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Entrevista

Quem é a Paula Santos, a primeira mulher a liderar o grupo parlamentar do PCP?

22 fev, 2022 - 18:09 • Tomás Anjinho Chagas

“O mais importante é ser uma mulher comunista”, diz a deputada que vai substituir João Oliveira na próxima legislatura. Em entrevista à Renascença, recorda que têm sido os comunistas a defender, desde sempre, a igualdade de género. E admite que “o próximo mandato vai ser de grande exigência”.

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Paula Santos tem 42 anos, é química de formação e está no Parlamento desde 2009. Vai suceder a João Oliveira e agarrar o leme do grupo parlamentar do PCP quando a nova Assembleia da República tomar posse. Será a primeira mulher a fazê-lo.

Num gabinete na Assembleia, recebeu a Renascença. Na divisão há apenas uma mesa redonda e duas secretárias viradas uma para a outra. Uma delas é a de Jerónimo de Sousa, a outra ainda é de João Oliveira. Será de Paula Santos, nova líder parlamentar dos comunistas.

Uma entrevista que pode também ouvir na íntegra, nesta terça-feira, a partir das 23h00 na antena da Renascença.


É a primeira mulher a assumir a liderança do grupo parlamentar do Partido Comunista. Que sinal é dado com esta opção?

O PCP sempre deu uma grande importância à participação e à intervenção das mulheres na vida política. E sempre procurou, na sua intervenção, criar as condições para que as mulheres tivessem de facto a possibilidade de uma participação ativa em todas as dimensões da nossa vida.

Recordo, aliás, que é um partido que está a comemorar o seu centenário, e desde cedo colocava esta questão como uma questão importante. As mulheres são vítimas de exploração, são mais afetadas no nosso país pela precariedade. Foram dados passos importantes com a Revolução de Abril e com a consagração da igualdade entre homens e mulheres na nossa Constituição.

Agora aquilo que identificamos é que igualdade na lei não é igualdade na vida. Mas diria que o mais importante é ser uma mulher comunista.

E o facto de ser uma mulher comunista com um papel desta importância, não passa inevitavelmente uma mensagem aos eleitores?

As questões estão de facto na opção política e ideológica, e nessa, o PCP sempre esteve presente com este reforço de propostas.

De garantia dos direitos de maternidade e paternidade. De garantia dos direitos sexuais e reprodutivos. De pôr fim às disparidades salariais entre os dois sexos. Tem sido o PCP a colocar essas questões.

Portanto, a participação das mulheres que nós valorizamos e consideramos de enorme importância, necessita de remover todos os condicionalismos que impedem essa participação. Naturalmente, a participação é importante, mas aquilo que marca é a opção política e ideológica relativamente a estas questões.

E a médio prazo, vê como viável que a prazo seja também uma mulher a liderar o partido?

Essa não é uma questão que esteja em cima da mesa neste momento. Mas tem sido o PCP que tem estado na vanguarda da luta pelos direitos das mulheres. Portanto, o posicionamento é que é o determinante.


Se a nossa proposta [de alteração à lei eleitoral] tivesse sido acolhida, muitos dos problemas teriam sido evitados.


O PCP sai das eleições com o grupo parlamentar mais pequeno de sempre. Como é que se pode trabalhar para inverter esta tendência?

O próximo mandato vai ser de grande exigência, tendo em conta os problemas estruturais que afetam os trabalhadores e a população no geral. Refiro-me naturalmente às questões dos baixos salários, com as baixas reformas, com as normas gravosas da legislação laboral e as insuficiências no Serviço Nacional de Saúde.

Isto exige soluções concretas para dar respostas a estes problemas. Da parte do PCP contarão sempre com a nossa intervenção, com a nossa ação, com a nossa proposta para dar essas soluções.

Perderam o João Oliveira e o António Filipe da vossa bancada. É um grupo parlamentar mais fraco por isso?

Diria que as condições são obviamente diferentes, não poderemos dizer que são as mesmas. Estamos a falar de dois camaradas – quer o António Filipe, quer o João Oliveira – com grande experiência, conhecimento e naturalmente com uma intervenção muito relevante.

Mas centro-me no seguinte: sendo condições diferentes, a nossa forma de trabalho, de estar, de intervir assente no trabalho coletivo, dá-nos também esta força para continuar o nosso trabalho.

O PS tem agora maioria absoluta, largou a mão do PCP e já não precisa dela para governar. Qual é que vai ser o papel do partido no Parlamento?

A maioria absoluta do PS deixa mais longe a concretização das soluções que são necessárias para dar resposta aos problemas que existem no nosso país.

Mas os trabalhadores e o povo podem contar com a intervenção do PCP, determinada, combativa, de quem não abandona a luta, de persistência e de quem não desiste de procurar as soluções.

E se essa ação no Parlamento for inconsequente ou insuficiente, o PCP pondera fazer da rua um dos seus palcos de intervenção política?

A intervenção na rua sempre esteve presente por parte dos trabalhadores e das populações. É a ausência de respostas e a não resolução de problemas que afetam as pessoas que as leva a reivindicar aquilo que consideram que é justo.

A luta não é por decreto; é de facto de problemas concretos que não são resolvidos e que sucessivos governos não resolveram. O Partido Socialista, perante as propostas que o PCP apresentou, optou pela recusa e mostrou que não tem essa disponibilidade para resolver esses problemas.

Da parte do PSD, do CDS, da Iniciativa Liberal e do Chega também não há qualquer tipo de vontade. Aliás, sabemos que dessa parte não há qualquer tipo de respostas para resolver os problemas da população.

Precisamente sobre respostas aos problemas: se o Governo apresentar o OE tal e qual como está no texto da proposta, é para chumbar à partida? Ou desta vez deixam ir para especialidade?

O Orçamento do Estado é um instrumento que deveria dar respostas a este conjunto de problemas. Aquilo que nós constatámos é que o Orçamento que o Governo apresentou não tinha essas respostas. Nem a problemas concretos nem a respostas mais amplas como as questões dos salários e da legislação laboral, em que o Partido Socialista se recusou a dar essas respostas.

Tudo isso são respostas que não constavam no anterior OE. Se voltarem a não constar, o PCP volta a votar contra?

Como lhe disse, a apreciação em relação ao Orçamento e aquilo que consideramos que é importante e que dê resposta são os aspetos que referi.

Precisamos delas para assegurar o desenvolvimento, o progresso, a elevação das condições de vida de todos, melhorar serviços públicos, garantir que os direitos sociais são uma realidade para todos. São aspetos fundamentais.

Projetando os próximos quatro anos de legislatura, qual é que vai ser o primeiro projeto de lei que vão apresentar?

Prende-se com o aumento dos salários, com a questão do reforço do Serviço Nacional de Saúde, adotando medidas para fixar profissionais. Prende-se com as questões da garantia da estabilidade dos contratos de arrendamento. Prende-se com as questões que têm como objetivo travar o aumento dos preços, em particular da energia.

São prioridades que temos identificadas e que naturalmente terão tradução em iniciativas legislativas no próximo mandato.

Em relação à lei eleitoral, o Presidente da República já apelou a alterações. Houve esta polémica em torno do voto dos emigrantes. O PCP vai apresentar alguma alteração à lei? E em que sentido?

Se a nossa proposta tivesse sido acolhida, muitos dos problemas com os quais estamos confrontados teriam sido evitados.

Nós defendemos que deve ser alargado o número de mesas para o voto presencial, que é aquele que garante maior fiabilidade e segurança no ato eleitoral.

Propomos o alargamento do número de mesas desde que seja possível a fiscalização de pelo menos três partidos. Consideramos muito importante a participação, consideramos que devem ser criadas as condições para que os emigrantes possam exercer esse direito de voto. E seriam evitados estes problemas.

Mas chamamos a atenção: há aqui questões que nos causam muita preocupação sobre outras propostas que têm surgido ao longo dos anos e que não contribuiriam em nada para o aprofundamento democrático; não contribuiriam em nada para a representatividade em relação aos mandatos, e que se prendem com o voto eletrónico e com o círculo uninominal.

Criar as condições para o alargamento do voto presencial parece-nos que é a solução mais adequada.

Domingos Abrantes foi até agora conselheiro de Estado indicado pelo PS tendo em conta o acordo à esquerda. Não havendo acordo, o partido dá como perdido um conselheiro de Estado?

Houve um período diferente no passado. Estamos de facto noutro momento.

É improvável que Domingos Abrantes volte a ser nomeado pelo PS?

Não vou acrescentar mais em relação àquilo que referi. É um momento diferente.

É um momento diferente. Também Jerónimo de Sousa tem admitido isso. Como é que descreve a relação dos dois partidos na Assembleia da República?

Sendo uma maioria absoluta, o PS está de mãos livres para tomar o posicionamento que entende. A responsabilidade governativa é do Partido Socialista. A intervenção do PCP será para ir ao que consideramos prioritário neste momento – na área dos salários, da saúde, da educação, da proteção social, da habitação. Vamos procurar as soluções.

Não deixaremos de intervir, de denunciar os problemas, de ter uma voz ativa na defesa das soluções que achamos que são necessárias para esses problemas.

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