma coligação à esquerda. Fica difícil para o eleitorado e para a própria marca da Iniciativa Liberal decidir ir sozinhos, ou não.
Iniciativa Liberal não quis nas últimas aceitar a coligação que elegeu Carlos Moedas . Há mágoa? O partido irá repensar?
Não há nenhuma mágoa sobre isso.
Carlos Moedas venceu as eleições sem haver uma coligação e a Iniciativa Liberal elegeu três deputados municipais e ficou muito perto de eleger um vereador. Claro que se as circunstâncias mudarem, se houver uma mega coligação à esquerda, teremos de de repensar algumas coisas porque eu diria que nenhum liberal, preferindo obviamente a Iniciativa Liberal, quer que o Partido Socialista vença a Câmara de Lisboa e isso implica uma análise política.
Do que eu sei, a bancada da IL tem alguns pontos de discórdia, mas no geral tem trabalhado bem com o executivo de Carlos Moedas e sei que Carlos Moedas também gosta dos deputados municipais da Iniciativa Liberal, agora é uma decisão política para a qual ainda teremos muitos meses para pensar.
Mas se houver mega coligação à esquerda, a Iniciativa Liberal vai procurar coligar-se com partidos à direita?
Ainda há tempo para essa decisão. Falta sensivelmente um ano e meio para as eleições.
O núcleo de Lisboa terá de avaliar as circunstâncias políticas. Obviamente que haver uma megacoligação à esquerda é algo que influencia muito a decisão, mas não consigo dizer se vamos sozinhos ou se não vamos sozinhos a este ponto.
Mas as conversas ainda não começaram?
Internamente há um caminho que os núcleos começaram a fazer e ainda este domingo falámos disso. Esse processo vai-se iniciar agora de um ponto de vista mais formal, no sentido em que que tivemos três eleições de seguida, nacionais, da Madeira e Europeias.
O dois maiores partidos têm relevância especial nesta eleição e certamente o PSD, se houver uma coligação à esquerda, tem todo o interesse que a Iniciativa Liberal participe.
O PSD já contactou a IL?
Tem havido alguns contactos puramente informais como há sempre, aliás, nos próprios órgãos onde nós temos deputados quer municipais, quer nacionais, há sempre algumas conversas normais de corredores e algumas pressões informais, mas ainda não houve nenhuma conversa séria sobre esse assunto.
Nas presidenciais, deve a Iniciativa Liberal apoiar um único candidato, deve a direita juntar-se para apoiar um candidato?
Será a nova Comissão Executiva a decidir sobre isso.
Eu nem sei se estarei ou não nessa comissão executiva, mas de qualquer forma, trata-se de uma decisão difícil face aos candidatos que poderão existir.
Facilmente coloco aqui quatro ou cinco nomes: o ex-primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho, um ex vice-primeiro-Ministro, Paulo Portas, outro ex primeiro-Ministro Santana Lopes, Luís Marques Mendes e candidatos até de fora da vida política a quem eu reconheço muito mérito como Tim Vieira.
Haverá pessoas que dirão que é preciso a Iniciativa Liberal ter um candidato próprio para reforçar a marca IL, haverá pessoas que dirão que é tempo quase de uma união nacional e de ver se esses candidatos têm boas qualidades e se os deveremos apoiar.
Vai ser uma discussão .
Na última vez, a IL apoiou Tiago Mayan Gonçalves. Não será um nome a repetir?
Eu não faço ideia se o Tiago estaria disponível para esse desafio novamente, ou não.
Face às circunstâncias políticas que são diferentes agora do que eram na altura, não tenho a certeza sequer se devemos ter um candidato próprio ou não, vai depender muito de quais forem os candidatos que se apresentarem.