04 jan, 2017 - 13:46 • José Pedro Frazão
O antigo ministro da Justiça José Vera Jardim defende que a falta de meios no sector não justifica os problemas no sector. O ex-governante socialista diz que essa é uma alegação já muito antiga entre os agentes da justiça. "Já ouço falar no reforço dos meios há 40, 50 anos", desabafa o advogado, que exerceu a profissão por mais de meio século.
"Acho que a justiça portuguesa tem também um problema de gestão dos próprios processos, da maneira de trabalhar, etc.. Não estou a dizer que não seja necessário, aqui ou acolá, um reforço de meios. Mas não podemos continuar a justificar tudo, dezenas de anos a fio, pela falta de meios", afirma o antigo titular da pasta dos governos de António Guterres.
O antigo governante lança a análise a partir da nota deixada na mensagem de Ano Novo do Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa considera que o sistema de justiça "continua lento e, por isso, pouco justo.
Para Vera Jardim, o principal problema do sistema está mesmo na lentidão processual, visível não apenas nos casos mais veiculados pela comunicação social. "Os casos mediáticos estão todos situados na chamada justiça penal. Mas temos problemas gravíssimos na justiça administrativa e na justiça fiscal, precisamente onde o cidadão se confronta com o Estado", argumenta o comentador da Renascença.
“Onde é que a nossa justiça falha? Falha em quase tudo nesta matéria da duração [dos processos]", insiste Vera Jardim no programa "Falar Claro". Faz uma ressalva: nem tudo é mau no sistema português. "Por exemplo, não há corrupção na justiça portuguesa. Não digo que não haja um caso em cada mil ou em dez mil. Não há corrupção no sistema judiciário português, o que é um valor tão ou mais importante que o tempo", complementa o socialista.
“Não é tolerável” caso Sócrates
A justiça vai marcar 2017, antecipa o social-democrata Nuno Morais Sarmento no mesmo programa. O desfecho de casos mediáticos marcará uma parte da agenda, com um sublinhado para a finalização da acusação a José Sócrates.
"Em Portugal, se temos uma pessoa que assumiu estas responsabilidades e a Justiça acha que pode estar três anos sem ter uma acusação, toda a gente vai poder estar três anos sem ter uma acusação. Não é tolerável", critica o antigo ministro do PSD.
O caso contrasta pela "incongruência" com pontos positivos no sistema judicial português identificados pelo também advogado Nuno Morais Sarmento. "Temos avançado alguma coisa no que tem a ver com a modernização. A introdução de novas tecnologias tem permitido melhorar o funcionamento da justiça nalguns pontos", concede o social-democrata.
Ainda pode haver um "pacto da Justiça"?
A possibilidade de um pacto entre agentes judiciários tem sido acarinhada pelo Presidente da República. O repto foi lançado pelo Chefe de Estado em Setembro na abertura do ano judicial, como plataforma que possa abrir caminho a um pacto entre partidos políticos.
Nuno Morais Sarmento considera que o calendário para um tal entendimento é apertado, argumentando que só pode fazer sentido antes do desfecho dos diversos "casos mediáticos" em 2017.
"Um acordo global ou é neste ou próximo mês – o que não vai ser – ou então só depois desta leva de casos. Porque não há nada pior do que tomar decisões genéricas para o futuro por causa de situações particulares. Normalmente dá asneira", afirma Nuno Morais Sarmento.
Já Vera Jardim aproveita para sugerir um olhar externo ao sistema judicial português, onde os problemas podem ser mais facilmente observados por agentes que estão de fora. "Os de dentro têm os vícios de dentro. Os de fora olham para o sistema de fora e dizem 'porque não fazem desta ou daquela maneira'. É mais difícil a quem funciona no sistema por vezes ver os erros e disfunções do próprio sistema. Era mais fácil chamar pessoas de fora e dizer qual é a sua experiência, o que acha que se devia mudar aqui", desafia o antigo ministro da Justiça.