29 out, 2024 - 12:54 • Liliana Monteiro
Foi em resposta ao Ministério Público que Inês Neves, revisora de contas, antiga auditora da KPMG, explicou o momento em que, nas suas revisões de contas do GES, percebeu que algo estranho estava a acontecer. "Aquilo deixou mais dúvidas no meu espírito”, disse, ao ser ouvida como testemunha no julgamento do processo BES/GES, no Juízo Central Criminal de Lisboa.
Relatou que, em 2014, houve emissão duvidosa de obrigações do banco. “Estava a ocorrer a recompra de obrigações próprias que estavam a gerar perdas significativas na ordem dos 90 milhões de euros”, garante, explicando que "não era normal estar a recomprar emissões a 40 anos que estavam a gerar perdas", o que os levou a "investigar”.
Nessa mesma altura, a Comissão de Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM), explicou, já se mostrava preocupada e reuniu com a equipa da KPMG - que fazia a revisão limitada das contas -. Suspeitava, entre outras coisas, de “títulos associados a clientes superiores aos da conta do próprio cliente”.
Foi aí que a ordem surgiu: era preciso ver documento a documento para perceber a criação e o caminho de tais obrigações, porque “havia suspeitas de que havia ações que podiam não ter sido feitas no melhor interesse do banco e dos clientes”, explica. Suspeitava-se, diz, que o dinheiro das obrigações estivesse a “alimentar terceiros”.
Avaliados os documentos percebeu-se, disse a testemunha, que “eram emitidas pelo BES, colocadas em primário à venda, vendidas a uma entidade - que se suspeitava ser a ES Bank Panamá - que revendia no mesmo dia por um valor muito superior”.
E deu o exemplo: “obrigações de cem eram colocadas a nove euros, compradas a esse valor e vendidas a clientes por 25 ou 27, gerando ganhos que deram mais valias ao BES Bank Panamá de cerca de 780 milhões de euros”, algo que, diz a testemunha, era muito “significativo”.
Inês Neves diz ter percebido na altura que não havia mais-valias registadas no Panamá e que não se sabia para onde ia o lucro. Soube mais tarde pela voz de Isabel Almeida (na altura diretora financeira do BES) que o dinheiro era usado para pagar a dívida do GES. Um esquema que levantou dúvidas dentro da equipa de auditoria, que metia um intermediário na compra e venda das obrigações que eram vendidas aos clientes e que dissipava o trajeto do dinheiro e das mais valias.
Questionada pelo Ministério Público sobre se em mais de 30 anos de carreira tinha já assistido a este tipo de emissão de obrigações e tramitação das mesmas, respondeu, "nunca tinha visto tal coisa, não me lembro de ver uma operação deste género em que é colocado fora da entidade emitente um valor tão significativo".
A testemunha está a ser ouvida pelo segundo dia consecutivo pelo Ministério Público.