03 jul, 2024 - 20:29 • Ana Catarina André
A destruição de embriões, que se prevê que aconteça a partir de agosto, na sequência da alteração legislativa que põe fim ao anonimato de dadores de óvulos e espermatozoides, no âmbito de procedimentos de procriação medicamente assistida, é inconstitucional, garante o jurista e professor catedrático, Jorge Bacelar Gouveia.
“Os embriões do ponto de vista técnico são produto da fecundação, da junção do espermatozoide com o óvulo e, portanto, é vida humana. À luz da Constituição, que tem um conceito muito amplo de vida humana e diz que é inviolável – artigo 24 – [a vida humana] tem de ser objeto de proteção do Estado", afirma o constitucionalista, em declarações à Renascença.
"Portanto, quando a lei vem dizer que [os embriões] podem ser destruídos ao fim de um certo tempo, o legislador está a cometer uma inconstitucionalidade, porque está a desproteger a vida humana que supostamente devia proteger”, sublinha Jorge Bacelar Gouveia.
De acordo com o jurista, “para se garantir mais proteção aos embriões”, para lhes “dar uma paternidade genética, vamos depois matá-los ou destruí-los, porque não conseguimos dar-lhes essa identidade genética”. E acrescenta. “Isso é uma coisa absolutamente perversa e contraditória”.
É inconstitucional destruir embriões, diz constitucionalista Bacelar Gouveia
Segundo Bacelar Gouveia, cabe agora ao Parlamento fazer um diploma que impeça a destruição destes embriões, “alargando a possibilidade de serem implantados” ou arranjando outra solução de acordo com as orientações do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). Em declarações à Renascença, Maria do Céu Patrão Neves, presidente do CNEV, afirmou que o organismo a que preside não foi consultado sobre o tema e lamentou que o legislador não tenha “acautelado” a proteção da vida humana.
Bacelar Gouveia recorda que “o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional a existência de embriões que não tenham identidade estabelecida”. Todavia, diz, “não podemos culpar o filho e não vamos matá-lo porque não conhecemos o pai e a mãe”. “Isso é inadmissível”, sublinha.
E conclui: “Houve esta decisão do Tribunal Constitucional que foi importante para corrigir o erro de se poder avançar largamente na fertilização in vitro sem identificação dos dadores, mas agora é preciso preservar de facto os embriões que são vida humana”.
O tema levou a Associação Portuguesa de Fertilidade a lançar, na última semana, uma petição pública “Pela não-destruição dos embriões doados sob o regime de anonimato”.
O documento dirigido ao Presidente da República e aos grupos parlamentares e cidadãos conta, até ao momento, com quase duas mil assinaturas.
O PSD considera uma fatalidade a destruição de milhares de embriões que se prevê que aconteça a partir de agosto. A deputada Sandra Pereira diz que, ainda assim, o partido está disponível para analisar os argumentos usados na petição pública "pela não destruição de embriões sob o regime de anonimato”.
De acordo com a deputada do PSD, a destruição de embriões resulta de uma mudança de paradigma ditada pelo Tribunal Constitucional.
Já o Chega diz que ainda é possível encontrar uma solução de urgência para impedir este desfecho.
O deputado Pedro Frazão coloca-se ao lado das preocupações do Conselho Nacional de Ética, para que destruir vida humana é lamentável. O parlamentar diz que há maioria à direita para prolongar a transição legal.
Do lado do PS, Isabel Moreira diz que, na sequência desta alteração legal, os embriões provenientes de doações anónimas não podem ser usados. Segundo a deputada socialista, a situação resulta de uma exigência do Tribunal Constitucional.