14 set, 2024 - 18:50 • José Pedro Frazão
Assinala-se este sábado o Dia da Ecologia, com iniciativas em diversos pontos de Portugal Continental. Em entrevista à Renascença, a presidente da Sociedade Portuguesa de Ecologia explica que esta iniciativa pretende mostrar o que fazem os ecólogos, numa chamada de atenção à população em geral.
O Dia da Ecologia pretende, acima de tudo, mostrar o tipo de atividades que os ecólogos fazem. Pretende chamar a atenção para o tipo de estudos de integração que os ecólogos realizam e para os quais, na maioria das vezes, acabam por não ser consultados. A ideia é essencialmente mostrar à população o que é que um ecólogo faz. Tal como nos dias mundiais do ambiente e da conservação da natureza há cada vez menos atividades, provavelmente isso vai acontecer o mesmo com este Dia da Ecologia.
O ecólogo é um cientista extremamente transversal porque pode estudar os micróbios no solo ou na água. Pode abordá-lo do ponto de vista genético, evolutivo, em comunidade ou do ponto de vista das suas respostas adaptativas. Um ecólogo tem uma perspetiva integrada, ou seja, não estuda um determinado tipo de organismo, seja ele micróbio ou um grande mamífero, sem entender as suas interações com outros organismos com o homem e com o ambiente em que ele se encontra. Geralmente falamos apenas no ambiente que nos rodeia, mas, na verdade, aquilo que pretendemos a estudar é a conectividade que é necessário estabelecer e manter entre os organismos, entre o próprio homem e todo o contexto de habitat onde os organismos vivem.
Não sei exatamente qual foi a área afetada, apenas sei dos tais 139, que é um número cabalístico. Toda a ilha da Madeira tem 'andares' de património natural que vão desde a base até acima com características diferentes. Na questão da Laurissilva. é importante compreender que uma floresta, para se manter intacta e digna de ser património mundial da UNESCO, tem de ser íntegra e conservada na sua magnitude. Para evitar que haja qualquer dano, tem de haver uma zona tampão que evite a entrada de outros fatores, nomeadamente as invasoras e outras culturas que invadem já em muitos aspetos a ilha da Madeira.
Esses hectares são mais uma ferida que se coloca na própria Laurissilva que obviamente depende da região onde isso foi afetada. Se a própria zona-tampão foi afetada, acaba por minar e por afetar a longo prazo a própria estabilidade da Laurissilva. Não se deve pensar que, só por ter afetado aqueles hectares, é algo que não nos temos que preocupar, muito pelo contrário, temos que ter preocupação sempre em manter íntegro um determinado ecossistema único em todo o mundo, uma relíquia dos nossos antepassados. Devíamos ter o máximo de cuidado para a preservação desse ecossistema.
Não vi grandes alterações. Chamar a atenção para os cuidados a ter com os incêndios e tentar limpar algumas partes de terreno acaba por constituir algum tipo de preparação para novos incêndios. Não nos esqueçamos que ainda só passaram 7 anos desde 2017 e isso acaba por ficar sempre na imagem das pessoas. No caso da Madeira não podemos esquecer que houve incêndios em 2010 e em 2016 e não há aquela preservação ou uma preocupação por parte das entidades que leve a que as pessoas tomem consciência da importância que aquele ecossistema tem para a própria ilha da Madeira. Também não faz qualquer sentido haver fogachos e foguetes que aparentemente deram azo ao incêndio. Independentemente das tradições - e até sou muito a favor das tradições - há um mínimo de cuidados a ter.
Escrevi um artigo de opinião no jornal "Público" exatamente nesse sentido. Do ponto de vista mediático, há uma preocupação genuína e natural em chamar a atenção para os aspetos habitacionais ou que colocam as pessoas em perigo. Deveria existir também uma importante chamada de atenção para a ameaça que o incêndio poderia constituir para a própria Laurissilva. Na realidade, verificamos muitas vezes que há uma atenção muito grande em relação ao património edificado em detrimento do património natural, que é rico, que deveria ser preservado e acautelado. É algo que cabe não só ao Governo, mas também às pessoas, à população e aos media. Esse bem é único, em que somos extremamente ricos e para os quais até as próprias atividades turísticas deveriam chamar a atenção. No caso da Madeira, os próprios turistas conhecem e visitam a ilha também para ver a Laurissilva. Mas noutras zonas, sobretudo do Continente, isso não acontece e é uma pena.
Somos uma sociedade científica, composta por cientistas e investigadores que trabalham diversas áreas, desde a genética até à poluição passando pela parte química. A diversidade de equipas e de disciplinas é extremamente elevada. Há tipos de atividades mais ligadas a um ambientalismo ou um ecologismo, onde nós não temos muita voz, nem temos sequer tempo para isso. Se tivéssemos uma participação ativa sobre obras, por exemplo, não tínhamos férias no Verão, porque geralmente é quando há as maiores consultas públicas, com um período curto para as pessoas terem que rapidamente observar, avaliar e redigir. Por exemplo, não tive tempo de fazer qualquer tipo de comentário às obras que estão a perspetivar para o Gerês, que é para mim uma situação inconcebível de poder vir a ser feita e aprovada.
A grande preocupação dos membros da Sociedade Portuguesa de Ecologia tem a ver diretamente com a uniformização da paisagem. A paisagem em Portugal está a tornar-se cada vez mais idêntica. Antigamente, viajávamos de norte a sul e Portugal era completamente diferente. Agora, pelos incêndios ou pela existência de grandes propriedades adquiridas, as paisagens acabam por ser exploradas, do ponto de vista de floresta ou agrícola, de uma forma intensiva, que altera completamente o mosaico que caracterizava a paisagem portuguesa.
É evidente que há áreas e áreas, mas um dos aspetos que mais me preocupa tem a ver com o modo como está a ser alterado todo o sul do Tejo, particularmente o Alentejo interior e até costeiro, pela exploração intensiva das toalhas freáticas da água. Já nem falo do Alqueva, que existe para a agricultura e para a água das populações, onde há grandes toalhas freáticas que estão a ser usadas e abusadas para a exploração intensiva de culturas. Isso automaticamente afeta a própria paisagem, as toalhas freáticas ficam contaminadas e sem água. Também no turismo, há grandes empreendimentos que estão a ser construídos e um excesso de habitação em zonas que deveriam ser mais preservadas.
É uma expectativa muito elevada. A rede portuguesa de restauro ecológico encontra-se sedeada na Sociedade Portuguesa de Ecologia. Temos os melhores especialistas em restauro ecológico. Tivemos um papel muitíssimo grande em toda esta política europeia. Temos imensos trabalhos de restauro a decorrer em todo o país e esperamos que haja o desenvolvimento de uma estratégia efetiva de restauro ecológico, para o qual Portugal se obrigou quando assinou e ratificou a lei europeia de restauro ecológico.