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Geração Z

Os jovens que não dormem. "A privação de sono é uma dívida ao banco que não conseguimos pagar"

21 jun, 2023 - 19:42 • Beatriz Lopes

Portugal tem um problema de privação crónica de sono com impactos graves na saúde, alerta a pneumologista Paula Pinto. A especialista defende mudança de comportamentos e medidas como sestas de 20 minutos e aulas a começar mais tarde.

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Os jovens que não dormem

O problema é transversal a todas as gerações: aos jovens que “adormecem às 3h00 da manhã” e no dia seguinte “chegam a cabecear nas secretárias”, aos pais que “não dão o exemplo” ou até aos idosos que “já ficam também até às tantas ‘nos Facebooks’ ou a ver telenovelas”. “Está na hora de pôr o sono na agenda”, apela Paula Pinto, coordenadora da Unidade de Sono e Ventilação não Invasiva do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte, que alerta para um aumento de pedidos de ajuda de utentes que negligenciam o tempo de sono.

“Cada vez mais a privação crónica de sono é um motivo muito grande de consulta. As pessoas vão lá por hipersonolência, porque tiveram acidentes, porque têm problemas familiares como estar à beira do divórcio, porque estão quase a perder o emprego, porque não têm rendimento escolar ou laboral, tudo porque têm problemas de sono. Nas consultas fazemos mesmo uma organização de uma agenda por horas, porque temos de ter tempo para dormir”-

Em entrevista ao podcast Geração Z da Renascença, que esta semana aborda as consequências da privação de sono na juventude, a pneumologista lembra que “mais de metade da população dorme menos de seis horas por dia” e os jovens “têm, sem dúvida, a maior responsabilidade”.

“Os jovens, sobretudo os adolescentes, devem dormir cerca de nove a 10 horas. Depois vai-se reduzindo um bocadinho o horário de sono, um adulto deve dormir oito, mas o que somos é uma sociedade 24/7. Estamos permanentemente ligados ao mundo, temos de atender logo aquela chamada, responder a um e-mail, responder aos WhatsApps. Como não podemos deixar de comer, deixar de trabalhar, deixar de estudar, tiramos no sono e não pomos o sono na agenda”.

Paula Pinto admite que as gerações mais novas tendem a desvalorizar as consequências da privação crónica de sono, tanto a curto prazo como “uma maior agressividade, tristeza e falta de rentabilidade” como a longo prazo, “quando começamos a ter doenças mentais, depressão, ansiedade, crises de pânico e acidentes cardiovasculares, nomeadamente enfartes, AVC, arritmias e hipertensão”.

Há ainda outro ponto muito importante para os jovens, alerta: “se não dormirem, há uma redução da própria fertilidade, porque há alterações a nível hormonais quer sexuais masculinos quer femininos".

O problema, sublinha a pneumologista, também membro da direção da Associação Portuguesa de Sono, começa desde logo nos pais que “não dão o exemplo, desde logo à hora da refeição”.

“Se num restaurante eles já estão agarrados ao telemóvel, imagine-se em casa, que é um ambiente de rotina. Eles estão todos à mesa com o telemóvel, nem falam. As famílias de hoje não falam. Toda a família tem de mudar. Tem de ter mais tempo para lazer e fazer fronteiras muito boas entre trabalho ou escola e lazer e família. Todos têm de estar integrados nas tarefas de casa, por exemplo, para depois terem tempo de desfrutar e descansar”.

Aos jovens que acreditam que é possível recuperar o sono perdido dormindo mais de 12 horas aos fins de semana, Paula Pinto lembra que “o déficit de sono nunca é reposto”.

A privação crónica de sono é uma dívida a um banco que, neste caso, é a nossa saúde e que não vamos poder pagar. É impossível pagar. É como se daqui a pouco tivéssemos um milhão de euros para pagar. Só que nós não somos bancos. Não podemos prejudicar assim a nossa saúde. A privação crónica de sono somos nós que estamos a autoinfligir. Que parvoíce. Somos nós que estamos a provocar a nós próprios e à sociedade uma doença”, sublinha.

Quanto às sestas, o ideal seria mesmo que “cochilássemos um bocadinho depois do almoço, 20 minutos, o recomendável” ou adotar mesmo a medida a nível cultural, tal como Espanha, sublinha a coordenadora da Unidade de Sono e Ventilação não Invasiva do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte.

“Nós sabemos que Espanha faz isso, nomeadamente a zona da Andaluzia e sabemos que Espanha é mais produtiva do que nós. E sabemos também que se dormirmos um bocadinho a seguir ao almoço, há menos taxa de acidentes. Era algo que deveria ser implementado a nível de sociedade. Não custava nada, bastava um sofá. Aqueles 20 minutinhos é mesmo algo fisiológico. Por exemplo, os estudantes vão para casa depois da escola e almoçam e depois estão a cabecear na secretária: nem dormem nem estudam”, critica.

Mas também aqui as escolas poderiam ajudar, rejeitando a tendência de antecipar a hora de início das aulas nos anos escolares mais avançados.

“Está tudo errado. Na América e na Austrália já há trabalhos que mostram que as aulas deveriam começar mais tarde. Nos Estados Unidos, já temos escolas experimentais piloto onde ficou provado que alterar o horário das oito da manhã para as oito e meia, já os fez dormir mais 45 minutos e tiveram maior rendimento escolar e menos sonolência. Queríamos que as escolas começassem mais tarde e os jovens dormissem mais tempo. O problema são os pais que os levam e os seus empregos, tudo isto é muito complicado”, reconhece.

Como isto não é possível, refere Paula Pinto, “o melhor é começar a ensinarem-lhes bons hábitos de sono, para que eles possam dormir as tais oito horas recomendáveis” e não será descabido pensarmos em dar um passo atrás e incentivarmos a compra de despertadores.

“Precisamos dos despertadores clássicos, dos antigos, com campainha, despertadores sem luz, nunca o telemóvel nem o tablet. Porque todos eles são emissores da luz azul, a luz LED, que inibe a produção de melatonina, que é hormona que nos faz mesmo dormir. E depois temos crianças que, ficam com estes aparelhos debaixo dos lençóis e adormecem às três da manhã.”

Uma coisa é certa, garante a pneumologista: “se nos deitarmos e acordarmos sempre à mesma hora, ou seja, ter um horário regular distando só uma hora para a ronha ao fim de semana, não vamos precisar deles”.

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