29 jul, 2024 - 09:14 • Lusa
A presidente da Comissão Nacional de Proteção das Crianças admitiu que o modelo de proteção pode ser melhorado, salientando que muito mudou nos últimos sete anos, nomeadamente com a pandemia de Covid-19 que trouxe perigos para dentro de casa.
Em entrevista à agência Lusa, quando termina o seu mandato à frente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), onde esteve sete anos, Rosário Farmhouse disse que Portugal tem um sistema de proteção "absolutamente fantástico", mas que ainda está a fazer caminho e que não está a funcionar a 100%.
Admitiu que tem "fragilidades", o que faz com que haja quem aponte para a necessidade de um novo sistema, mas alertou que isso "pode ser perigoso", defendendo antes que se melhore o sistema existente, assente numa lógica comunitária, em que vários organismos estão representados.
Alertou que acontece os organismos que têm de estar representados nas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) não colocarem pessoas com o perfil adequado ou não disponibilizarem as horas necessárias.
"Aquilo que é o potencial deste modelo, comunitário, com as crianças a serem protegidas por toda a comunidade, e que eu acho que é o melhor modelo, se não houver investimento por parte das entidades, realmente não funciona", considerou.
Para Rosário Farmhouse, o modelo de proteção "tem que ser melhorado, se calhar repensado, (...) mas não como se tem ouvido falar em alguns casos, que é deitar abaixo e fazer um novo modelo".
"Primeiro, porque se não houver um orçamento adequado, um novo modelo vai ficar na mesma. Depois porque um novo modelo que seja apenas de uma entidade, se for um município, vamos ter 312 comissões a trabalhar de forma diferente", alertou.
Acrescentou que, se por outro lado, for um modelo centralizado apenas em um ministério, eventualmente o do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, há o perigo da redundância, uma vez que esse é um trabalho que o Instituto da Segurança Social já faz.
"Portanto, este modelo, para mim, é o modelo mais bem desenhado", sustentou, defendendo que sejam dados os recursos adequados ao funcionamento do sistema de proteção e sublinhando que o que for feito pelas crianças é o futuro que o país terá.
Relativamente aos perigos que hoje afetam crianças e jovens, Rosário Farmhouse referiu que "muito mudou em sete anos", desde logo por causa da pandemia de Covid-19, "que exponenciou o uso da internet", que, por sua vez, trouxe um aumento de casos como o 'cyberbullying', a dependência do jogo 'online' ou a exposição a conteúdos pornográficos.
"Todos esses perigos passaram a estar dentro de casa e a ser um enorme desafio para as famílias, que estavam habituadas a reconhecer os perigos fora de casa", alertou, acrescentando que esses perigos são agora "mais invisíveis".
Segundo a responsável, a pandemia teve também como consequência o aumento dos "graves problemas de saúde mental" entre crianças e jovens, fruto do isolamento, refletidos em "níveis de ansiedade altíssimos", fobia social, comportamentos autolesivos ou depressões.
Referindo que "as marcas ficaram" e que "não só Portugal, mas o mundo está a tentar ultrapassar todas as marcas que ficaram e que se mantêm".
Fazendo um balanço do trabalho feito e referindo-se concretamente ao que não conseguiu fazer, e que a "deixa triste", Rosário Farmhouse disse que gostava de ter conseguido "mudar a imagem das comissões".
"Ainda há um enorme mito, um enorme preconceito em relação às comissões, de que elas retiram as crianças às famílias, quando elas acolhem as crianças", lamentou.
A responsável concluiu afirmando sentir que "muita coisa foi cumprida" e que agora chegou o momento de "acalmar um pouco" e voltar à vida pessoal e familiar.