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Reportagem

"Duplo suicídio". Oeiras ignora riscos de cheias e agrava-os com desenvolvimento urbanístico

20 mar, 2023 - 07:00 • João Cunha , Rodrigo Machado

A Câmara de Oeiras podia ter minimizado as consequências das cheias de dezembro, que provocaram prejuízos de quase 20 milhões e a morte de uma munícipe, se tivesse adotado as medidas de mitigação de dois planos de riscos e de alterações climáticas. Em vez disso, a autarquia agravou a situação, permitindo mais impermeabilização de solos com a construção de dezenas de projetos imobiliários. Para os especialistas, é pouco inteligente construir em zonas que, mais cedo ou mais tarde, vão ter mais problemas. É sobretudo desempenhar mal a função de decisor com responsabilidades na gestão e ordenamento do território. E dizem que lei não está a ser cumprida. Autarquia defende-se: cumpre tudo o que tem para cumprir e nada pode fazer quanto aos novos empreendimentos.

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"Atendendo aos cenários de alterações climáticas estudados, projetam-se um aumento dos eventos extremos de precipitação com consequência para as áreas de risco de inundações, associadas às ribeiras de Oeiras. Neste sentido, a extensão das áreas inundáveis tende a ser maior e a altura da coluna de água tende a aumentar. Devido à ocupação urbana, são de particular relevância as áreas terminais das ribeiras de Algés (Baixa de Algés) e de Porto Salvo (Vila de Paço de Arcos), bem como a área do Dafundo, devido à interação da pluviosidade com a subida do nível médio do mar. No entanto, o risco está presente em todas as linhas de água, e por esse motivo as medidas propostas incidem sobre as bacias do Rio Jamor e das Ribeiras de Algés, Barcarena, Porto Salvo e Laje".

Este alerta consta do Plano de Identificação de Riscos e de Vulnerabilidades, de 2019, levado a cabo por uma equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, liderada por Filipe Duarte Santos. Alertas idênticos constam do Plano Metropolitano de Adaptação às Alterações Climáticas, da Área Metropolitana de Lisboa, elaborado em julho de 2018.

Os documentos deviam ser levados em conta pela Câmara de Oeiras na aprovação de projetos imobiliários e na atribuição de alvarás para as urbanizações de luxo que estão a nascer em vários pontos do concelho. Só que a autarquia ainda não os aprovou nem verteu para políticas e medidas concretas no terreno.

Galgamento da Ribeira da Lage, junto ao Jardim de Oeiras Foto: Maria João Costa/RR
Galgamento da Ribeira da Lage, junto ao Jardim de Oeiras Foto: Maria João Costa/RR
Cheias em Algés. Foto: João Cunha/RR
Cheias em Algés. Foto: João Cunha/RR
Entrada de edifício alagada em Algés. Foto: João Cunha/RR
Entrada de edifício alagada em Algés. Foto: João Cunha/RR
Inundações em Algés - 13 dezembro 2022 Foto: Tiago Petinga/Lusa
Inundações em Algés - 13 dezembro 2022 Foto: Tiago Petinga/Lusa

"Acho que é mais importante garantir que não se constrói mais em leito de cheia. Não me pergunte como, porque a lei supostamente não o permite". José Luís Zêzere.


Para os evitar, há que, primeiro que tudo, não repetir erros. "Nós já temos demasiada construção em leito de cheia. Já lá está. É um pouco daquela questão do facto consumado. E, nestes casos, para retirar todos os equipamentos, todos os edifícios que estão em leito de cheia, toda a população que lá está e atividades económicas que ali existem, provavelmente, não há dinheiro. E, no limite, pode ser discutido se tem de sair tudo. Agora, algumas coisas têm de ser feitas", defende José Luís Zêzere, geógrafo físico e diretor do Centro de Estudos Geográficos.

O também membro do Grupo de Investigação sobre Gestão de Perigosidades e Risco Ambiental considera que, mais do que medidas de mitigação, há uma decisão essencial: cumprir a lei.

"Acho que é mais importante garantir que não se constrói mais em leito de cheia. Não me pergunte como, porque a lei, supostamente, não o permite. Mas depois há aquelas coisas dos direitos adquiridos. E quando a conversa deixa de ser técnica para passar a ser jurídica, há coisas que não se deviam fazer e que depois acabam por se materializar no território."

Carlos Antunes, professor da Faculdade de Ciências de Lisboa e especialista em alterações climáticas, também não entende por que razão se ignoram as medidas de mitigação daqueles dois planos.

"Os estudos são exatamente para isso. Para nós podermos, primeiro, conhecer os fenómenos e os seus impactos e podermos adaptar o território em função do aumento da perigosidade."


"Se não forem adotadas medidas de mitigação, estamos a desempenhar mal a função de decisor na gestão e ordenamento do território". Carlos Antunes

Assim sendo, o especialista não tem dúvidas do que está a acontecer em Oeiras. Trata-se de um duplo suicídio, porque, por um lado, não se dá solução ao que já está exposto em zonas de risco de cheias, e, por outro, aumenta-se os elementos a eles expostos, permitindo mais construção.

"É um duplo suicídio porque estamos a atuar contrariamente ao que é desejável e aconselhável pelos estudos e pela evidência científica."

O também investigador do Instituto Dom Luiz deixa outro alerta, que se prende com as alterações climáticas e que também está a ser descurado.

"Tudo indica que, em termos de modelos climáticos, que haja um aumento de intensidade e frequência das tempestades subtropicais ou extratropicais, com grande capacidade de carga, e portanto, um grande débito de chuvas. E o impacto dessas chuvas vai aumentar por via do aumento da urbanização, aumento de impermeabilização e incapacidade dos sistemas de drenagem."

Exemplos disso não faltam.

Betão e impermeabilização de solos avança

A pouco mais de uma dezena de metros da Ribeira de Algés, em Miraflores, está a nascer o primeiro edifício do Parque dos Cisnes, onde vão surgir outros projetos urbanísticos de luxo que já levaram os munícipes a fazer abaixo-assinados para os travar ou, pelo menos, para reduzir a sua dimensão.

Depois de vários meses de obra só para conseguir fazer as fundações, devido à imensa quantidade de água ali existente, um desses edifícios já está em avançado estado de construção. Vai ter pelo menos uma centena de apartamentos, nos 14 pisos de altura, e quatro andares de estacionamento privado, subterrâneos. Enquanto as obras decorrem, já se viu por algumas ocasiões água a ser bombeada do estaleiro das obras para a ribeira, ali mesmo ao lado.

E basta percorrer a ribeira, tanto para montante como para jusante, para ter exemplos de construção em zonas de risco. Entre eles, o edifício do World Trade Center, ao lado da Autoestrada de Cascais. Mas há muitos mais, junto às outras ribeiras que atravessam o concelho.

Há muitos projetos imobiliários recentes, outros em curso ou em vias de começarem as obras. E há os que ainda estão em fase de discussão pública, sendo praticamente certo que um dia serão uma realidade. Um dos mais polémicos tem sido o das Torres do Espargal.


"Os interesses dos residentes desta zona nunca foram tidos em consideração", Ana Nunes, Movimento Espargal, assim não!


Em 2020, em plena crise pandémica, a autarquia vendeu em hasta pública, por 14 milhões de euros, um terreno municipal onde funcionaram serviços camarários. Na altura da alienação, o Plano de Pormenor previa a construção de vários edifícios habitacionais de volumetria variável, mas que nunca ultrapassavam sete pisos, mais ou menos dentro da cércea média dos edifícios envolventes. Uns meses depois da alienação, o executivo autárquico decide que tem como objetivo estratégico a construção de um corredor verde, no prolongamento do Parque dos Poetas e, sob esse pretexto, viabiliza a construção em altura.

"Tudo para rentabilizar o investimento do promotor", denuncia Ana Nunes, residente na área e porta-voz do movimento contra o projeto.

"Os interesses dos residentes desta zona nunca foram tidos em consideração", refere Ana Nunes, que assegura que "não houve uma única apresentação pública do projeto à comunidade, foi feito de forma a passar o mais despercebido possível, já que parte do período da consulta coincidiu com as celebrações do Natal e do fim de ano. E não houve publicitação do período de consulta pública nos meios de divulgação da autarquia, limitando-se a fazer publicação do edital e no Diário da República."

Para os residentes na envolvente, aqueles terrenos do Espargal estão inseridos numa zona urbana consolidada, onde, de acordo com o movimento, "as infraestruturas e serviços públicos apresentam já enormes carências". E a construção de mais 250 fogos, que representam mais 800 a mil residentes, vai criar uma enorme pressão adicional na circulação rodoviária, numa zona mal servida de transportes públicos", diz Ana Nunes.

Por isso, querem que o projeto seja reformulado, tendo em conta o que dizem ser as graves consequências que terá na qualidade de vida dos residentes locais.

"Temos que acreditar que estes mecanismos que existem na lei servem de facto os interesses dos cidadãos e tenho esperança de que seja reformulado, levando em conta o interesse de todas as partes interessadas, e não apenas do promotor imobiliário", afirma Ana Nunes.

O mesmo princípio - o alegado interesse dos promotores a sobrepor-se ao da população - está por detrás de uma outra petição, do Movimento de Moradores do Alto do Lagoal e Vale da Terrugem, a chamar a atenção para o impacto de alguns projetos urbanísticos.

Empreendimentos no Alto do Lagoal - Foto: Movimento de Moradores do Alto do Lagoal e Vale da Terrugem
Empreendimentos no Alto do Lagoal - Foto: Movimento de Moradores do Alto do Lagoal e Vale da Terrugem
Empreendimentos na Quinta das Giestas, Caxias. Foto: João Cunha/RR
Empreendimentos na Quinta das Giestas, Caxias. Foto: João Cunha/RR

Em dois lotes de terreno privados, instalados numa encosta íngreme que vai dar ao centro de Caxias, (a vermelho na imagem) vão nascer dezenas de moradias unifamiliares. Não muito longe, vai nascer um edifício, (a verde) contíguo a outros já existentes, numa rua em que não há passeios e a circulação automóvel não é fácil, já para não falar do estacionamento.

Mais abaixo, junto à Praia de Caxias, está em fase de conclusão o projeto imobiliário Quinta das Giestas (a castanho): dois blocos de seis ou sete andares de altura, que apareceram onde outrora existia um monte, ocupado por um bosque e onde António Santos, do Movimento de Moradores do Alto do Lagoal e Vale da Terrugem, chegou a brincar em pequeno.

O projeto urbanístico não podia exceder determinada altura, porque os terrenos da Quinta das Giestas estão colados à Zona Especial de Proteção (ZEP) da Casa Lino Gaspar, do arquiteto João Andresen, concluída em 1955 e que é um edifício classificado como Monumento de Interesse Público.

Veja o antes e o depois dos terrenos na Quinta das Giestas:

Para além do mais, a ZEP prevê a defesa das vistas que a casa proporciona, desde a sua construção. E como não era possível construir em altura sem prejudicar as vistas, decidiu-se retirar as terras que constituam o promontório que descia até à Marginal, para descer o nível a partir do qual se começou a construir.

"Caxias, particularmente o centro, já sofreu noutros anos fortes cheias. Das últimas, que assolaram Algés a outro nível, Caxias teve duas estradas inundadas, depois da ribeira que aqui passa ter galgado as margens. Aconteceu durante a noite e muita gente não se terá apercebido. Quanto à urbanização do Alto da Terrugem, das moradias que estão previstas, vão certamente impermeabilizar uma área grande, quase toda uma encosta", diz António Santos.

O membro do Movimento de Moradores do Alto do Lagoal e Vale da Terrugem "lamenta que a maioria dos residentes na zona não saiba que os bairros na envolvente foram construídos quando o Vale da Terrugem tinha um estatuto de proteção, que, entretanto, foi perdido".

Mas o seu maior lamento é outro. "Os Planos Diretores Municipais foram alterados ao sabor dos novos empreendimentos. Há um desenhado no meio do Vale que parece estar feito nos contornos da última alteração ao PDM, aprovada em 2022". Uma alteração que adaptou o novo Plano Diretor Municipal de Oeiras ao novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão do Território e que terá aberto ainda mais caminho ao imobiliário.

Talvez por isso, tenha acontecido algo no mínimo estranho. "Recentemente, a tentar perceber porque foi permitida uma urbanização tão grande naquele local [Quinta das Giestas], apercebo-me que num dos documentos oficiais da Câmara, uma linha de água não aparece. Está a linha de água da Terrugem e deixa de aparecer a da Quinta das Giestas", diz António Santos.

Futuro empreendimento Alto da Boa Viagem. Foto: Vanguard Properties
Futuro empreendimento Alto da Boa Viagem. Foto: Vanguard Properties
Projeto Aquaterra Masterplan, Carnaxide. Foto: Portal Participa
Projeto Aquaterra Masterplan, Carnaxide. Foto: Portal Participa
Projeto Porto Cruz. Foto: Site CM Oeiras
Projeto Porto Cruz. Foto: Site CM Oeiras

E não é caso único. Em terrenos do Jamor, onde está previsto um outro projeto urbanístico, o do Alto da Boa Viagem, aparece a indicação no Plano Diretor Municipal de uma via já existente que, na verdade, não existe. Trata-se de uma artéria de acesso ao futuro empreendimento, que está desenhada no parque de estacionamento a sul do Estádio Nacional.

Um erro premeditado e grosseiro da autarquia, segundo o Movimento de Cidadãos contra o Plano de Pormenor da Margem Direita da Foz do Rio Jamor. O objetivo, segundo referem na página do Movimento nas redes sociais, é "ver se passa e se, daqui a uns tempos pode ser considerada uma pré-existência que legitime a sua concretização".

Ainda na zona da foz da Ribeira do Jamor, junto ao rio, mais um projeto polémico. O megaprojeto imobiliário Porto Cruz, que para a autarquia, resolve o problema do amianto na antiga fábrica Lusalite, há anos ao abandono e com consequências para a saúde pública, já que as placas ali fabricadas continham amianto. De resto, todos os edifícios da antiga fábrica estão revestidos com aquele material.

Este projeto levantou suspeitas por parte das autoridades. A Polícia Judiciária fez buscas na autarquia e na sede do grupo imobiliário SIL, dono do projeto que prevê a construção de mais de 137 mil metros quadrados na Cruz Quebrada. Ali vai ser construído um hotel, uma marina, um vasto número de escritórios e lojas, além de 325 habitações.

O projeto suscitou dúvidas e levou mesmo a uma providência cautelar do Ministério Público, em fevereiro de 2021, que travou o seu avanço. Isto até, que se avalie se o projeto aumenta ou não o risco de cheias naquela zona. O grupo SIL recorreu e ainda não há decisão.

Edifício em construção no Parque dos Cisnes, Miraflores. Foto: João Cunha/RR
Edifício em construção no Parque dos Cisnes, Miraflores. Foto: João Cunha/RR
Futuro Parque dos Cisnes, Miraflores. Foto: Imoholding
Futuro Parque dos Cisnes, Miraflores. Foto: Imoholding

Os argumentos de Isaltino Morais

"Com certeza, claro. A Câmara assume tudo", assegura o autarca de Oeiras quando questionado sobre uma possivel adopção das medidas de mitigação previstas nos dois Planos - de combate ás alterações climáticas e de avaliação de riscos e vulnerabilidades. Contudo, diz que a ultima revisão do PDM foi em 2015 e desde então nada podia ter feito.

Só que em finais do ano passado, o Plano Diretor Municipal foi alterado, para adequação ao novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial. E essas medidas de mitigação podiam ter feito parte do planeamento do território. Rapidamente o autarca passa a outro tema: é falso que se construa em zonas de leito de cheia em Oeiras. Aliás, numa sessão extraordinária da Assembleia Municipal para debater as inundações no concelho (em que José Luis Zezere, diretor do Centro de Estudos Geográficos, não foi autorizado a participar pela presidente da Assembleia Municipal) o autarca deixou um desafio aos presentes: "Há muitos anos, há décadas que não se constrói em leito de cheia. A lei não o permite. Não é verdade. Aliás, digam-me uma única construção que nos últimos 30 anos tenha sido construída em leito de cheia."

O autarca garante que não está a nascer muita construção em Oeiras. Não mais do que noutro concelho qualquer. "O que se pode dizer é que a maior parte do que vai aparecendo são situações que, em termos urbanos, são muito anteriores a eu ser presidente da Câmara”. Aliás, sobre todos os empreendimentos que vão nascendo no concelho, Isaltino Morais garante que todos os que impermeabilizam solos "são sempre acompanhados de um estudo de impacto sobre as infraestruturas - eletricidade, gás, saneamento, coletores pluviais, seja ao nível do impacto nas escolas e lares da terceira idade. Tudo isso é medido”.

Mesmo assim, há empreendimentos em curso que, admite, o chocam. Como no Parque dos Cisnes, em Miraflores, onde já se ergueu o primeiro de vários edifícios previstos.

"É óbvio que eu acho que há ali coisas… Acho que aquela construção, que não está em leito de cheia, porque se estivesse, não se podia construir, está muito próximo da ribeira. Teria sido vantajoso se aqueles prédios tivessem recuado dois ou três metros para o lado de Monsanto, desafogando um bocadinho aquela zona”, admite o presidente da Câmara de Oeiras. Contudo, sublinha que há que respeitar a lei e que um possível recuo só podia ter decorrido de uma negociação da autarquia com o promotor, mas em 2003 ou 2004, quando foi aprovado o loteamento.

"Só a esse nível é que a Câmara Municipal pode ter alguma margem de manobra com os promotores imobiliários. Relativamente ao que está aprovado - parâmetros de construção e densidades - a Câmara não pode fazer nada. Para retirar índices de construção, tem de indemnizar.”

Não deixa de ser curioso que no caso das Torres do Espargal foi diferente. Não se mexeu nas densidades, mas alteraram-se os parâmetros de construção: de um conjunto de cinco ou seis edifícios de sete ou oito andares, passou-se para duas torres com 19 andares cada uma.

“Eu estou inteiramente de acordo com o Espargal. Se a Câmara Municipal tiver consciência que a maioria das pessoas estão contra, eu não tenho nenhum problema em voltar à primeira forma. Reduz-se a altura, mas a área de construção é a mesma. Em vez de ter um jardim com o prolongamento do Parque dos Poetas com 10 mil metros quadrados, tem com 3 mil. É uma questão de opção. Agora, a área de construção é a mesma”, argumenta Isaltino Morais.

Quanto às críticas de quem contesta a venda dos terrenos onde vão nascer as duas torres, o autarca de Oeiras justifica-se.

"É fundamental vender o Espargal. Nós podíamos fazer 260 casas lá, mas depois, acabou. E o resto? Se nós precisamos de fazer entre 1.500 e duas mil casas, temos de multiplicar o terreno. Se temos algum terreno que vale mais dinheiro, bem situado, vamos vendê-lo e construir noutro lado. Porque a Câmara Municipal tem de fazer a gestão do seu património de forma rigorosa. Ou há a ilusão de que se pode fazer habitação pública para famílias pobres ou para a classe média-baixa em cima da praia?”, questiona o líder do município.

O mesmo argumento pode ser utilizado para um outro projeto: o Porto Cruz. "Também não fui eu que aprovei, ali no Jamor", começa por referir Isaltino Morais. Que se diz inteiramente de acordo com o projeto. "O que está lá é uma preexistência industrial. Neste momento, tem três mil metros quadrados disponíveis para o cidadão. Com o projeto concluído, passa de três mil para 70 mil”.

Nem a questão da mais que provável subida do nível das águas do mar, devido às alterações climáticas, o preocupa no caso deste projeto na foz da Ribeira do Jamor.

"Na Noruega e na Suécia, eles ocupam centenas de hectares no mar e constroem. E se a previsão nos próximos 100 anos for de subida de 70 centímetros das águas do mar, fazem com metro e meio e a água passa por baixo do edifício. E isso está tudo a ser levado em conta, obviamente (no projeto Porto Cruz). Está tudo previsto, em relação à subida das águas do mar”

As cheias em Algés

Pelos maus motivos, Oeiras esteve nas notícias, antes do Natal. A chuva intensa, aliada à impermeabilização de solos, fez com que a ribeiras que atravessam o concelho não conseguissem escoar tanta água, que galgou as margens e inundou, durante algumas horas, por exemplo, a baixa de Algés. Danos avultados em habitações e comércio e uma vítima mortal a lamentar. E um centro de saúde inoperacional, até que as obras de recuperação, de pelo menos meio milhão de euros, permitam reabri-lo em maio.

Isaltino Morais garante que não são problemas estruturais os responsáveis pelo encerramento daquela unidade de saúde.

"Embora não haja nenhum perigo estrutural no edifício, há que repor toda uma série de equipamento, como por exemplo os ares condicionados e os ADACS, que também estavam lá. Foi feito esse levantamento. E naturalmente, neste momento não há condições de segurança do ponto de vista daquilo que o parque de estacionamento deve oferecer. Mas não é nada de especial, porque em três meses nós vamos fazer a obra. Em maio, o Centro de Saúde estará a funcionar”.

Nada de especial com o Centro de Saúde de Algés. Apenas reposição de uma série de equipamentos, diz o autarca. Só que o concurso público já lançado prevê a adjudicação de uma empreitada de obras públicas, e não de aquisição de equipamentos a substituir.

Não muito longe do Centro de Saúde, a avenida mais movimentada de Algés, que ficou parcialmente debaixo de água aquando das cheias. Ao fundo da mesma, nasceu em pouco tempo um parque de estacionamento com carácter provisório.

A promessa eleitoral de Isaltino Morais previa para aquele espaço o que o autarca decidiu denominar de Portas de Algés. “Se prometi? Claro que prometi. Está em andamento. Está lá uma tabuleta que diz que o estacionamento é provisório. A avenida, depois de passar o antigo quartel dos bombeiros, inflete à esquerda, para passar debaixo dos pilares da CRIL. A rotunda onde era a antiga Praça de Touros vai desaparecer, e fica um espaço significativo entre o mercado, o local onde era a Praça de Touros e esses terrenos todos ao fundo da Avenida".

Oposição independente acusa autarquia de esquecer “direito à segurança dos munícipes”

Nas autárquicas de 2021, o movimento Isaltino - Inovar Oeiras elegeu oito dos 11 vereadores em disputa. Conseguiu também a maioria na Assembleia Municipal e a liderança de todas as juntas do concelho.

A vereadora eleita pelo PS, Filipa Laborinho, não manifestou interesse em conceder uma entrevista sobre o assunto cheias. O gabinete da vereadora do PSD, Susana Duarte, garantiu que o PSD “tem vindo a fazer várias intervenções sobre o tema, quer em reuniões de Câmara quer em assembleias municipais, ressalvando que o plano em causa (Plano de identificação de Riscos e de Vulnerabilidades) é anterior a este mandato. Ainda assim, pediu o envio de perguntas por e-mail, o que não configura a forma habitual de fazer jornalismo radiofónico, que vive do som dos seus entrevistados.

Dos atuais vereadores da oposição, só Carla Castelo, vereadora independente eleita pelo Movimento Evoluir Oeiras, aceitou uma entrevista. Para a autarca, “as cheias rápidas afetam diretamente cerca de três mil pessoas". E é na freguesia de Algés que têm mais expressão”.

Por isso, considera que a Câmara “tem obrigação de tomar medidas para proteger estas pessoas, aprovando e vertendo para políticas concretas no terreno" as medidas de mitigação. E o município não deve, sobretudo, “continuar a agir de forma a agravar o risco que elas correm".

Todas as medidas foram ignoradas, assegura Carla Castelo, que vai mais longe nas críticas. “Na recente revisão do PDM, o executivo nem sequer utilizou estes estudos para fazer o planeamento do território, utilizando os de 2002, para poder manter inalterado o modelo urbano que visa unicamente mais e mais construção em todo o território, independentemente da cartografia de risco".

Contudo, essa revisão do Plano Diretor Municipal para adequação ao novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, que veio extinguir a categoria de solo urbanizável, passando todo o solo a integrar-se na classificação de urbano ou rústico, não só não aproveitou a oportunidade para eventualmente introduzir essas medidas de mitigação face aos riscos de cheias rápidas como terá feito desaparecer a tal linha de água que passa por debaixo da Quinta das Giestas, em Caxias.

Para Carla Castelo, essa omissão é extremamente grave. "Isaltino Morais devia vir explicar como é que desaparecem linhas de água do concelho e como é que se continua a construir, nessa zona, que era a Quinta das Giestas, que agora é uma zona completamente impermeabilizada, junto à Marginal.”

A vereadora lamenta que Isaltino Morais se desculpe com os direitos adquiridos. "Há muitos projetos que já vêm de trás, e Isaltino Morais está sempre a falar dos direitos adquiridos, esquecendo o direito à segurança dos munícipes. Mas também há muitos outros projetos que foram muito recentemente aprovados, que seria possível modificar, porque os alvarás não são antigos. Há projetos que foram aprovados nos anos 80, mas esses planos podiam ter sido reformulados. E passou os alvarás de construção agora".

Quanto às Torres do Espargal, Carla Castelo espera que a obra não avance. Por uma razão simples: "Aquela unidade de execução não foi decidida pela Câmara. Foi o promotor imobiliário que foi junto da Câmara dizer como queria que as coisas se passassem. E há documentação que o prova".

E sublinha que não são só os promotores imobiliários que compraram o terreno à Câmara que têm direitos. "Quem já lá vive, os cidadãos de Oeiras na envolvente do Espargal, também tem direitos e deve fazer valer os seus direitos".

Por fim, sobre os problemas decorrentes das cheias em Algés e, em concreto, o encerramento do Centro de Saúde, a vereadora independente lembra que se sabia perfeitamente que zona era aquela.

"Estamos ali em pleno leito de cheia da Ribeira de Algés. E a obra demorou bastante tempo a ser feita por dificuldades relacionadas com o excesso de água e de lama. O próprio presidente da Câmara tem a responsabilidade política da situação que hoje se vive, com um centro de saúde fechado com os utentes a ter de ir a outro local para ter cuidados de saúde.”. Desde o encerramento daquela unidade de saúde, os habituais utentes têm de ser atendidos no Centro de Saúde do Restelo. De táxi, se assim entenderem, pago pela autarquia.

A Câmara de Oeiras diz que vai assumir o custo das obras do Centro de Saúde de Algés, substituindo-se assim à administração central.

"Mas convém referir que não está a fazer nenhum favor, porque quem escolheu o local e aprovou a construção do centro de saúde naquele local é que deve assumir a responsabilidade", remata Carla Castelo.

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  • carlos cupeto
    20 mar, 2023 évora - cascais 11:21
    não ponho em causa o valor dos geógrafos, que muito admiro, muito menos este sr que não conheço, todavia assiste-me a convicção fundamentadaque há uma ou duas dezenas de técnicos, pela sua formação e experiência mais habilitados para o fazer. Designadamente para dizer alguma coisa para além do óbvio, com conhecimento do histórico deste tipo de ocorrências neste território, das intervenções realizadas e sobretudo do que falta fazer.

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