05 ago, 2024 - 15:41 • Carla Fino , Marta Pedreira Mixão
O Hospital das Caldas da Rainha terá recusado inicialmente, durante a manhã desta segunda-feira, atender uma grávida que chegou à respetiva unidade hospitalar com uma hemorragia e com o feto já morto, depois de ter sofrido um aborto espontâneo.
A notícia foi avançada pela CNN Portugal e confirmada pela Renascença junto do comandante dos Bombeiros das Caldas da Rainha, Nelson Cruz. A Renascença contactou o Ministério da Saúde que não quis comentar o caso.
Em resposta à Renascença, o Conselho de Administração da ULS do Oeste nega que tenha sido recusada a admissão da mulher de 31 anos e afirma que "a utente foi prontamente admitida quando houve conhecimento de que estava a aguardar".
Uma mulher, de 31 anos, deslocou-se pelos próprios meios para o Hospital das Caldas da Rainha, e não terá sido admitida de imediato, tendo sido aconselhada a ligar para o 112, apesar de já se encontrar à porta do hospital.
"Estavam em casa. Há um aborto espontâneo. Não sabiam bem o que haviam de fazer. Rapidamente, puseram-se na viatura particular e deslocaram-se para o hospital o mais rapidamente possível. Chegaram ao hospital e a senhora da admissão de doentes informou que não podia fazer ficha porque o serviço não estava em funcionamento”, conta o comandante à Renascença.
Depois de a mulher contactar o 112, os bombeiros chegaram ao local e depararam-se com a mulher dentro da viatura “com uma hemorragia muito abundante" e com o feto dentro de um saco. O pedido de ajuda foi feito ao CODU, que sugeriu o encaminhamento da utente para a maternidade Bissaya Barreto, em Coimbra.
“A senhora com 31 anos, tinha o feto dentro de um saco, estava com uma hemorragia muito abundante, pálida, suada, em grande dificuldade. Os colegas fizeram a passagem de dados ao CODU, que deu a indicação para que a ambulância fosse para a maternidade Bissaya Barreto. Acontece que o colega disse que a senhora não estava em condições, porque a hemorragia era muito grande, era muito abundante, e não estava em condições de fazer 130 quilómetros para Coimbra, cerca de uma hora e tal de viagem sem ter aqui outro tipo de acompanhamento ou alguma ajuda mais diferenciada para que a senhora chegasse minimamente com condições de segurança a Coimbra”, detalha o comandante Nelson Cruz.
Só devido à insistência dos Bombeiros das Caldas da Rainha, que argumentaram que a mulher não estava "em condições" de realizar uma viagem de cerca de 130 quilómetros, a transferência foi evitada e acabou por ser atendida mais de 40 minutos depois.
"Foi com base nisso e na insistência dele [bombeiro] que o CODU entrou em contacto com o hospital e o hospital mandou aguardar no local onde estávamos. Ou seja, com a senhora na viatura própria — e nós junto dela — até à chegada de uma médica do Hospital das Caldas ao pé de nós, que nunca chegou a vir. E nós tornamos a insistir e o segurança depois, a partir já das 8h00, nós chegamos eram 7h21, e só a partir das 8h da manhã disse ‘tragam a senhora para dentro’ para ela ser aqui assistida. E nós levamos a senhora para o hospital”, relata Nelson Cruz.
"Se se desloca ao hospital por meios próprios, independentemente da situação, e se [o hospital] não tem aquela especialidade, tem de haver alguém que avalie, que aconselhe a pessoa sobre o que tem de fazer”, critica o comandante, referindo que, se o hospital decidir que “não recebe”, as pessoas ficam sem saber o que fazer. E relembra que nesta situação tratava-se de uma mulher “a perder sangue”.
“Mesmo que não haja um medico da especialidade, há um enfermeiro, há um médico de outra especialidade, mas são sempre profissionais de saúde com conhecimento para fazer algo pelas pessoas, até as encaminharem para o local certo. O que não pode acontecer é as pessoas estarem a perder sangue e 'ligue 112', com um feto dentro de um saco”, afirma o comandante à Renascença.
À Renascença, o Conselho de Administração da ULS do Oeste, nega que tenha sido recusada a admissão da mulher de 31 anos e confirma que, a "5 de agosto de 2024, a utente dirigiu-se ao Hospital de Caldas da Rainha, ULS do Oeste, pelos seus próprios meios", mas refere que, "ao chegar, teve conhecimento através do cartaz afixado na porta da Urgência de Ginecologia/Obstetrícia [de] que esta não estava a funcionar".
"Presume-se que a utente tenha ligado para a Linha SNS 24 ou para o 112, e que tenha aguardado na viatura respetiva pelas indicações telefónicas", refere a administração do hospital, acrescentando que, "posteriormente, foram acionados os Bombeiros para ir ao encontro da Utente".
"Temos registo que a utente apenas entrou no Hospital 8h04 de hoje, tendo sido de imediato admitida. Em momento algum foi recusada a sua admissão, nem temos registo de várias insistências para admissão", assegura o hospital.
"Em suma, a utente foi prontamente admitida quando houve conhecimento de que estava a aguardar, a situação mereceu o atendimento necessário e ficou em vigilância".
O Conselho de Administração da ULS do Oeste afirma que "a maternidade do Hospital de Caldas da Rainha, no dia de ontem, apesar de não estar a funcionar, atendeu quatro utentes e realizou dois partos.
Em declarações à Renascença, António Carapeto, inspetor-geral da IGAS (Inspeção-Geral das Atividades em Saúde), afirmou que vai abrir um inquérito ao caso, ainda esta segunda-feira, por considerar que a situação põe “em causa a confiança dos cidadãos” e refere que soube do caso através da comunicação social e que é nessa qualidade que será aberto o inquérito.
Já o presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal, Nuno Clode, contactado pela Renascença, diz acreditar que “a situação no Hospital das Caldas não é o tratamento expectável”.
O obstetra reconhece que o hospital devia ter, no mínimo, “aberto as portas à paciente, porque pode ser algo muito grave ou algo ligeiro, mas de qualquer das formas a pessoa fica sempre assustada e o hospital tem o dever de observar os utentes”.
Nuno Clode afirmou que o pedido para que os bombeiros transportassem a grávida para Coimbra não tem lógica.
[Notícia atualizada às 16h13 com reação do hospital]