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Viticultores de luto alertam para pré-catástrofe no Douro

07 ago, 2024 - 11:25 • Olímpia Mairos , com Lusa

Em frente ao edifício do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto os manifestantes gritaram palavras de ordem como "O Douro unido jamais será vencido".

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Viticultores de luto alertam para pré-catástrofe no Douro

Viticultores protestaram esta quarta-feira, na Régua, contra o corte na produção de vinho do Porto e as importações de vinho, e pelo aumento do preço pago pela produção, alertando para uma situação de pré-catástrofe no Douro.

Em frente ao edifício do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) os manifestantes gritaram palavras de ordem como "O Douro unido jamais será vencido" e cantaram o hino nacional.

Um grupo proveniente de Ervedosa do Douro, em São João da Pesqueira, levava camisolas negras com a mensagem "Douro luto" escrito a branco e pegava num cartaz em que se podia ler "O Douro está no abismo. Em defesa da nossa sobrevivência e das nossas terras. Unidos conseguimos".

Outros escreveram palavras de ordem como "Chega!!! O Douro é nosso, o Douro somos nós" e "Os bancos lucram milhões, o Douro nem tostões".

"O nosso principal problema é não ter onde colocar as uvas e não fazermos dinheiro para poder pagar aquilo que gastamos. Com esta manifestação pretendemos que o Douro produza vinho do Porto só com a aguardente produzida no Douro, com uvas do Douro, e que acabem com as importações de vinho espanhol, vinho da candonga e comprem aquilo que é nosso", afirmou Joaquim Monteiro, com 71 anos e residente em Ervedosa do Douro.

O produtor realçou que o Douro é um território difícil de trabalhar e que os agricultores não vão fazer dinheiro para pagar na vindima. "Se calhar nem vamos vindimar porque ninguém nos quer as uvas, esta é uma realidade", salientou, sublinhando que os viticultores "estão a ficar na miséria".

"Como é que eu vou garantir uma exploração onde, em dois anos, perco 25% do rendimento? E estamos a falar de rendimentos brutos", salientou Abraão Santos, de 59 anos e de Alvações do Corgo, Santa Marta de Penaguião, referindo que o benefício é o que vai mantendo alguns agricultores.

O produtor lamentou o aumento dos custos com a mão-de-obra, dos fitofármacos e dos adubos, que disse terem duplicado. "Como vamos fazer face a isto, como vamos manter o Douro Património Mundial?", acrescentou.

Com 5,5 hectares de vinha, o viticultor frisou que faz atualmente "menos dinheiro" que o seu pai com "um hectare de vinha". No ano passado teve 17 pipas de benefício e este ano vai ter apenas 15.

O corte no benefício, que é quantidade de mosto que cada viticultor pode destinar à produção de vinho do Porto e é também uma das suas maiores fontes de receita, foi o mote para o protesto convocado pela Associação dos Viticultores e da Agricultura Familiar Douriense (Avadouriense), em conjunto com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

O conselho interprofissional do IVDP fixou o benefício nas 90.000 pipas (550 litros), o que representa um corte de 14.000 pipas na produção de vinho do Porto.

Fotos: Olimpia Mairos/ RR
Fotos: Olimpia Mairos/ RR

"Muitas uvas podem ficar penduradas nas videiras"

Manuel Covas, com 62 anos e também de Ervedosa, fez questão de ir à Régua "dar a cara". "Estou revoltado porque em 2000 vendi o benefício a 1.200 euros e agora vendo a 1.000 euros. Na altura pagava um trabalhador a 20 euros e agora a 50 euros. Como é que eu consigo sobreviver? Estou de luto", salientou, realçando que os "viticultores não ganham para pagar os custos de produção".

E, acrescentou, "este ano corre-se o risco de muitas uvas ficarem penduradas nas videiras, porque os comerciantes estão a avisar que não querem uvas".

O presidente da Junta de Ervedosa do Douro, Manuel Fernandes, teme que o Douro esteja à beira de "uma crise social" e lembrou que muitas famílias, inclusive na sua freguesia, vivem apenas da vinha, destacando o vinho do Porto como principal frente de rendimento, já que os vinhos de mesa "não dão para o granjeio".

O autarca teme que os produtores abandonem as propriedades e que o Douro fique deserto.

"Estou na luta dos pequenos e médios agricultores porque temos sido muito prejudicados no granjeio das vinhas", referiu Alexandre Ferro, com 75 anos e cinco hectares de vinha em Gouvinhas, Sabrosa. As despesas, assumiu, estão sempre a subir e os rendimentos dos agricultores a baixar.

Vítor Rodrigues, da direção da CNA, explicou que a manifestação de hoje foi despoletada por um conjunto de fatores que estão a conduzir a Região Demarcada do Douro a uma "situação de pré-catástrofe".

O anúncio de mais um corte no benefício foi o mote para o protesto, mas há mais problemas que afetam o território, como, salientou, o preço pago pelas uvas, que não "aumenta há cerca de 25 anos" quando os preços dos fatores de produção aumentaram exponencialmente, sobretudo nos últimos dois anos.

"Há a importação de vinhos e de aguardentes de fora da região, quando a região tem toda a capacidade para produzir todas as suas matérias-primas e, aliás, essa é uma reivindicações que trazemos hoje aqui à manifestação, é que todo o vinho do Porto seja feito com matérias-primas da região, incluindo as aguardentes", frisou Vítor Rodrigues.

O dirigente apelou ainda à concretização das eleições para a Casa do Douro, para que esta possa cumprir o seu papel de "regulador da produção e dos "stocks"".

“Viticultores não conseguem aguentar mais”

Também o presidente da Câmara Municipal da Régua, José Manuel Gonçalves, integrou o protesto e, ao lado dos produtores, pediu uma solução para o Douro que “atravessa momentos difíceis”.

“Esta é uma preocupação minha, de todos os autarcas da Região Demarcada do Douro. Temos, de uma forma permanente, proposto soluções, discutido os problemas, e estamos empenhados em poder, de facto, resolver também, dar sustentabilidade a esta região, porque, há um momento em que temos que dizer ‘chega’”, diz.

O autarca acrescenta que “os viticultores não conseguem aguentar mais aquilo que é a situação em que se encontra esta região. Por um lado, em função do preço a que é remunerado o seu trabalho; e nós, há vinte e dois anos, o preço de quem trabalhava cá, era a 240 contos a pipa, que em euros, estamos a falar de 1.200 euros, e passados vinte dois anos nós temos isto a 900 euros”.

“Não há região do mundo, não há nenhum setor no mundo que conseguisse, vinte e dois anos depois, ser remunerado a esta diferença que está. E, portanto, há o momento em que temos que dizer ‘chega’”, assinala.

À medida que caminha lado a lado com os viticultores, pela Avenida João Franco, o autarca diz à Renascença que a manifestação desta quarta-feira “é apenas uma amostra daquilo que se está a passar no Douro, de gente que quer apenas ver remunerado de forma justa aquilo que é o seu trabalho, que é feito com muito suor e lágrimas, numa região de montanha e que mantêm enquanto património da humanidade”.

“Se queremos ter turismo nesta região, se queremos fixar cá gente, precisamos de dar sustentabilidade económica, mas também social, verdadeiras condições de vida àqueles que mantêm este Património da Humanidade”, defende.

Os viticultores percorreram a pé algumas das principais artérias da cidade, terminando o protesto na zona da estação.

Ao final da manhã uma comitiva vai ser recebida pelo presidente do IVDP.

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