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​António Costa Pinto. "Ditaduras mimetizam cada vez mais os processos democráticos"

01 fev, 2021 - 20:15 • José Pedro Frazão

O politólogo, que assina "O Regresso das Ditaduras?", assume o ponto de interrogação do ensaio publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e defende que o populismo ajuda à erosão das democracias, mas ainda não coloca as instituições em crise. A fronteira entre democracia e ditadura pode ser traçada na realização de eleições livres e justas, defende Costa Pinto no "Da Capa à Contracapa" da Renascença.

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Os populistas podem criar dinâmicas de crise, mas vai ainda um grande passo até à instauração de uma ditadura. A tese é de António Costa Pinto, autor do ensaio "O Regresso das Ditaduras?", publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e debatido no último programa "Da Capa à Contracapa" da Renascença. O politólogo tem dúvidas sobre esse ressurgimento dos autoritarismos mais vincados um pouco por todo o mundo.

"Se é verdade que as democracias estão a atravessar crises muito significativas, os regimes ditatoriais, do ponto de vista estritamente numérico desde a chamada terceira vaga de democratização, não cresceram assim tanto como aparentemente se pode pensar", afirma o investigador do Instituto de Ciências Sociais.

António Costa Pinto admite, contudo, que o aparecimento de líderes populistas pode de algum modo criar uma "dinâmica de uma efetiva crise" e mesmo de "consolidação de novos tipos de autoritarismo", que não chegam para concluir pelo aumento significativo de ditaduras.

A título de exemplo, Costa Pinto assinala que desde a terceira vaga mundial de democratizações não há registo de muitos golpes militares que conduzam a regimes autoritários na América Latina.

O professor de Ciência Política faz notar que China e Rússia, duas das grandes potências do passado e do presente, são regimes autoritários, sublinhando, no primeiro caso, como se concilia esse sistema com uma transição económica com impacto global.

Eleições, a grande fronteira entre regimes

O politólogo do ICS assinala que muitas democracias vivem o dilema da dificuldade de classificação de certo tipo de regimes, variando entre o "híbrido" - nem democracia nem ditadura - e o "iliberal", cujos exemplos mais clássicos têm sido a Hungria e, nalguns planos, a Polónia.


"Precisamos de ter uma definição minimalista de democracia. Não há ditaduras que se baseiem em eleições livres e justas e não há democracias que não se baseiem em eleições livres e justas. Os maiores dilemas são ditaduras que, num certo sentido, mimetizam cada vez mais procedimentos democráticos. Realizam eleições mais competitivas, permitem partidos políticos, muito embora sempre com partido dominante. Não estão associadas a níveis de repressão das ditaduras do passado, permitem um pluralismo limitado. E, apesar de tudo, sob ponto de vista dos direitos humanos e da cidadania, são regimes políticos que, por uma razão ou outra, foram forçados a compromissos bem mais significativos do que as ditaduras faziam no passado", argumenta António Costa Pinto na Renascença.

O autor do novo ensaio da Fundação Francisco Manuel dos Santos acrescenta que, mesmo que a cidadania demonstre valores democráticos, a solidez e a autonomia das instituições também é fundamental para a sobrevivência dos sistemas políticos democráticos. Os exercícios de poder de Donald Trump e Jair Bolsonaro provam que a erosão das instituições democráticas não conduz necessariamente ao derrube destas, acrescenta o investigador do ICS.

O politólogo dá o exemplo italiano de sucessivos governos com participação de formações populistas para concluir que a instabilidade não permite tirar conclusões. "Não é seguro que o sistema político democrático não consiga integrar estes partidos e também não é seguro que estes partidos, se ganharem eleições, não avancem para caminhos mais próximos do autoritarismo", acrescenta Costa Pinto.

Como se derrubam as novas ditaduras?

A relação com a comunicação social e com a liberdade de expressão e associação é sempre difícil para todos os regimes autoritários contemporâneos, que António Costa Pinto classifica como "complexa": varia entre a oposição, a censura e o controlo político e económico dos media, com atenção particular devotada às redes sociais.

"São relações que permitem sempre margens de liberdade de expressão e associação, ligadas a dinâmicas repressivas. É uma relação de controlo, mas não de censuras prévias. É uma mistura entre alguns modelos de controlo de informação e outros que não são de propaganda, mas mais ligadas ao progresso. É uma ameaça dissimulada, de controlo e não de repressão", afirma o politólogo no programa "Da Capa à Contracapa" da Renascença.

O autor do mais recente ensaio da Fundação Francisco Manuel dos Santos diz que a forma de derrube das ditaduras depende muito da natureza desses regimes. No caso do irão, as dinâmicas podem ser mais violentas, admite Costa Pinto que adverte que os regimes que organizam eleições que arriscam ter partidos de oposição sem serem livres, podem desaparecer de via mais pacífica, dando o exemplo da instabilidade na Bielorrússia.

"As elites autoritárias podem conceder transições democráticas se as primeiras forem salvaguardadas, mas todas as vias de derrube estão abertas", conclui António Costa Pinto.

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  • Anernamus
    01 fev, 2021 LEiria 21:26
    Que eu saiba, em Portugal continua a existir a Democracia.Intependentemente de existir partidos mais á esquerda ou á direita. Em França á partidos de extrema direita e não é por isso, que deixa de existir Democracia. Mais um comentário populista , realizado por um IMBECIL, que não sabe o que está a afirmar. Pretende apenas lançar o terror nas hostes dos eleitores, para que a Democracia seja apenas a que ele deseja, PS e Esquerda, que por sinal, estão a destruir paulatinamente o pais.

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