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José Cardoso. "A IL tem de marcar a diferença, senão acaba como os outros pequenos partidos"

18 jan, 2023 - 06:08 • Manuela Pires

José Cardoso foi o último a entrar na corrida à liderança da Iniciativa Liberal. Crítico da atual direção, o conselheiro nacional fala em falta de democracia interna e avisa que a Iniciativa Liberal tem de ter uma prática política diferente se não quiser desaparecer.

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Iniciativa Liberal. Entrevista José Cardoso

José Cardoso tem 51 anos, é gestor, entrou no partido em 2019 e é conselheiro nacional há três anos. Nos últimos tempos, tem sido uma das vozes críticas da direção do partido, do caminho que a Iniciativa Liberal está a traçar. Desistiu de uma candidatura ao Conselho Nacional para entrar na corrida à presidência da IL.

Já disse que entra na corrida para que os liberais tenham uma verdadeira alternativa e não tenham de escolher entre "o arroz e o arroz". O que é que o diferencia de Carla Castro e Rui Rocha?

Eu tenho sido crítico, mas ao longos destes três, quatro anos, tenho chamado a atenção no partido para um conjunto de situações que considero que a Iniciativa Liberal tem de responder para vir a ser o terceiro grande partido português.

Uma delas, a falta de democracia interna…

Sim, porque o caminho faz-se em diferentes perspetivas. É um projeto político novo, que vai somando peças, e uma fase é diferente da anterior. Neste momento, considero que estamos na fase da consolidação. Os portugueses já perceberam que nós existimos e agora falta saber se somos ou não somos uma alternativa credível ao PS e ao PSD, se conseguimos acabar com este bipartidarismo.

E com os outros dois candidatos a iniciativa liberal não é uma verdadeira alternativa?

Considero que estagnamos. E digo isto porque olho para a prática política deles [Rui Rocha e Carla Castro] no partido, nos últimos dois anos.

E consigo, o que vai mudar?

Nós temos de renovar e no último ano temos apresentado poucas ideias novas. O programa político já tem quatro, cinco anos e precisa de ser renovado. E depois temos de falar de prática política, que é isso que distingue os países liberais. Não são só as ideias, mas a prática política. Por exemplo, porque é que um deputado de Viseu não é escolhido nominalmente? Porque as pessoas não votam num nome, numa pessoa?

O que eu queria era que a Iniciativa Liberal percebesse que tem de mudar a prática política para nos afirmarmos pela diferença. Porque se nós formos iguais, vamos cometer o mesmo erro que os outros partidos pequenos e isso acabou com eles.

Rui Rocha e Carla Castro participaram num debate na SIC. Acha que os portugueses ficaram convencidos de que a IL vai conseguir ser a terceira força política nacional?

Não creio. Não trouxeram nada de novo, nem para os portugueses, nem para o partido. Estiveram mais preocupados em se marcarem do que em se distinguirem. Aliás, eu faço essa piada do arroz, porque me parecem as duas faces da mesma moeda.

A candidata Carla Castro defende agora uma gestão mais participativa e descentralizada do partido e Rui Rocha reconhece que é preciso melhorar a comunicação interna. Estão a dar resposta às críticas que tem feito?

Isso faz-me lembrar as campanhas eleitorais quando aparecem todos a prometer hospitais. E a pergunta é sempre a mesma: se estava lá, porque é que não os construiu?

Tenho defendido, no Conselho Nacional, a descentralização do partido, a partilha do conhecimento, a separação dos poderes dos diferentes órgãos internos, a transparência nas remunerações e nos donativos, um centro de estudos mais abertos a todos os membros. Em todas estas propostas, os outros dois candidatos votaram sempre contra e nunca apresentaram um documento alternativo.

"No final do dia, as pessoas não votam no liberalismo nem no socialismo. Votam em quem lhes resolve os problemas ou lhes dá esperança."

Sentiu que este partido liberal está a travar a liberdade de opinião dos seus membros?

Senti, sim, e essa é uma das razões que leva a esta candidatura de alternativa liberal. Se consideramos que a força do liberalismo vem da liberdade individual da pessoa, então temos de virar o foco para os membros e cidadãos. Por exemplo, perdemos muito tempo a criticar o PS, mas temos de fazer mais e resolver os problemas dos cidadãos.

No final do dia, as pessoas não votam no liberalismo nem no socialismo. Votam em quem lhes resolve problemas ou lhes dá esperança.

A atual direção tem sido autocrática?

Não, diria centralista. Não faz sentido defendermos a descentralização do país e depois no partido centralizamos. Por exemplo, defendemos círculos uninominais a nível eleitoral para o país, mas depois usamos listas em método de Hondt dentro do partido. São métodos eleitorais enfadonhos e antigos, que privilegiam o centralismo.

Outra ideia que defende é mais transparência em todo o partido, desde os donativos, remunerações e despesas. Há situações menos claras atualmente?

Não que eu tenha conhecimento, mas isso não me impede de querer um liberalismo à prova de bala.

Os partidos liberais na Europa têm publicado nos seus websites a sua política de donativos e discriminam todos os donativos. O que se defende é uma transparência à prova de bala. Sei que há uma lei e acredito que o partido a está a cumprir, mas em política não bastam as leis. Na Iniciativa Liberal temos de ser um partido diferente, ter uma prática política diferente. A população tem que olhar para nós e dizer: eles são diferentes. Só assim é que podemos aspirar a ter 15% ou 20% de votação.

Na moção de estratégia - “Um partido e um país sem medo da liberdade dos outros” - defende que a Iniciativa Liberal precisa de um Presidente a tempo inteiro, que não seja deputado. Porquê? Porque os seus adversários são deputados?

Antes pelo contrário. Carla Castro e Rui Rocha devem manter-se no parlamento, mas no último ano, principalmente, notou-se a ausência de um presidente que construa um projeto político. E isto faz sentido num partido novo que só recentemente começou a implantar-se no país, com os núcleos territoriais.

Mas pode ter o secretário-geral a fazer esse trabalho e o presidente está no parlamento…

Mas eu não vejo desse ponto de vista formalista. Eu acredito num liberalismo de proximidade e temos de ter a capacidade de estar em todo o país. Por exemplo, ter um representante do partido que conhece a realidade económica do seu concelho, que conhece os bombeiros voluntários, as empresas, as instituições sociais, e que consegue colocar o partido a ter um papel ativo nesse concelho. Aliás, há partidos portugueses que não apostaram nisso e estão neste momento condenados a desaparecer.

Eu quero que qualquer português, em qualquer ponto de Portugal, consiga rapidamente ter uma resposta de um partido. Temos de conseguir fazer política em qualquer rua e em qualquer esquina.

Na moção com que vai a votos, tem ideias bem definidas para mudar o funcionamento do partido, mas no que toca a outras propostas, é mais vago. Por exemplo, é omisso em estratégias eleitorais de coligações. Não acha que um candidato à liderança de um partido tem de apresentar ideias mais definidas?

E estão lá na moção. Nas eleições para a Madeira, Açores e Europa, a estratégia é eleger deputados. Depois, a ideia de criar conhecimento parece irrelevante, mas não é. Porque, depois de elegermos deputados, temos de ter conhecimento para criar propostas baseadas em factos.

Na moção apresento 40 áreas estratégicas, sobre as quais o partido devia apresentar, nos próximos dois anos, propostas específicas.

Nos Açores, a IL elegeu um deputado que faz parte da solução de governo onde está também o Chega. Se for líder, admite acordos com o partido de André Ventura?

Antes de mais, temos de perceber porque é que as pessoas aceitam os populismos e os extremismos. Um partido liberal respeita as minorias, as religiões, as opções sexuais, etc. Estamos muito longe das ideias do Chega e não vejo como é que podemos construir uma solução de governo.

Mas nos Açores, a IL entrou na solução de governo onde está também o Chega…

Foi o PSD que fez esse acordo...

Mas sente-se confortável com isso?

Sinto-me confortável, desde que não seja eu a fazer um acordo com um partido populista. Foi um acordo feito com o PSD, um partido que aceita fazer reformas na região.

Quando apresentou a moção, tinha 14 pessoas na assistência. Acredita que nos próximos dias vai conseguir mobilizar mais liberais para a sua candidatura?

Eu comecei tarde e as pessoas não me conhecem, mas no partido sou conhecido razoavelmente. Mas dos candidatos, eu sou o único que já foi a eleições internas. Para o núcleo territorial tive 37% e no Conselho Nacional tive 21%.

Mas o facto de apresentar esta candidatura inviabiliza uma candidatura ao Conselho Nacional. Se não vencer, vai ficar fora dos órgãos do partido.

Eu não sou calculista. Até agora não precisei de ter cargos para ser ativo no partido. Entrei na Iniciativa Liberal em maio de 2019 e um mês depois estava na campanha do João Cotrim Figueiredo. Não é preciso ter cargos para ter opinião num partido liberal, ou não deveria ser preciso.

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