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Julgamento do caso BES/GES arranca uma década após colapso do banco

15 out, 2024 - 05:30 • Liliana Monteiro

Resolução do Banco Espírito Santo aconteceu em agosto de 2014. Prejuízos estimados rondam os cerca de 12 mil milhões euros. Há 18 arguidos, cerca de dois mil lesados. Pelo caminho ficam prescrições de crimes, um arguido morreu e outro - Ricardo Salgado - tenta mostrar incapacidade para ser julgado.

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A história do maior processo judicial económico português, o caso BES/GES, começava a 3 de agosto de 2014 pela voz de Carlos Costa, na altura governador do Banco e Portugal.

“O conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou hoje aplicar ao Banco Espirito Santo SA uma medida de resolução (…) A generalidade do património é transferido para um banco novo de nome Novo Banco devidamente capitalizado expurgado de ativos problemáticos (…) Fica inequivocamente afastada qualquer hipótese de haver perdas para os depositantes. A solução adotada teve como principais preocupações preservar o sistema financeiro e proteger os depositantes”, declarou Carlos Costa.

Contas feitas são hoje cerca de dois mil os lesados do papel comercial que perderam, em média, investimentos na casa dos 200 mil euros. Ao Estado o processo financeiro custou já, pelo menos, oito milhões de euros, na justiça as contas ainda não foram feitas.

Dez anos depois, esta terça-feira de manhã, arranca o julgamento que senta no banco do tribunal 18 arguidos, 15 pessoas e 3 empresas, entre elas a Espírito Santo International, Rioforte Investments e Eurofin Private Investment Office. A acusação chegou a apontar 25 arguidos, mas na instrução esse número diminuiu.

Entre os arguidos estão Ricardo Salgado (em tempos conhecido como “Dono disto tudo”), Amilcar Morais Pires (o número dois), Isabel Almeida (a diretora), Francisco Machado da Cruz (o contabilista), entre outros.

Sobre Ricardo Salgado, o arguido mais mediático, recaem agora 62 crimes, entre eles corrupção, burla, branqueamento, falsificação, manipulação e infidelidade. Viu há pouco mais de uma semana desaparecerem três crimes (infidelidade e falsificação) por prescrição. A lista de prescrições (mais de 30 crimes) corre o risco de aumentar até ao primeiro trimestre do próximo ano.

Diz a acusação do Ministério Público, lavrada em julho de 2020, que “indiciam os autos que o Governo do GES foi assumido de forma autocrática pelo arguido Ricardo Salgado (…) que logrou apropriar-se de património de terceiros no âmbito do negócio financeiro do Grupo, onde fez circular dívida das entidades não financeiras, independentemente da legitimidade para o exercício dessa atividade, ou das condições patrimoniais destas empresas”.

A defesa de Ricardo Salgado nega que o arguido tenha praticado qualquer crime e que enquanto esteve no BES não houve lesados.

O documento do Ministério Publico (MP) diz mais: “Ricardo Salgado, José Manuel Espírito Santo, Amílcar Pires, Isabel Almeida, António Soares, Paulo Ferreira, Pedro Costa, Cláudia Faria, Pedro Serra, Nuno Escudeiro, Pedro Pinto, Alexandre Cadosch e Michel Creton, violaram de forma reiterada os deveres inerentes às funções que desempenharam no exercício da atividade bancária, de gestão de remuneração de interesses de patrimónios de terceiros e de intermediação financeira".

"Estes arguidos abusaram grosseiramente das funções para as quais foram contratados, no seio de instituições cuja a atividade tem interesse público. Fizeram uso da sua experiência e conhecimentos técnicos que envolvem estas profissões mas subvertendo-os, de modo persistente, para satisfação de interesses que nada tem a haver com os interesses legítimos que enquadram o funcionamento destes setores de atividade”, adianta o MP.

A doença de Alzheimer de Salgado

Dois relatórios médicos, de 2023, revelavam “agravamento da memória e outras funções cognitivas” de Ricardo Salgado, “alteração da marcha e desequilíbrio”, “perda progressiva de autonomia para atividades básicas”.

A defesa pediu que o arguido ficasse dispensado de estar presente na sala de audiências deste julgamento, mas a juíza Helena Susano indeferiu o pedido.

Considera a magistrada que é importante “tomar contacto com todos os arguidos e, bem assim, com o arguido Ricardo Salgado, designadamente para efeitos de proceder à sua identificação e de conhecer a sua vontade atendendo também a que a informação clínica ora junta indica que o arguido apenas não apresentará somente capacidade para responder de forma informada e competente a questões de alguma complexidade ou que exijam precisão e rigor nas respostas, não se vendo como não possa, apesar do retrato traçado pelos seus Defensores, exteriorizar a sua vontade".

A juíza sublinhou ainda no despacho que, perante atestado médico que justifique "impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento" às sessões de julgamento, poderá tomar nova decisão.

O arguido que morreu

Jose Manuel Espirito Santo era primo de Ricardo Salgado e líder de um dos cinco ramos da família no conselho superior do grupo, ex-administrador do BES.

Chegou a estar acusado mas acabou por falecer no ano passado. Viu a casa arrestada. Os herdeiros, segundo avançou o Público, não conseguem desbloquear os bens após a sua morte.

A juíza que queria largar o processo

A juíza Helena Susano pediu escusa deste processo por considerar que havia razões para, no futuro, poderem ser levantadas duvidas sobre a sua imparcialidade.

Alegou ser titular, assim como as filhas, de ações do BES. Acrescentou que tem também um familiar em segundo grau com ações ligadas ao esquema do grupo BES.

O Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou o pedido, em janeiro passado.

Bens arrestados

Os primeiros arrestos ligados ao caso BES/GES remontam ao ano de 2015, altura em que o Gabinete de Administração de Bens do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça acompanhou a venda de 285 imóveis, que renderam mais de 123 milhões de euros, depositados em contas bancárias à guarda do processo, segundo noticiou o jornal Público.

Haverá ainda pelo menos 190 milhões de euros em numerário e aplicações financeiras à guarda do processo BES.

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