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Conferência "A Reindustrialização de Portugal"

Pedro Nuno Santos pede seletividade nos apoios à economia. "Devemos ter capacidade de dizer não"

11 nov, 2024 - 12:41 • Inês Braga Sampaio , Isabel Pacheco

No discurso de encerramento da conferência "A Reindustrialização de Portugal", organizada pela Renascença, o líder do PS enumera os cinco setores para os quais Portugal deve canalizar investimento.

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Pedro Nuno Santos defende que o Estado deve ter capacidade de selecionar os setores com maior futuro e que já têm competências tecnológicas e empresariais conducentes ao sucesso, de forma a "transformar" a economia portuguesa. Ou seja, é preciso saber dizer "não".

Em intervenção, por videoconferência, na conferência "A Reindustrialização de Portugal", organizada pela Renascença com o apoio da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, o secretário-geral do PS e líder da oposição destaca que o "grau de seletividade" das políticas públicas e dos sistemas de incentivos, em Portugal, é "muito inferior" ao resto da União Europeia (UE), o que considera um problema.

"As nossas políticas económicas são muito mais abrangentes. Dirigem-se a mais setores, a mais áreas empresariais e tecnológicas do que acontece no resto da UE. Segundo um estudo encomendado pela Comissão Europeia, é mesmo Portugal o país em que a estratégia nacional de especialização inteligente é menos seletiva. Quando a nossa política de inventivos não é suficientemente seletiva, também não conseguiremos ter poder de fogo transformador de nenhum setor de nenhuma empresa", defende.

Pedro Nuno Santos lembra que Portugal "não é um país com grande dimensão orçamental e financeira, o que torna mais grave a incapacidade de fazer escolhas".

"Esta é, para mim, uma das razões de não termos conseguido, ao longo de tantos anos, transformar de forma mais rápida a nossa economia. Tem muito a ver com a nossa incapacidade, dos políticos, de dizer não", admite.

O líder da oposição salienta que, tal como as empresas "investem o seu capital e o seu dinheiro onde bem entendem", também o Estado deve "investir ou aplicar o dinheiro por que está responsável onde entende que é mais importante para transformar a sua economia".

"Mais poder de fogo para conseguir transformar a economia"

Nos anos 90, num governo do PSD, realça Pedro Nuno, os setores do têxtil e do vestuário, do calçado, do vinho e do mobiliário foram identificados como os mais merecedores de investimento e, por isso, "fortemente apoiados". Por consequência, "transformaram-se radicalmente nas últimas décadas" - tanto assim é que "o setor do calçado vende com o segundo valor mais alto do mundo".

Agora, defende o secretário-geral do PS, Portugal está numa fase em que precisa de voltar "a fazer este trabalho de mobilizar para identificar os setores ou as áreas tecnológicas em que deve concentrar mais apoio público, mais poder de fogo, para conseguir transformar a economia", conciliando uma política vertical com uma política horizontal: "Termos uma parte do orçamento para a economia destinado a um setor limitado e outra para uma política transversal que não olha ao setor mas que financia bons projetos, sem perder de vista que parte considerável do orçamento deve ir para esta política vertical."

Não deve ser o político no gabinete a determinar isso, mas sim uma equipa de especialistas "altamente qualificados", ressalva Pedro Nuno. E quais são os setores que o líder da oposição identifica como prioritários, "em que já temos a competência científicas e empresariais que nos permita avançar"?

Primeiro, a área da energia, porque Portugal "tem a capacidade de produzir energia mais barata que a esmagadora maioria dos países da UE e através de fonte renováveis; em segundo lugar, o setor da mobilidade e transportes, em que é possível "aproveitar o conhecimento e aplicar para outra área dos transportes, nomeadamente a ferrovia, em que a economia portuguesa facilmente conseguirá ter uma presença determinante"; em terceiro, a metalomecânica e equipamentos industriais, "uma área tecnológica dinâmica e muito importante, de alto valor acrescentado"; quarto, a saúde, em especial a produção de medicamentos ou equipamentos, uma área da qual Portugal "não pode" demitir-se; por fim, a agricultura sustentável.

"Em vez de fragmentarmos os apoios por todos os setores por todas as áreas por todas as empresas, devemos ter a capacidade de selecionar e de investir. Em Portugal, ao contrário de muitos países da UE, temos uma estratégia fragmentada, pulverizada, que não tem a capacidade de dizer não a algumas áreas", ajuíza Pedro Nuno Santos.

Reindustrialização, "talvez o maior desafio dos próximos anos"

O líder socialista afirma que "a reindustrialização da economia portuguesa é talvez o maior desafio dos próximos anos e deve ser mesmo a primeira prioridade de qualquer governo em Portugal", devido ao desequilíbrio da sua balança de bens, que "continua a ter um défice crónico": "Isto é, importamos muito mais do que aquilo que exportamos."

Pedro Nuno também quer uma economia "capaz de pagar melhores salários, para que os portugueses tenham melhor qualidade de vida".

"Só conseguirmos isso se conseguiremos ter uma economia mais sofisticada, mais avançada, mais complexa, mais equilibrada. Só assim seremos capaz de reter os jovens qualificados que temos vindo a formar. Eles não emigram apenas pelos salários, mas também porque não conseguem em Portugal saídas profissionais para as áreas que estudarem. Somos dos países que mais engenheiros formam, mas não temos uma economia capaz de absorvê-los", exemplifica.

O secretário-geral do PS assinala, inclusive, que Portugal deu "o maior salto" em termos de qualificação da sua população da Europa, atraso que há 50 anos "era tremendo", mas esse salto não foi acompanhado por uma qualificação da economia: "Por isso, tivemos um desencontro entre a qualificação da população e a qualificação economia. Esse é um desafio que temos para vencer."

O líder da oposição também apela a uma mudança do paradigma das políticas públicas no apoio à internacionalização das empresas portuguesas.

"Não é apenas apoiar a exportação, mas também apoiar a internacionalização no que diz respeito à fixação das nossas empresas em mercados externos. Isso implica uma estratégia agressiva, de fusões, aquisições fora de Portugal, na associação de empresas portuguesas que trabalham em conjunto fora de Portugal. Esta é uma área fundamental: passar da lógica meramente de apoio à exportação para uma lógica de apoio à internacionalização e à fixação nos mercados externos, porque isso dará oportunidade às nossas empresas de crescer fora do mercado português", sublinha.

Pedro Nuno Santos realça que a União Europeia "finalmente percebeu" que precisa de se reindustrializar "para travar a contínua perda de indústria para outras zonas do globo, ter na sua Europa e modernizar e industrializar a sua economia".

"Um dos instrumentos tem sido a flexibilização das regras de auxílio do Estado, que são um pau de dois bicos", pela forma como permitem fazer novos investimentos e apostas, mas beneficiam também as maiores economias do continente, com a alemã, com as quais Portugal "não tem capacidade para competir".

"Temos de explorar a liberdade das regras de auxílio. Isso implica que o governo português dote de recursos humanos, de uma equipa altamente especializada, que nos permita desenhar políticas públicas que explorem ao máximo a liberdade que as políticas de flexibilidade das regras de auxílio permitem ter. Esse trabalho não tem sido feito", condena.

Por fim, Pedro Nuno Santos lamenta que "olhemos muitas vezes para o Estado como uma espécie de empecilho",.

"Os estados com boas políticas são mesmo um dos principais instrumentos de transformação de uma economia. (...) Não podemos olhar para o Estado como um problema. Temos de olhar para o Estado como um parceiro do desenvolvimento económico português", declara.

O líder da oposição conclui a sua intervenção com a crença "sincera" no potencial da económico português: "Saibamos nós fazer escolhas, tomar decisões, concentrar os recursos nas áreas, nos setores com futuro e que já têm competências científicas, tecnológicas e empresariais instaladas em Portugal."

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