29 nov, 2024 - 13:43 • André Rodrigues , Daniela Espírito Santo
Paços de Ferreira foi, esta sexta-feira, palco de uma conferência onde se debateu o papel da escola na transformação social, mas também das cidades. Durante o primeiro debate do dia, sinalizaram-se algumas da barreiras para que tal aconteça, como o défice de participação que, diz Fernanda Leopoldina Viana, do Centro de Investigação em Estudos da Criança, está arredada das escolas.
E nem mesmo, por exemplo, as experiências que simulam atos eleitorais nas escolas promovem essa participação como um valor acrescentado para a comunidade educativa.
"Essa simulação de atos eleitorais não é feita para resolver os problemas da escola. É feita como simulação para os alunos perceberem como é que funciona, mas depois não utilizam esse saber dentro da própria escola", lamenta a especialista, que admite que os alunos sentem que "não são ouvidos dentro da própria escola" e, por isso, "acabam por ganhar menos competências para a participação cívica".
"As escolas podem ser belíssimos laboratórios de participação. Se queremos educar de uma forma integral é na escola que a maiorparte das crianças tem possibilidade de aprender a participar na comunidade", acrescenta.
Outro problema a enfrentar passa pelo desconhecimento das crianças da realidade da cidade e das dinâmicas sociais, muito por "culpa", por vezes, da limitação dos espaços a que a criança tem acesso: são levadas pelos pais à porta da escola e de volta para casa, sem conhecerem os espaços em volta e as pessoas que compõem a cidade.
É uma reflexão feita por Ana Lourenço, do Instituto de Apoio à Criança, que lamenta que a exploração da cidade por parte das crianças seja "muito condicionada", também por questões de urbanismo. "As crianças estão limitadas na exploração, o que tem impacto também na locomoção. Há crianças que não conseguem fazer percursos curtos a pé", desabafa. "Isto limita o desenvolvimento motor da criança mas também a limita a nível das ligações sociais. A cidade devia ser um laboratório", assevera a também psicóloga, que pede "uma cidade que é vivida em vez de uma cidade que é passada" e defende, igualmente, que as crianças devem ser ouvidas no contexto da comunidade educativa, com os bons exemplos a serem partilhados para inspirar outros.
"Fazem-se coisas extraordinárias numa série de locais do país que podiam ser transferidas para outros, mas não há muitos momentos de encontro e, quando há, são feitos numa perspetiva de mostrar o que está a ser e não mostrar como é que pode ser feito", lamenta.
Também Fernanda Leopoldina Viana admite que "as escolas não são locais públicos", porque "ainda têm receio de se abrir", facto que lamenta porque "é preciso uma cidade inteira para educar uma criança".
Há, por isso, muito trabalho a fazer. Luís Carlos Lobo, delegado regional de educação do norte, identifica um sintoma muito ilustrativo desta realidade: a ausência de uma estratégia de ligação entre poder local e escola.
"Temos no Norte uma percentagem de 10% das autarquias que já têm a sua carta educativa atualizada, que é de segunda geração. Este é um indicador importante", lamenta, defendendo que este é "um documento estruturante para a orientação do município em instraestruturas educativas" e, recorde-se, "está na lei e é obrigatório", mas, na prática, ainda falha. "Este caminho ainda precisa de mais trabalho e por isso é que a cidade educadora, como potenciadora de transformação social, tem que, cada vez mais, ela própria tentar trazer a escola para o território", diz.
Pontos de vista partilhados no primeiro dos debates da conferência "A cidade como motor de transformação social", que decorreu esta sexta-feira no salão nobre dos Paços de concelho de Paços de Ferreira, um debate moderado pelo jornalista da Renascença José Pedro Frazão.