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Autárquicas

Há 20 anos era o Polis, agora é o PRR. Mas não se compara

23 set, 2021 - 07:55 • Fábio Monteiro

Há 20 anos, Guterres fez campanha com o programa Polis, Costa faz agora com o PRR. Até podem haver semelhanças entre a conjuntura que antecedeu as autárquicas de 2001 e as atuais, mas, ao nível municipal, o contexto é muito diferente, diz Luís de Sousa, investigador especializado em poder local do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Eleitores podem penalizar autarcas que fizeram má gestão da pandemia, nota.

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Em eleições, paralelismos com o passado não são garantia de que algo se repetirá. Ao nível autárquico, ainda menos.

Sobrepondo a conjuntura que antecedeu as autárquicas de 2001 com as eleições de domingo, semelhanças saltam à vista: há 20 anos, o Partido Socialista (PS) estava no poder, detinha o maior número de autarquias nacionais; Guterres cumpria a segunda legislatura, mas sem maioria absoluta; e, meses antes da ida às urnas, o Governo havia lançado o Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental de Cidades, que ficou conhecido como programa Polis - cuja parte significativa dos fundos provinham de dinheiros comunitários.

Chegados a 2021, o PS controla o maior número de autarquias nacionais; António Costa está na segunda legislatura e não tem maioria absoluta; em junho, foi aprovado o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) - que irá trazer para os cofres do Estado sete mil milhões de euros.

Mas esta é uma comparação ao nível macro. E as autárquicas ocorrem noutro nível. “Muitas vezes, as avaliações de quem ganhou, quem perdeu nas autárquicas, são um bocadinho viciadas. Claro que podemos fazer essa contabilidade global, ver o partido que saiu mais votado, que ganhou mais municípios ou não, mas é preciso ter em conta as dinâmicas locais”, diz Luís de Sousa, investigador especializado em poder local do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, em declarações à Renascença.

O investigador recusa uma “contabilidade” geral. E afirma que há diferenças importantes entre as duas eleições separadas por 20 anos. “Nós levamos duas crises de rajada: uma económica, que estávamos quase a sair, quando entramos numa crise pandémica com consequências que ainda vamos ver se são tão graves ou piores quanto as anteriores. Portanto, o contexto não é comparável à introdução do Euro ou que se estava a passar em inícios de milénio”, afirma.

Polis vs PRR

Segundo Luís de Sousa, a discussão em torno do uso e acesso a fundos europeus no centro de um debate eleitoral nas autárquicas, conforme se tem sucedido com o PRR, não é novidade. “As eleições [autárquicas] não elegem o governo da nação e as dinâmicas de campanha acabam muitas vezes por ser contaminadas por temas da política nacional, que servem para o eleitorado e para as várias forças políticas testarem o Governo”, conta.

Num país “centralizado” como Portugal, em que “está tudo nas mãos do Governo”, cria-se uma “oportunidade para fazer uma campanha de acenar ou insinuar com o acesso a esses fundos”. No fundo, “as pessoas percebem que o Governo tem a faca e o queijo na mão e que pode haver aqui uma distribuição em função de algum clientelismo, como já aconteceu noutras ocasiões no passado”.

Em 2001, com o programa Polis, António Guterres adotou essa estratégia. Num comício em Beja, o então primeiro-ministro defendeu que todas as obras significativas no distrito haviam sido realizadas após a vitória socialista nas legislativas de 1995.

De acordo um artigo da edição de 6 de dezembro de 2001 do Ação Socialista – o órgão oficial de comunicação do Partido Socialista na época, Guterres apontou “como exemplos de investimentos da responsabilidade de governos do PS a barragem de Alqueva, a utilização civil da Base Aérea de Beja, o programa Polis e as acessibilidades de ligação a Espanha”.

Para Luís de Sousa, “pode-se comparar a utilização de recursos de quadros comunitários, de financiamento europeu para a forma como se discute e mobiliza esse tema nas autárquicas”. Mas deixa uma ressalva importante: “Tanto a conjuntura nacional como as 308 conjunturas municipais da altura eram diferentes das de agora.”

Numa dimensão económica, também não é possível fazer comparações: o financiamento do programa Polis foi de 160 milhões de euros, 90 dos quais provinham da Europa. O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é de sete mil milhões de euros.

Autarquias e pandemia

Domingo, 26 de setembro, será um dia de ajustar contas de alguns eleitores com os seus autarcas. E, para Luís de Sousa, a pandemia vai entrar na equação.

De acordo com o investigador, o período excecional que o país (e o mundo) ainda está a atravessar “vai favorecer quem está em exercício de funções”. Esses autarcas podem alegar “aquela lógica de que não tive tempo para fazer” ou que “vieram para funções e praticamente ficaram dois anos sem poder pôr em prática o seu programa”.

Já aqueles autarcas que tiverem problemas na gestão da pandemia, “onde houve escândalos, alguma implicação em IPSS locais”, “esses vão ser penalizados”.

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