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Saúde

USF modelo C "é uma tentativa de privatizar cuidados de saúde primários"

04 set, 2024 - 16:28 • Anabela Góis , Marta Pedreira Mixão , com Lusa

A associação das Unidades de Saúde Familiar (USF) alertou que a atribuição de USF aos setores privado e social constitui uma tentativa de privatização de cuidados de saúde primários que "encerra imensos perigos".

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A Associação das Unidades de Saúde Familiar (USF) alertou esta quarta-feira que a atribuição de USF aos setores privado e social constitui uma tentativa de privatização de cuidados de saúde primários que "encerra imensos perigos".

"Estamos a passar para USF modelo C sem saber o que elas são e sem saber a qualidade dos serviços que vão ser prestados. Isso encerra imensos perigos", alertou o presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar (USF-AN).

André Biscaia regia assim ao anúncio da ministra da Saúde, Ana Paula Martins, de que o Governo vai aprovar na quinta-feira a criação de USF geridas pelos setores social e privado, prevendo-se que abram 20 em Lisboa e Vale do Tejo, Algarve e Leiria, zonas mais carenciadas de médicos de família.

Segundo Ana Paula Martins, estas novas unidades modelo C (centros de saúde) serão atribuídas, através de concurso, ao setor social e ao setor privado, estando previstas 10 em Lisboa e Vale do Tejo, cinco em Leiria e cinco no Algarve nesta fase.

Para André Biscaia, esta solução constitui uma "tentativa de privatização de uma área que tem estado sempre sob a esfera pública, com muito bons resultados".

As insuficiências ao nível dos cuidados de saúde primários acontecem "porque não têm sido criadas condições para que possam continuar a atrair profissionais", alegou o presidente da USF-AN, ao realçar que o modelo C, como está previsto na lei, apenas se aplica "quando forem esgotadas todas as hipóteses de poder dar uma resposta no setor público".

"Não estão criadas as condições para haver USF modelo C, primeiro porque não sabemos exatamente o que é que são, porque não foram esgotadas as condições e depois porque estamos a atribuir USF a entidades das quais não sabemos nada em relação à qualidade dos cuidados", alertou.

No dia em que se assinalam 18 anos das primeiras USF em Portugal, André Biscaia referiu que "não poderia ter sido um anúncio pior" para os cuidados de saúde primários.

A USF-AN está "muito apreensiva": "Gostávamos de celebrar esses 18 anos de outro modo".

André Biscaia lamentou ainda que os cuidados de saúde primários estejam a assistir a um "dos piores processos de recrutamento" de novos médicos, alegando que, em julho de 2023, os novos especialistas já estavam colocados.

"Agora estamos em setembro, mas ainda não está a situação resolvida, o que cria incertezas e mercado para outro tipo de soluções", referiu André Biscaia, para quem está também a verificar-se um "novo equilíbrio, dentro do sistema de saúde, com a parte dos setores social e privada cada vez mais preponderante em relação ao setor público".

"Isso é mudança que tem de ser muito bem discutida e muito bem avaliada", realçou o presidente da USF-AN.

Associação de médicos de família não entende necessidade de entregar unidades de cuidados primários ao setor privado e social

Em declarações à Renascença, Nuno jacinto, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, afirma não entender porque é que não se aposta num modelo que com provas dadas.

"O que é importante perceber é: se nós temos um modelo, iniciado com a reforma dos cuidados de saúde primários, que são as USF, que já provou ser atrativo e de custo efetivo, garantindo satisfação aos clientes e bons resultados em saúde. Por que é que andamos sempre a tentar aqui inventar a roda e inventar coisas alternativas em vez de aperfeiçoarmos o que temos e darmos então essas melhores condições a todos, inclusive aos que já estão no SNS, em vez de andar só a procurar coisas novas que ainda não sabemos muito bem como é que vão funcionar na realidade", justifica.

Num outro campo, o Governo decidiu vai aumentar o valor pago a entidades privadas convencionadas, justificando que a medida serve para facilitar o acesso das grávidas a ecografias.


"Aumentos de preços são sem dúvida interessantes"

À Renascença, o presidente do Colégio da Competência em Ecografia Obstétrica Diferenciada, Álvaro Cohen, considera a decisão positiva para atrair mais médicos, mas lamenta que não sejam dadas condições para que os exames sejam feitos nos hospitais públicos.

"Eu acho que estes aumentos de preços são sem dúvida interessantes e são sem dúvida um passo importante para a cativação de médicos que, neste momento, não querem um regime convencionado com o SNS fazer ecografias", refere.

"O problema que se coloca aqui é que já saiu uma portaria em que as ecografias do primeiro trimestre já são pagas a 90 euros quando realizadas dentro do contexto hospitalar, em centros de diagnóstico pré-natal e por médicos com competência. E o estudo morfológico pago a 20 euros e o terceiro trimestre a 70 euros. O problema é que não há capacidade dentro do nos hospitais para os médicos realizarem estas ecografias, porque o horário dos médicos neste momento nos hospitais está a ser consumido, praticamente todo, a realizar serviço de urgência. E, portanto, quando se urgencializam os cuidados de saúde é natural que não sobrem médicos nem tempo dentro do SNS para realizar estes exames", analisa.

Também o secretário-geral do sindicato independente dos médicos, Nuno Rodrigues, elogiou a medida.

"Neste momento, não tínhamos nenhum convencionado entre Leiria e Lisboa, a fazer ecografias obstétricas. O que é que isso significava? Significava que todas as grávidas desta região, por exemplo, mas de outras também, tivessem de recorrer ao privado para fazer estas ecografias. E estão a pagar 100, 120 euros cada uma. E, portanto, compreendo que isto é uma dificuldade de acesso. A que é que isto leva? A que grávidas não façam ecografias, leva a que não sejam diagnosticadas malformações no tempo devido e depois a mais custos para o sistema de saúde", justifica Nuno Rodrigues.

Também para resolver os problemas nas urgências de obstetrícia, a ministra da saúde comprometeu-se a avançar com urgências metropolitanas em Lisboa e na península de Setúbal, garantido ainda que será negociada a concentração de blocos de partos com hospitais, equipas de obstetrícia e autarcas.

Em declarações à Renascença, Fernando cirurgião, diretor do serviço de obstetrícia do hospital São Francisco Xavier admite que, na prática, neste momento a maior parte das maternidades da grande Lisboa já está a funcionar neste modelo, apenas por referenciação.

"Concordo que exista, sim. Mas também considero que a maior parte das maternidades vão ter de continuar a funcionar, devido a todo este apoio que precisam de ter e que precisa ser dado àquelas grávidas. E, neste momento, é insuficiente conseguir que uma urgência só consiga dar o apoio de neonatologia, por exemplo, ou o apoio de cuidados intensivos a gravidas com patologia. E depois, naturalmente que também terá que salvaguardar o número de médicos e número de especialistas que essa urgência requer para funcionar", explica.

[Notícia atualizada às 17h57]

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  • Americo
    05 set, 2024 Leiria 11:47
    Bom dia. Vamos ver se entendo. A prioridade é o utente que necessita das consultas ou os interesses instalados ? Nós utentes precisamos dos serviços, se é público, se é privado ou social não nos incomoda. A obrigação do Estado é fiscalizar.

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