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Entrevista Inês Sousa Real

OE 2023. PAN espera "diálogo" do Governo para que não fique "isolado" politicamente

06 out, 2022 - 13:22 • Tomás Anjinho Chagas

Inês Sousa Real admite que negociar com a maioria socialista vai ser "mais complexo" e apresenta caderno de encargos: abolição das touradas, descida do IRC e IRS, transportes "tendencialmente" gratuitos e combate à pobreza energética.

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Em vésperas da apresentação do Orçamento do Estado, Inês Sousa Real, porta-voz do PAN, critica o Governo por ainda não ter feito reuniões com os partidos. Em entrevista à Renascença, a líder do Partido Pessoas Animais e Natureza lança ainda uma farpa a Adão Silva, ministro da Cultura, pela posição neutra em relação às touradas, enquanto nada faz para apoiar a "verdadeira cultura".

Inês Sousa Real revela quais são as principais exigências do PAN para votar a favor, ou abster-se na votação do documento.

Aproximamo-nos da apresentação do Orçamento do Estado. Até este ano o PAN conseguiu sempre algumas cedências por parte do governo. Acredita que isso vai ser possível com a maioria socialista?

Eu diria que, num contexto de maioria absoluta, será certamente um exercício mais complexo. Tem de existir uma vontade inequívoca por parte do Governo de fazer jus àquilo que disse, que não seria uma maioria absoluta de costas viradas ao diálogo.

Da parte do PAN, nós estamos continuadamente a trabalhar no sentido de fazer oposição pela positiva, ou seja, apresentando as nossas propostas e sugestões, quer no âmbito do processo legislativo, quer para o Orçamento do Estado.

No entanto, recordo que o Governo tem sido um mau aluno no que diz respeito à execução do Orçamento.

Este orçamento vai ser um exercício muito complexo por todas as razões, quer pelo contexto socioeconómico que vivemos, quer pela maioria absoluta.

Mas esperamos que o Governo esteja de facto disponível para o diálogo, porque senão irá ficar numa posição muito isolada. Tendo em conta também algumas das trapalhadas que temos vindo a assistir desde que foi eleito.

Não me parece que seja positivo para o país.

Já se encontrou com António Costa? Ou a maioria tem dispensado o primeiro-ministro das reuniões com os líderes partidários?

Nós só vamos ter a primeira reunião com o Governo no final da semana. Não sabemos ainda se vai estar António Costa ou se só será o ministro das Finanças.

Agora parece nos que é muito importante que António Costa se dedique, de facto, ao diálogo com as restantes forças partidárias.

Nós não podemos querer consensos para o país, e viu-se isso no processo do aeroporto, em que António Costa, apenas ouviu o PSD, apenas ouviu Montenegro.

Não faz sentido apelar a consensos para o país e depois deixarmos de fora todas as restantes forças políticas.

Que outras áreas e que são prioritárias para o vosso partido? Estamos numa altura de crise energética, o PAN tem vindo a abanar a bandeira do combate à pobreza energética. Essa é uma das áreas sobre a qual vão tentar inscrever uma medida no OE

Sem dúvida, a inflação e a guerra combatem-se com a transição energética. Portugal tem de estar comprometido com o combate à crise climática.

Esta transição para uma energia verde tem um impacto direto na vida das pessoas. Nós temos 2 milhões de pessoas em Portugal que não têm como aquecer as suas casas no Inverno. Isto num contexto que que estamos a chegar agora à altura em que se passa mais frio dentro de casa e em que os preços, infelizmente sabemos que vão aumentar.

Os apoios que o Governo deu às famílias são manifestamente insuficientes para fazerem face àquilo que vai ser o aumento da fatura da energia.

O PAN aquilo que defende, e iremos para que no orçamento isso fique inscrito é o aumento das verbas para aumentar a eficiência energética das casas.

Eu recordo que só até maio deste ano, os apoios que o Governo já deu aos combustíveis fósseis foram 700 milhões de euros. É seis vezes mais daquilo que o PRR tem previsto para apoiar o combate à pobreza energética.

Nós tínhamos feito um levantamento, falamos de 280 milhões de euros para o combate à pobreza energética.

É fundamental que fiquem inscritos no Orçamento do Estado, mas o PAN quer que o governo vai mais longe. Para nós é fundamental garantir que a tarifa social de energia e do gás é alargada a todos os pensionistas, sem exceção, e a todas as pessoas que vivam abaixo do limiar da pobreza.

E esta medida não tem encargos para o Estado. A tarifa social de energia é suportada pelos próprios operadores. Ora, não faz sentido que num dia o governo dê com uma mão borlas fiscais à indústria petrolífera, às empresas que produzem energia, borlas que ascendem todos os anos a cerca de 500 milhões de euros. E que depois, estas mesmas empresas que têm até lucros extraordinários, não tenham sequer uma taxa sobre os lucros extraordinários.

Felizmente, a Comissão Europeia aprovou essa mesma taxa. O PAN já tinha proposto isso aqui na Assembleia da República. O Governo não acompanhou, tardou a acompanhar com o seu voto favorável no âmbito daquilo que foi a negociação da Comissão Europeia.

Mas é fundamental que estas medidas de apoio às famílias para descermos efetivamente as faturas estejam em cima da mesa. E depois todo um conjunto de outras prioridades, como o apoio à circulação nos transportes públicos.

Nós queremos que uma medida que já existe na cidade de Lisboa, com os passes gratuitos, nomeadamente para pessoas que estejam acima de 75 ou jovens que estejam a estudar até aos 23, possa ser feita em todo o país.

Reduzir também em 25% o preço dos passes para que haja de facto este incentivo e que o automóvel fique em casa e as famílias possam gastar menos, porque sabemos como estão os preços dos combustíveis fósseis, e que até ao final da legislatura eles sejam tendencialmente gratuitos.

Nós temos já vários países que estão a implementar estas medidas e elas têm um impacto direto na redução do orçamento das famílias, ao mesmo tempo que não estamos a alimentar a indústria fóssil para combater as alterações climáticas.

Em caso de cedências nessas áreas, por exemplo nos transportes, o PAN está disponível para votar favoravelmente ou abster-se na votação do Orçamento do Estado?

Neste momento ainda é muito precoce estarmos a fazer essa análise. Nós não conhecemos ainda o documento do Orçamento do Estado. Não conhecemos também até onde é que o Governo está disponível para dialogar.

Uma coisa é certa: ao contrário de outros anos, para a generalidade do Orçamento do Estado, ainda não houve essse diálogo com as forças políticas que teria que já ter começado a acontecer.

Nesse sentido teremos de aguardar para ver qual é a proposta do Governo.

Agora há um conjunto de outras medidas, como por exemplo a revisão dos escalões de IRS para chegarmos à classe média classe média. A classe média não pode ser continuadamente asfixiada com a carga fiscal. Aliás, Portugal é um dos países com a carga fiscal mais elevada dos países da OCDE.

O IRC para as empresas: as pequenas e médias empresas não podem continuar também a não ter qualquer tipo de apoios e continuarmos a beneficiar sobretudo as grandes empresas com as isenções que têm vindo a beneficiar ao longo dos anos.

Em relação ao IRC. O PAN defende essa redução, de uma forma generalizada, como sugeriu António Costa Silva, ou pretende uma descida mais localizada em empresas que invistam os lucros, por exemplo?

Nós temos duas propostas distintas por um lado, a descida generalizada do IRC e, por outro, também que exista a majoração para empresas que tenham boas práticas sociais e ambientais.

Ou seja, não faz sentido que não exista aqui uma compensação por via da majoração para estas empresas. No âmbito daquilo que é o nosso programa eleitoral, tínhamos a descida para os 17%, mas terá que ser vista à luz desta conjuntura atual e da própria inflação.

Sem prejuízo disso, é fundamental que consigamos fazer em simultâneo estas duas medidas. Beneficiar de forma genérica, porque a carga fiscal no nosso país é muito elevada e, por outro lado, compensar também quem tem boas práticas.

Aquilo que não pode continuar a acontecer é vermos os nossos dinheiros serem anualmente perdidos para a corrupção. Portugal perde mais de 18 mil milhões de euros todos os anos para a corrupção.

Continuarmos a não ter apoios diretos às famílias ou então através da inflação ou das cativações, termos uma perda de poder de compra, como vimos agora com a questão dos pensionistas e até mesmo com a falta de atualização dos salários na função pública ou até a própria falta de revisão dos escalões do IRS à taxa de inflação, que está a prejudicar neste momento os contribuintes. Portanto, tem de haver estas mudanças estruturais.

Queremos que o país evolua e que haja desenvolvimento, sendo que somente desenvolvimento sustentável, porque o progresso e a transição climática não têm de ser antagónicos, podem andar par a par. Isso é perfeitamente possível com esta transição para um modelo verde.

Sobre outro tema que é caro ao PAN. Tendo em conta a posição do atual ministro da Cultura em relação às touradas, que disse que não as vai censurar. Para o PAN, esta posição defende a liberdade e pluralidade de opiniões ou manifesta um certo conservadorismo neste governo socialista?

Antes de mais, uma questão: o PAN respeita e defende a liberdade de opinião, de expressão e que possam pensar de forma diferente aquilo que o partido defende.

Agora, o PAN entende que a tauromaquia é uma atividade que provoca sofrimento animal e a nossa liberdade deve terminar onde começa a alusão para com o outro, seja pessoa ou animal.

Nós não estamos a falar de gostar de ir bailado, gostar de ir a uma ópera ou ao teatro. E muito nos espanta o ministro da Cultura, que deveria ter uma sensibilidade e um respeito diferente para com os animais.

Nós estamos em pleno século XXI. Não faz qualquer tipo de sentido que em pleno século XXI se torture um animal numa arena.

Ainda se tenta elevar o espetáculo cultural e, portanto, no nosso entender. Lançámos esta semana uma iniciativa legislativa de cidadãos, precisamente para que Portugal ponha fim à tauromaquia, usando até o mote de Fábio Porchat, que fez esse mesmo apelo aqui em Portugal, na Praça de Touros do Campo Pequeno.

Por favor, acabem com este espetáculo absolutamente anacrónico, cruel.

Aquilo que gostaríamos de ver era o ministro da Cultura focar-se no apoio aos agentes da arte e da cultura. Ainda esta semana recebemos denúncias de que não estão a conseguir lançar sequer os recibos de forma normal, porque com a nova legislação não foi adaptada a base de dados da AT e, portanto, em sequer estão a conseguir receber os dividendos do seu trabalho.

Aquilo que deveria haver em termos de foco era ajudar a cultura, a verdadeira cultura, que tem sido tão menosprezada ao longo de sucessivos governos.

É preciso deixar que a tauromaquia de facto faça o seu caminho de extinção.

Porque acreditamos que a sociedade civil não está do lado da manutenção desta atividade, muito pelo contrário.

As pessoas reclamam pela abolição. Temos tido inúmeras petições na Assembleia da República nesse sentido. É preciso a reconversão destes espaços, a reconversão da atividade, apoiando as pessoas que promovem essa atividade e dando apoios para que possam dedicar se a outras áreas, inclusive ao nível da formação.

Mas deixemos os animais de uma vez por todas, em paz.

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