13 jan, 2025 - 15:40 • Ana Kotowicz
Como se pode tornar a justiça melhor e mais célere? O procurador-geral da República acredita que há quatro pilares fundamentais que não podem ser ignorados ao longo do próximo ano, se se quiser alcançar esse objetivo. Um deles, o primeiro da sua lista, é garantir a autonomia financeira da Procuradoria-Geral da República. Amadeu Guerra falava esta segunda-feira durante a sessão solene da abertura do Ano Judicial, no salão nobre do Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa.
Além de defender que as verbas disponíveis não devem estar concentradas em entidades tuteladas pelo Ministério da Justiça, mas antes na própria PGR, Amadeu Guerra falou também da carência de meios, seja a nível informático — que permitira tratar com maior eficácia os dados dos inquéritos —, seja a nível de recursos humanos.
O PGR diz mesmo que o recente concurso de oficiais de justiça – que pretende colocar nos tribunais 750 pessoas – não será suficiente "para colmatar as insuficiências sentidas". O quarto tema que não pode ser esquecido, na opinião do PGR, é uma "efetiva cultura de recuperação dos ativos para a criminalidade económico-financeira em Portugal", estratégia que está empenhado em criar.
A par dos desejos, Amadeu Guerra não deixou também de fazer lamentos, um deles ligado aos dinheiros que chegam da Europa. O PGR afirma que, apesar de haver fundos comunitários ao dispor de Portugal, "a Procuradoria-Geral da República não obteve ganhos significativos ao nível das tecnologias e sistemas de informação, dos quais está carenciada".
"Num país de parcos recursos já nos fomos habituando ao discurso de fazer melhor com os recursos disponíveis", começou por dizer o PGR. No entanto, "ao sermos sempre confrontados com os atrasos e o pedido de responsabilidades", às quais diz não querer fugir, Amadeu Guerra diz saber qual a resposta que gostava de dar: “Coloquem-se à disposição do Ministério Público e dos Órgãos de Polícia Criminal, que nos coadjuvam, todos os meios humanos, equipamentos, software de tratamento e análise de prova digital, meios técnicos, periciais (internos e externos) e, depois, peçam-nos responsabilidades”.
Um dos problemas apontados é, por exemplo, não ter "sequer verba para assegurar a interoperabilidade dos seus sistemas com o CITIUS", uma vez que as as verbas disponíveis "foram concentradas, tanto quanto se sabe, no Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça e na Direção Geral da Administração da Justiça".
Sobre a falta de meios, Amadeu Guerra recorda que há "constrangimentos no que concerne à falta de magistrados – em particular para os próximos anos – onde se prevê um número elevado de jubilações, verificando-se que proximamente não está prevista a colocação de magistrados oriundos do Centro de Estudos Judiciários".
Por isso mesmo, um dos maiores problemas com que a justiça se depara, diz, é a "carência de oficiais de justiça e a falta de motivação", assim como a falta de aprovação e publicação de um Estatuto dos Oficiais de Justiça que melhore o seu estatuto profissional.
"Mas, o mais preocupante é que nem o recente concurso de oficiais de justiça – que pretende colocar nos tribunais 750 pessoas – contribui para colmatar, ao nível do Ministério Público, as insuficiências sentidas", diz Amadeu Guerra. Segundo as contas do Conselho Superior do Ministério Público, mesmo que não haja desistências, faltariam, ainda 81 oficiais na Procuradoria-Geral Regional de Coimbra, 123 nas Procuradorias-Gerais Regionais de Évora e de Lisboa e 155 na Procuradoria-Geral Regional do Porto, 155 oficiais de justiça.
Na parte do seu discurso que dedicou ao tratamento de dados pessoais de dados, o PGR centrou-se no funcionamento do CITIUS (sistema informático "vocacionado para o tratamento dos dados relativos aos processos dos magistrados judiciais e à atividade dos oficiais de justiça").
"Constatamos que o IGFEJ não tem demonstrado disponibilidade para integrar, no sistema CITIUS, qualquer aplicação vocacionada para o inquérito", acusou o PGR. Pelo contrário, afirmou, "tem criado dificuldades" que, na sua opinião, se traduzem numa situação, no mínimo, "insólita": "os inquéritos do DCIAP anteriores a junho de 2023 estão registados na aplicação que o DCIAP sempre utilizou (ainda instalada em servidor da PGR) e os inquéritos posteriores a junho de 2023 estão registados no CITIUS, sem qualquer controlo efetivo dos acessos aos dados ou auditoria técnica", por parte da PGR.
Assim, "face às grandes insuficiências do CITIUS" em relação ao inquérito, a PGR "investiu numa aplicação informática capaz de colmatar essas limitações", que permitiria, além de uma maior celeridade dos inquéritos, "um controlo rigoroso em relação ao acesso e consulta dos dados dos inquéritos" do DCIAP e dos DIAP Regionais, através de servidor alojado na PGR.
"Não nos podemos conformar com a situação atual e queremos que os inquéritos do DCIAP e dos DIAP – com informação sensível e mediática – estejam sob o nosso controlo e não sob o controlo do IGFEJ, entidade dependente do Ministério da Justiça. É uma questão de princípio e não implica qualquer desconfiança concreta em relação às pessoas que ocupam cargos no Ministério da Justiça ou no IGFEJ", concluiu Amadeu Guerra.