27 jul, 2023 - 22:08 • Susana Madureira Martins
A cinco dias da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, fez uma pausa na peça musical que estava a ouvir na aparelhagem e recebeu a Renascença no gabinete de trabalho que tem no Parlamento para uma entrevista sobre o evento que irá trazer o Papa a Lisboa. O presidente da "casa da palavra" promete escutar mais e falar menos nos dois momentos em que estará na presença de Francisco.
Santos Silva considera que a presença de Francisco em Lisboa "é muito inspiradora, quer para cristãos, quer para não cristãos" e será "também uma oportunidade" para as autoridades do país e o Papa Francisco "terem conversações que são muito úteis".
Nesta conversa com a Renascença, o presidente da Assembleia da República lamenta ainda a polémica inicial em torno do altar-palco e considera que as críticas em torno da Jornada fazem parte de uma "característica" do país: "gostamos muito de dizer não vamos conseguir". E no fim, "conseguimos" e "fazemos".
Que expetativas é que o presidente da Assembleia da República tem em relação a esta Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa?
Como presidente da Assembleia da República a minha expectativa é, sobretudo, no domínio cívico. Vai ser um encontro de muitos milhares, senão um milhão, de jovens. É, portanto, em si mesmo, uma grande jornada de reunião, de assembleia e de troca de opiniões entre pessoas que vêm de diferentes países, que falam diferentes línguas e que se encontram aqui. E, portanto, essa dimensão de cidadania associada à Jornada Mundial da Juventude é uma dimensão que valorizo muito.
Creio que a Jornada tem um grande efeito para Portugal. Em primeiro lugar, desde logo no plano espiritual ou pastoral, será também um encontro ecuménico, será um encontro de milhares de crentes. A presença do Papa é muito inspiradora, quer para cristãos, quer para não cristãos, porque Francisco tem sido uma voz infatigável.
Depois, acho que vai ter um retorno económico e social que não é despiciendo. A Jornada também permite a requalificação de uma parte do concelho de Lisboa e do concelho de Loures, que precisava dessa requalificação e vai gerar rendimento para muita gente e vai gerar também um acréscimo de prestígio na imagem de Portugal. E tudo isso se pode medir também no plano económico e social.
"A presença do Papa é muito inspiradora, quer para cristãos, quer para não cristãos, porque Francisco tem sido uma voz infatigável"
E, finalmente, creio que é também uma oportunidade para as autoridades do nosso país e o Papa Francisco terem conversações que são muito úteis, porque creio que na maneira como Portugal se posiciona internacionalmente, quer na Europa, quer no mundo e na maneira como o Papa Francisco faz também o seu magistério, que, sendo um magistério sobretudo espiritual, tem também uma importante componente política e cívica.
Há muitas similitudes sobre a maneira como nós intervimos no mundo e a maneira como o Papa Francisco o valoriza, porque uma comum partilha dos ideais da paz, de uma cultura humanista, do direito internacional, do apelo ao diálogo e ao encontro entre várias civilizações e culturas, essa comum partilha parece-me evidente entre a posição habitual de Portugal, qualquer que seja o Governo, e a posição que o Papa Francisco tem expresso como chefe da Igreja Católica.
Sobre a Ucrânia, por exemplo?
Sobre a Ucrânia, também. Cada um no seu plano. Evidentemente que a Igreja Católica não faz parte da NATO, não faz parte de nenhuma aliança política ou militar, ao contrário de Portugal, que é um Estado, é um Estado-membro da União Europeia, é um Estado- membro da Aliança Atlântica e que tem que se preocupar com a segurança, quer da região e da Aliança a que pertence, quer com a sua própria segurança.
E por isso nós intervimos em apoio à Ucrânia, que é o país invadido e o país agredido. É o país que luta pela sua independência e integridade do seu território de uma maneira que o Vaticano, dentro da sua especificidade, não tem que seguir. Mas, mais uma vez, os planos são complementares. Nós precisamos também muito das diligências que o Papa Francisco está a fazer pessoalmente , através de enviados muito qualificados, quer junto da Federação Russa, quer junto da Ucrânia, para encontrar caminhos de paz.
Explicador Renascença
A duas semanas da Jornada Mundial da Juventude é i(...)
Depois da polémica em torno do altar-palco e dos bastidores da Jornada Mundial da Juventude percebeu-se que a polémica era estéril?
É uma característica nossa que nos tem custado muito ultrapassar. Digo isto com uma certa ironia: nós gostamos muito de dizer não vamos conseguir. Depois conseguimos. Conseguimos muito bem, os outros sabem que nós vamos conseguir. Mas parece que depois sofremos uma pequena amnésia e no próximo evento internacional, na próxima grande realização que temos que assegurar, tornamos a este fado. 'Não vamos conseguir, vai correr mal, vai correr mal', depois corre bem. Nós conseguimos, nós fazemos, nós somos um país e um povo muito confiável. E é isso que vai acontecer, de novo, com a Jornada Mundial da Juventude.
Vai estar com o Papa? O que é que o presidente da Assembleia da República tem de importante para lhe dizer?
Eu participarei em alguns eventos que o Papa Francisco vai protagonizar e isso já está confirmado, designadamente no encontro que ele tem com altas autoridades no Centro Cultural de Belém. E depois também terei o gosto de assistir, no dia seguinte, na Universidade Católica, ao encontro do Papa Francisco com os jovens. A minha posição é sobretudo mais de escuta. Nós gostamos muito de dizer que o Parlamento é a casa da palavra, mas sendo a casa da palavra, é também a casa da escuta.
Quanto a outras possibilidades, ver-se-á. Mas nesses dois encontros eu estarei muito atento e numa posição sobretudo de escuta da palavra do Papa Francisco, que é uma palavra muito importante que nós devemos ouvir com muita atenção.