06 mar, 2023 - 14:29 • Lusa
Um Portugal lento, onde quase não há represálias para quem pratica discursos de ódio, é a principal queixa das vítimas entrevistadas pela agência Lusa, que lamentam não haver respostas para as suas denúncias contra este crime.
As vítimas de discurso de ódio dizem sentir uma pressão cada vez maior com o crescimento da extrema-direita em Portugal e lamentam não conhecer quaisquer consequências para os autores dos atos em resultado das queixas que fazem.
O dirigente da Associação Cigana Letras Nómadas Bruno Gonçalves denunciou à Lusa que "sai barato ser racista em Portugal", perdendo a conta das queixas que já apresentou por racismo e ciganofobia e ninguém sofreu represálias por isso.
"Sai barato ser racista em Portugal"
Bruno Gonçalves admite sofrer de preconceito todos os dias por ser de etnia cigana e, apesar de ser licenciado, isso não chega para travar os comentários que ouve sobre as suas origens.
"Apesar de ter estudado e de me ter instruído, o que mais se destaca em mim é o facto de eu ser cigano e não aquilo que sou capaz de fazer", lamenta, em entrevista à agência Lusa.
"Todos os dias recebemos nas redes sociais comentários que nos deixam tristes e incrédulos. Mas, como podemos dar a volta a isto, se o ódio é tão grande em Portugal?", começa por se perguntar.
Bruno sentem-se honrado por "ter traços físicos ciganos, que já estão estereotipados pela sociedade", mas admite que isso também o torna alvo do ódio, sobretudo "nos últimos quatro anos, desde que o partido da extrema-direita conseguiu ganhar alguma relevância e ter algum espaço nos media e na assembleia da República".
A bailarina Francielle Rodrigues é também uma voz das vítimas do ódio desde que percebeu que o seu vídeo sobre imigração ilegal em Portugal foi divulgado nas redes sociais de um grupo de apoiantes do partido de extrema-direita.
"Eu senti perigo de vida e, depois de ameaçarem que me queriam bater, eu comecei a ter medo. Tive um mês sem sair de casa, fiquei com uma depressão. Aqueles comentários manifestavam raiva", descreve a bailarina que deixou o Brasil para vir para Portugal há 21 anos.
"Eu seria só mais uma pessoa que se suicidou e não há represálias para isto".
A psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva refere à Lusa que "as vítimas de ódio nas redes sociais podem sentir os seus níveis de segurança a diminuir e podem experienciar algumas manifestações ansiosas, com impacto na qualidade do seu sono, no seu apetite, no seu foco, humor e/ou funcionalidade diária".
"Podem igualmente ter a sua perceção de valor pessoal afetada negativamente com danos para a sua autoestima e autoconfiança e com repercussões muitas vezes a nível de humor, podendo desenvolver-se um transtorno depressivo. De igual forma, em muitos casos, observa-se algum isolamento social, o que por sua vez tende a agravar o mal-estar psicológico", acrescenta.
Quando ocorrem estas situações que podem "configurar-se traumáticas para as vítimas", a psicóloga aconselha a "partilha com pessoas próximas e com ligações seguras do que aconteceu, pedir apoio e encontrar alguma sustentação nesse suporte, denunciando junto dos canais e entidades próprias" e "procurar ajuda profissional junto de um psicólogo clínico".
A Linha Internet Segura, um serviço de apoio à vítima coordenado
pela APAV, referiu à agência Lusa que os últimos dados divulgados, referentes a
2021, registam um aumento do número de cibercriminalidade "online",
num total de 1.626 processos e, segundo o relatório anual da APAV, em 2021
foram assinaladas 394 denúncias por discriminação e incitamento ao ódio e à
violência.
A fundadora da rede digital Afrolink e autora da marca de livros infantis, Paula Cardoso, sofre de racismo desde os três anos, idade em que se mudou de Moçambique para Portugal.
A escritora diz que o ódio racial está muito visível no "online", mas reforça que em contextos presenciais isso também acontece todos os dias, já tendo apresentado várias queixas, mas todas passaram impunes.
"O simples facto de eu existir (...) e de estar em alguns espaços, torna-me alvo de discriminação"
Paula Cardoso admite já ter ouvido várias vezes que "não há racismo, existem é pessoas racistas", mas na sua opinião, isso são ideias falsas que negam a sua história e que não estão a reconhecer a sua "trajetória".
A fundadora do Afrolink acredita que é necessário reconhecer que os discursos de ódio e o racismo são violência e têm de ser falados como tal "para curar traumas, porque depois acabam por pesar e ser um fardo demasiado pesado nas histórias" de quem é vítima, reconhece.
A psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva refere à Lusa que "as vítimas de ódio nas redes sociais podem sentir os seus níveis de segurança a diminuir e podem experienciar algumas manifestações ansiosas, com impacto na qualidade do seu sono, no seu apetite, no seu foco, humor e/ou funcionalidade diária".
"Podem igualmente ter a sua perceção de valor pessoal afetada negativamente com danos para a sua autoestima e autoconfiança e com repercussões muitas vezes a nível de humor, podendo desenvolver-se um transtorno depressivo. De igual forma, em muitos casos, observa-se algum isolamento social, o que por sua vez tende a agravar o mal-estar psicológico", acrescenta.
Quando ocorrem estas situações que podem "configurar-se traumáticas para as vítimas", a psicóloga aconselha a "partilha com pessoas próximas e com ligações seguras do que aconteceu, pedir apoio e encontrar alguma sustentação nesse suporte, denunciando junto dos canais e entidades próprias" e "procurar ajuda profissional junto de um psicólogo clínico".
A Linha Internet Segura, um serviço de apoio à vítima coordenado pela APAV, referiu à agência Lusa que os últimos dados divulgados, referentes a 2021, registam um aumento do número de cibercriminalidade "online", num total de 1.626 processos.
Também segundo o relatório anual da APAV, em 2021 foram assinaladas 394 denúncias por discriminação e incitamento ao ódio e à violência.