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​Europeus mais próximos de Kiev do que há um ano, mas há três ameaças

17 mar, 2023 - 22:50 • José Pedro Frazão

Uma sondagem do Conselho Europeu de Relações Internacionais revela que a opinião pública europeia "já não pretende acabar com a guerra o mais depressa possível" e valoriza a recuperação de território pelas tropas ucranianas. Num estudo que abrange dez países europeus, elaborado por politólogos com base em sondagens de opinião, os inquiridos mostram maior convergência de posições, mesmo partindo de campos políticos antagónicos, colocando a Rússia ainda mais numa posição de "adversário" ou "rival". Os inquiridos portugueses são os que consideram que a União Europeia está mais forte do que há um ano, mas também são os que mais acreditam que a Rússia está mais forte do que se pensava anteriormente.

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Os politólogos do Conselho Europeu de Relações Internacionais consideram que a União Europeia está dividida não em dois blocos (com "falcões" e "pombas"), mas três grupos de posições sobre a guerra na Ucrânia.

Sim, existem "falcões", países que estão de forma mais marcada ao lado de Kiev nos seus objetivos de guerra: Estónia, Polónia, Dinamarca e Grã-Bretanha estão do lado dos duros a favor da Ucrânia.

Mas existem também os membros do clube que os politólogos classificam como "Ocidente ambíguo". Portugal, Espanha, França e Alemanha são englobados nesse lote de nações onde as opiniões se dividem sobre como deve acabar a guerra. Resta um terceiro bloco, o dos "Elos Fracos do Sul", onde a preferência pelo fim assim que possível da guerra é a mais popular, identificando-se Itália e Roménia neste grupo.

Em países como a Estónia, Polónia, Dinamarca e Grã-Bretanha, há agora uma clara preferência pela reconquista de todo o território pela Ucrânia, mesmo que isso implique uma guerra mais longa ou mais mortes e deslocados para o lado ucraniano.

O número de alemães e franceses que querem que a guerra termine o mais rápido possível "caiu significativamente". Em França, a opção por uma guerra de longa duração é ligeiramente mais popular do que o fim da guerra a curto prazo. Só em Itália e na Roménia subsistem opiniões que maioritariamente defendem o fim da guerra no mais curto espaço de tempo.

Portugueses divididos sobre o poder da Rússia, mas mais confiantes na força da Europa

Há mais consenso sobre a ideia da Rússia como um "adversário", que merece 77% de aprovação na Estónia, 42% em Portugal ou 32% na Roménia, único país onde a percentagem de inquiridos que dizem não saber o que dizer sobre este tópico ultrapassa qualquer opinião sobre a Rússia.

Em 2021, antes da guerra, a perceção maioritária na Europa era de que a Rússia era um "parceiro necessário" da Europa. Era nisso que acreditavam 44% dos portugueses, 50% dos italianos ou 35% dos franceses. A maioria dos inquiridos (46%) atesta que a Rússia está mais fraca do que se pensava. Portugal está alinhado com a ideia (35%), mas mesmo assim os portugueses são os que mais acreditam (43%) que a Rússia está também mais ou igualmente forte face ao que se supunha anteriormente, numa clara divisão de opiniões sobre o poder de Moscovo. Já sobre o fortalecimento da União Europeia com a guerra, os portugueses são os que mais superam (58%) a média dos nove países europeus inquiridos (49%)

Ideologias convergem a favor da Ucrânia

Os resultados desta sondagem mostram uma convergência a favor de Kiev que parte de diversos quadrantes políticos. O apoio a uma estratégia de recaptura territorial pela Ucrânia é partilhado, por exemplo, por votantes liberais como os do partido francês República em Marcha, de Emmanuel Macron, e por eleitores do Partido Nacionalista polaco (PIS), estando estes em linha com a generalidade das forças políticas daquele país.

Em Portugal, os inquiridos que votam no PS e no PSD dividem as suas opiniões entre a necessidade de acabar uma guerra o mais rapidamente possível, mesmo que isso signifique cedências territoriais à Rússia, e o apoio ao prolongamento da guerra de forma a reconquistar território, ainda que mais mortes e deslocados pesem do lado ucraniano. O Chega é o quarto eleitorado mais partidário do fim da guerra (42%), assim que possível, numa lista comandada pela italiana Lega de Salvini (68%), o AFD na Alemanha ( 59%), o Movimento Cinco Estrelas (50%).

Os resultados mostram mais variedade de posições em eleitorados de partidos de extrema-direita como a Frente Nacional de Marine Le Pen (39% pelo fim da guerra e 30% pelo prolongamento) ou o Vox em Espanha (35% contra 31%) que se aproximam de divisões visíveis não apenas nos votantes dos principais partidos portugueses (PS e PSD), mas também no eleitorado da CDU ou o SPD da Alemanha. Para os apoiantes dos Verdes alemães, a Rússia é muito mais um adversário do que para os votantes do PS português (77% contra 49%).

Americanos melhoram imagem na Europa

Uma outra dimensão da sondagem do Conselho Europeu de Relações Internacionais mostra que a eleição de Joe Biden e a posição americana no contexto da guerra na Ucrânia reforçaram a imagem de Washington no Velho Continente. Para 42 % dos inquiridos, os Estados Unidos são percecionados como um "parceiro necessário" com quem é necessário manter uma cooperação estratégica. 55% dos auscultados consideram tanto os Estados Unidos como a Europa são tão ou mais fortes do que se pensava anteriormente. A maior parte dos inquiridos acredita que o mundo caminha para uma divisão do poder global entre dois blocos, liderados pelos Estados Unidos e pela China.

Três motivos para a união, três ameaças para a desunião

Os politólogos do Conselho Europeu de Relações Internacionais consideram que os europeus estão mais unidos no apoio a Kiev por três razões: sustentam que a Ucrânia foi bem-sucedida no primeiro ano de guerra, que a guerra uniu direita e esquerda no quadro político e que o Ocidente está de volta por liderança dos Estados Unidos.

É, no entanto, um quadro frágil, sujeito outros três fatores que podem desagregar esta aparente união. Em primeiro lugar, os politólogos consideram que a inflação e as preocupações com o nível de vida podem fazer decrescer o apoio da opinião pública europeia à Ucrânia.

Em segundo lugar, esta união entre esquerda e direita pode desfazer-se pela pressão da agenda económica doméstica e também por um eventual regresso de um debate sobre o acolhimento de refugiados que cause polarização nas eleições europeias de 2024.

Resta uma última incerteza relacionada com eventuais mudanças na posição dos Estados Unidos, tendo em conta as eleições presidenciais em 2024.

Os autores do estudo são os politólogos Ivan Krastev e Mark Leonard, e trabalharam sobre sondagem realizada no início de janeiro de 2023 em dez países europeus (Dinamarca, Estónia, França, Alemanha, Grã-Bretanha, Itália, Polónia, Portugal, Roménia e Espanha). Foram 14.439 pessoas, incluindo 1.057 portugueses.

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