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​Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial

APAV. Denunciar é preciso "para que não seja possível negar" racismo em Portugal

21 mar, 2023 - 20:37 • Redação

Renascença falou com Joana Menezes, gestora da Rede de Apoio à Vítima Migrante e de Discriminação da APAV, que alerta para as dificuldades sentidas por quem luta contra a discriminação, começando pela necessidade de reconhecimento do problema.

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A luta contra o racismo e a discriminação não é de hoje, nem termina amanhã. Há muito trabalho a ser feito, há um longo caminho a percorrer. Ideias deixadas pela gestora da Rede de Apoio à Vítima Migrante e de Discriminação da APAV, Joana Menezes, em declarações à Renascença.

Mas esta é uma noção que surge através do trabalho feito pelas associações, através dos casos reportados pelos meios de comunicação social e, ou até mesmo, através de situações do dia a dia, na primeira ou terceira pessoa.

Esta quarta-feira assinala-se o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, que é mais uma forma de lembrar que “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”, como refere o artigo 13.º da Constituição Portuguesa.

A Renascença falou com a gestora da Rede de Apoio à Vítima Migrante e de Discriminação da APAV, Joana Menezes, que alerta para as dificuldades sentidas por quem luta contra a discriminação, começando pela necessidade de reconhecimento do problema.

“Acho que há uma série de desafios que têm a ver com a luta contra a discriminação, sem dúvida, que um deles passa por assumir que existem situações de racismo em Portugal, que existem situações de discriminação relacionadas com a origem étnica, com a nacionalidade, com a cor da pele, com o facto de as pessoas serem emigrantes, por exemplo. Isso, sem dúvida, é um passo muito importante que passa também por uma recolha estatística mais eficaz, seja de situações de discriminação concreta, ou seja, de queixas que as pessoas fazem, seja de outras realidades que tem a ver com, por exemplo, um racismo estrutural e situações que não são tão visíveis, portanto, este é um dos grandes desafios”, afirma Joana Menezes.

Os relatos que chegam às associações de defesa dos direitos humanos são de discriminação, que surge nas mais variadas áreas da vida das pessoas etnicamente racializadas, desde a procura de emprego ou habitação, onde se veem, muitas vezes, preteridas por pessoas de etnia branca, ou até perante a lei, com maior probabilidade de abuso policial.

Joana Menezes refere que, acima de tudo, “é fundamental que as pessoas sejam conhecedoras dos seus direitos, que tenham noção que embora sejam poucos e, se calhar, ainda pouco eficazes, existem mecanismos para poderem denunciar estas situações, e atentando individualmente ou coletivamente, através do trabalho das várias associações que dedicam a sua luta a estas questões, tornar estas situações o mais visível possível para que não seja possível negar que elas existem”.

“Depois, eventualmente, chegamos a um momento em que, de facto, conseguimos recolher uma informação mais sistematizada e mais realista do que existe”, sublinha.

Acrescenta ainda que é preciso “tornar visíveis estas situações por todas as formas que possam, nomeadamente, através de queixas oficiais”.

A educação é parte complexa desta questão, desde a discriminação, com a forma muito discutível “como os próprios currículos escolares estão construídos”, até ao papel que pode ter na luta contra a discriminação com educação para a cidadania e para os direitos. Este trabalho deve envolver não só as escolas, mas também as associações e o próprio Estado, sublinha.

É necessário que “os cidadãos residentes em Portugal tenham conhecimento dos direitos que têm” e é importante tornar os mecanismos de queixa acessíveis às pessoas, refere.

A Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) é “naturalmente um órgão importante, faz a publicação, por exemplo, de um relatório anual relativamente à situação da discriminação racial naquilo que é enquadrado como contraordenação. Há que não esquecer aqui as questões de crime ou de violência discriminatória, que não são, de forma completa, ali contempladas, mas é naturalmente importante, é um dos mecanismos para que as pessoas possam fazer queixa”, esclarece Joana Menezes.

“Situações que as pessoas sejam impedidas de aceder a serviços abertos ao público, situações que se passem na educação, nos transportes, na saúde, etc”, deve ser nesta Comissão que as pessoas apresentam as queixas, sugere.

Admite que existe “um longo caminho a fazer”, porque há ainda um grande sentimento de impunidade por parte de quem comete os atos de discriminação, que fica bastante claro se se verificar o número de queixas versus o número de condenações, mas, mais uma vez, ressalva a importância da queixa também para fins estatísticos.

Como resultado desta conjuntura, “há um efeito perverso, as pessoas que são vítimas sentem que não há nada que as defenda, que fazer uma queixa não é eficaz e não leva a lado nenhum” e, “sem dúvida, que isto tem a ver com o vazio legal que existe”, defende a coordenadora.

Isto porque, de acordo com o enquadramento legal português, alguns comportamentos discriminatórios de menos gravidade não se enquadram em crime, mas em contraordenação.

O incitamento público à discriminação, através da divulgação de materiais ou através da constituição de grupos ou organizações que o pratiquem, é crime (artº 240 do Código Penal), tal como “discurso de ódio no espaço da internet”.

Também se enquadra como crime quando existe a prática efetiva de violência, os chamados crimes de ódio. Como contraordenação estão enumeradas todas as restantes situações em que alguém se veja impedido de exercer os seus direitos.

“Isto, sem dúvida, desencoraja as pessoas a fazer participações, a denunciar as situações”, ressalva Joana Menezes.

Quanto ao Plano de Combate ao Racismo 2021-2025 (PCR), a coordenadora considera que “é extremamente importante haver, pela primeira vez, um Plano de Combate ao Racismo”, principalmente tendo em conta que já muitos outros países têm este mecanismo implementado.

“O PCR elenca as medidas que devem ser postas em prática no combate ao racismo e discriminação, e define quais são as autoridades que devem zelar pelo seu cumprimento, identifica as áreas sensíveis”, mas “é recente, é o início de um caminho que, se calhar, já devia ter sido feito há algum tempo”, o que não permite ainda avaliar o seu impacto.

Esta realidade da discriminação continua presente, e tem-se vindo a verificar o crescimento da intolerância, globalmente, como uma maior verbalização e difusão do discurso de ódio e mesmo do incitamento à violência. Por outro lado, há também uma maior exigência e respeito pela diversidade.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, na sua mensagem sobre o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, emitida esta quarta-feira, disse que é necessário “é necessário resistir e reverter as tendências [de aumento da discriminação],de forma resoluta e condenar e eliminar a discriminação racial em todas as suas formas” e referiu a importância da sociedade e das associações humanitárias na prossecução desse objetivo.

Esta data foi assinalada pela Organização das Nações Unidas (ONU) na sequência do massacre de Sharpeville, na África do Sul, que provocou a morte de 69 pessoas e cerca de 180 feridos.

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