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Criminalidade feminina em Portugal

Estrangeiras representam 25% das reclusas em Portugal. Tráfico de droga é o que mais leva estas mulheres à prisão

12 dez, 2024 - 06:00 • Salomé Esteves

As mulheres estrangeiras são um quarto das reclusas nas prisões portuguesas. A maioria tem menos de 30 anos. Ana Guerreiro, especialista em criminalidade feminina, afirma que não há ligação com a imigração.

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Os números não enganam, mas contam duas histórias diferentes. Tudo depende de para onde se olha, para a percentagem ou para o número total. Em primeiro lugar, olhámos para a proporção: há muito mais mulheres estrangeiras do que homens estrangeiros nas prisões portuguesas. Elas representam 25% de todas as reclusas, enquanto eles rondam os 16%. No entanto, os números absolutos da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), referentes a 2023, mostram o outro lado da história: há quase 10 mil homens reclusos em Portugal, contra 906 mulheres. Se olharmos para os estrangeiros, são 228 mulheres e 1.808 homens.

O facto de serem estrangeiros não significa que sejam imigrantes, como se vê nos números oficiais, que mostram que a maioria destes estrangeiros não reside em Portugal. No caso das mulheres, o principal crime que as leva a cumprir pena está ligado a crimes de tráfico de estupefacientes — muitas serão correios de droga, detidas na passagem ou tentativa de entrada em Portugal.

Dados da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais fornecidos à Renascença esclarecem que, na grande maioria, as mulheres estrangeiras nas prisões portuguesas têm entre 19 e 29 anos. Nesta faixa etária, as reclusas estrangeiras são mais do que as portuguesas. Nos homens, isto nunca acontece. O número de reclusos portugueses é sempre superior ao de estrangeiros.

Só a partir dos 30 anos, é que o número de portuguesas começa a ser muito superior (mais do que o dobro) do que de estrangeiras.

Além de serem mulheres jovens, os números também revelam que a grande maioria tem nacionalidade brasileira. Das 228 mulheres estrangeiras presas em Portugal, 154 (67,5%) são brasileiras.

Ana Guerreiro, especialista em crime organizado e criminalidade feminina, sublinha que esta “é uma tendência que existe há muitos anos” em Portugal. Apesar de, sublinha, ter havido um aumento no ano passado, nenhum destes números mostra uma mudança nos padrões.

A investigadora sublinha que não há uma relação entre imigração e criminalidade — e a maioria destas detidas são estrangeiras não residentes em Portugal, como mostram os números da DGRSP — e acrescenta que não existe nenhuma evidência científica que relacione as duas tendências.

Fonte da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais também confirmou à Renascença que das 228 reclusas estrangeiras em Portugal, em 2023, "78 indicaram, à entrada, ter residência em Portugal e 150 referiram ter como residência direções postais no estrangeiro".

Historicamente, Portugal tem uma posição privilegiada para o tráfico de droga, o que faz com que esta seja “uma das uma das principais atividades lucrativas em termos do crime organizado”, explica a investigadora. Muitas pessoas, acrescenta, são detidas no processo de transportar estupefacientes, a quem comumente se apelida de “mulas” ou “correios de droga”.

A especialista lembra que a lei portuguesa não incluiu nenhum artigo “que fale em concreto sobre correio de droga”. Por isso, as pessoas condenadas por este crime “são punidas, à partida pelo Artigo 21.º, sobre o tráfico mais genérico”. Este artigo define penas de prisão de 4 a 12 anos e de 5 a 15 anos, conforme o grau de envolvimento no processo de tráfico e a gravidade do crime.

Um relatório da Europol, de 2024, sobre redes criminosas na União Europeia, concluiu que a principal atividade destas redes nos países europeus é o tráfico de cocaína, especialmente a partir do Brasil e da Colômbia. Além disso, a ligação destes países com Portugal e Espanha estreita-se pelas línguas em comum e outros fatores históricos e sociais unificantes, lê-se no documento. Tem-se tornado popular, aliás, existirem portugueses e espanhóis em posições de relevo dentro destas redes criminosas, que facilitam a troca de estupefacientes entre os países.

Já em Portugal, segundo os dados da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais fornecidos à Renascença, entre as reclusas estrangeiras que foram condenadas, em que se excluem as que estão em prisão preventiva, 97 (67,8%) foram condenadas por tráfico de droga. Quando se olha para os “últimos sete anos, 2023 foi o ano em que se verificaram mais mulheres estrangeiras nos crimes relacionados com estupefacientes”, acrescenta Ana Guerreiro. Nos homens, a tendência não se verifica, os estrangeiros representam 27,0% das condenações pelos mesmos crimes.

A investigadora e professora em Criminologia explica o que tem sido comprovado por sucessivas investigações científicas: os últimos anos registaram “uma maior presença de camadas mais jovens — de jovens adultos, sobretudo — nos crimes relacionados com as drogas”. Para Ana Guerreiro, os jovens têm uma maior “vulnerabilidade no recrutamento por grupos de crime organizado”.

Além disso, no caso específico das mulheres, as relações interpessoais e familiares podem ser uma grande influência na adesão a este tipo de organizações criminosas, em que os papeis de género também são muito vincados.

Ana Guerreiro denota que “o crime organizado é pautado por uma presença mais masculina”, em que se “empregam meios mais violentos” e em que estas mulheres “são vítimas de alguma situação de violência”. No contexto do tráfico de droga, as mulheres estão, geralmente, “em situações socioeconómicas muitíssimo vulneráveis à pobreza, são mães solteiras, são viúvas e que procuram oportunidades para ganhar dinheiro de forma mais rápida”.

Contudo, a especialista em criminalidade feminina não deixa de sublinhar que “a mulher tem a sua agencialidade” e que mais mulheres se têm posicionado “em lugares de maior relevo, nomeadamente em termos de liderança” em grupos de crime organizado.

Portugal tem uma taxa de mulheres reclusas de 7,4%. Esta proporção está acima da média mundial. No mundo, há 118 países com taxas de reclusão feminina abaixo dos 4,9%, como é o caso de França (3,6%), da Irlanda (4,2%) e de Itália (4,2%).

De acordo com um relatório do Gabinete das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), publicado em julho deste ano, no mundo, o número de mulheres reclusas aumentou 60%, mas na Europa, houve um decréscimo de 12,6%. Contudo, segundo os números do World Prison Brief (WPB), se a Rússia for retirada da equação, registou-se um aumento de 8,4% no número de reclusas.

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  • Dormir
    12 dez, 2024 Bahhh 11:45
    "Ana Guerreiro, especialista em criminalidade feminina, afirma que não há ligação com a imigração" - Claro que não, "elas" estão só à espera de se naturalizarem, a AIMA é que não "colabora".

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