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Entrevista

Dívida ao Hospital das Forças Armadas: “Neste momento está nos 21 milhões de euros”

19 dez, 2022 - 07:07 • Liliana Monteiro

Presidente do Instituto de Acão Social dos Militares diz que a dívida ao hospital terá crescido com o acumular de atrasos nos pagamentos nos últimos anos. Fernando Campos assegura que parte do valor será pago já em janeiro.

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O presidente do Instituto da Ação Social das Forças Armadas (IASFA), o tenente-general Fernando Campos Serafino, revela em entrevista à Renascença que a dívida da Assistência na Doença aos Militares (ADM) ao Hospital das Forças Armadas (HFAR), é neste altura de 21 milhões de euros. Está reconhecida em contas e vai ter de ser regularizada com recurso a uma “intervenção estruturada”, juntando IASFA, Ministério da Defesa e Ministério das Finanças.

As faturas estão a ser pagas com o atraso de um ano e o presidente do IASFA promete fazer deste um ponto prioritário já no início do próximo ano, garantindo que vai “tentar regularizar uma parte da dívida”.

Admite que foi um erro colocar-se a ADM sob alçada do IASFA, afirmando que “nunca viveu o défice de funcionamento de viveu nos últimos anos e isso merece ponderação”.

Ainda nesta entrevista aponta como possível o alargamento do universo de beneficiários de ação complementar a militares voluntários e em regime de contrato. O tenente-general Fernando Campos Serafino acredita que o instituto está a fazer um percurso positivo, e diz que “as sombras que existiram sobre o IASFA estão afastadas”.


Considera que o Instituto da Ação Social das Forças Armadas (IASFA) é nesta altura justo para com os descontos dos militares?

Sobre a justeza dos descontos, o IASFA tem como fonte de financiamento mais significativa e importante os descontos dos beneficiários, mas exclusivamente para a ADM, subsistema para a doença. O desconto é de 3,5% do vencimento dos militares. Tem havido critica pelos descontos incluírem o subsídio de Natal e de férias, sendo certo que o rendimento é o global do ano e é isso que conta para a ADM.

Em termos de ser justo, ou não, entendo que é o adequado, na parte que diz respeito às responsabilidades dos beneficiários que descontam . Em cima disto há outro tipo de despesas que são responsabilidade do Estado, como por exemplo o apoio aos deficientes das forças armadas ou com pensão de invalidez de caracter permanente por acidente em serviço ou doença agravada em serviço.

Mas o que se desconta para a ADM vai mesmo para a ADM? Ou os militares têm razão quando dizem que as verbas são usadas para outros gastos?

Há uma coisa a entender e é pertinente, sim, é verdade que o dinheiro dos descontos da ADM é para pagar despesas de saúde, mas há despesas com o funcionamento da própria ADM que têm de ser imputadas a esta receita , por exemplo, a assessoria médica para validação da faturação dos prestadores privados. É tentador e há sempre dúvida sobre se o financiamento de atividades a nível central deve, ou não, ser suportado com verbas da ADM .

Essa questão de ilegalidades na aplicação das verbas decorre de uma auditoria do Tribunal de Contas à execução dos anos 2016/2017 e 2018 e nós temos corrigido. Esta alteração do modelo de financiamento feita em 2005 foi sustentada num compromisso informal (não está escrito em lado nenhum) com o Estado que colocaria no IASFA recursos necessários para substituir a ausência de quotas no Instituto. Isso aconteceu, depois deixou de acontecer. Quando entrámos havia um défice grande na ação social complementar que vive da receita de impostos, mas também das receitas próprias do Instituto com os seus serviços: rendas, mensalidade nas Estruturas residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), messes, restauração, circuitos de turismo. Esse financiamento não é por si suficiente para a despesa da ação social complementar.

No último ano a ADM perdeu quase dois mil beneficiários (2021 - 110 009; 2022 – 108 098).

Há um maior nível de cumprimento das obrigações do Estado para com o IASFA ?

Sim. Houve uma revisão das dotações que passaram a ser transferidas para o IASFA. Quando entrámos o valor era de 5,5 milhões de euros, que com cativações na execução ficava abaixo dos 5 milhões. Agora é um valor na ordem dos 9,5 milhões de euros que sobe para 9,8 milhões por causa de verbas dadas em função do combate à pandemia . Dois terços do nosso mandato foi realizado numa circunstância de pandemia e isso não ajuda nada.

A pandemia trouxe mais recurso à ADM?

Não. Houve menos recurso a cuidados de saúde, face às regras de acesso às unidades de saúde, as pessoas acabaram por não procurar cuidados de saúde privados e isso ajudou na contenção da despesa. A dificuldade maior foi na gestão das três Erpis que o IASFA tem em seu cargo no Porto (41 camas), Runa, Torres Vedras ( 99 camas) e a maior e mais recente em Oeiras (352 camas) .

Teve um impacto mais preocupante na área do turismo onde se verificou uma redução da receita, fechámos restauração, alojamentos temporários, a creche do Alfeite foi fechada, isso deu uma quebra nas nossas contas. Foram dois anos seguidos difíceis.

O máximo de receita que o IASFA conseguiu cobrar nestes últimos anos foi em 2015 -numa situação diferente- 15 milhões de euros. Depois, por diferentes medidas, houve redução de serviços e nos últimos anos a receita tinha baixado e estava em 2018 nos 9 / 9.5 milhões de euros, andava por aí a receita própria do IASFA. Em 2019 antes da pandemia conseguimos crescer para mais um milhão de euros, já em 2020, reduzimos para 8,5 milhões de euros.

Foi um erro colocar ADM e Ação social debaixo do mesmo teto do IASFA?

Sendo pragmático, e independentemente da opinião de cada um, até aí não são conhecidos problemas de financiamento do Instituto da Ação Social das Forças Armadas. Pode discutir-se se o IASFA está mais próximo dos beneficiários, se foi acertado este ou aquele investimento, sim, mas o IASFA nunca viveu o défice de funcionamento que viveu nos últimos anos e que isso merece ponderação, isso merece.

Dizer que o problema se resolve tirando a ADM do IASFA, sim, mas por que caminho? Que alternativa? É importante discutir isto, perceber que modelo melhor defende o dinheiro que os militares colocam para esta missão.

Neste momento não é uma opção, já provoquei a discussão (através de um documento de estratégia para o IASFA): o que é ? como deve ser entendido, subsistema equivalente à ADSE, e alternativa para aceder a cuidados de saúde em prestadores privados em condições mais vantajosas, ou coisa diferente?

O que me parece, sem querer fazer juízos de valor (as pessoas que tomam decisões tomam aquelas que acham mais acertadas na altura), tomaram-se decisões de financiamento do sistema de saúde militar do Hospital das Forças Armadas (HFAR) que penalizaram de sobremaneira o sistema de assistência na doença. Houve um conjunto de faturação que começou a entrar na ADM e que está na origem do défice da própria ADM.

Grande parte do financiamento do HFAR era assegurado com dinheiros da ADM, até que surgiu a auditoria do Tribunal de Contas que veio assinalar que há despesa relacionada com a assistência na doença aos militares, realizada no hospital e suportada pela ADM que eram encargos que decorriam de uma necessidade estrutural do Estado, porque tem de assegurar a prontidão sanitária dos militares.

Nós chegámos a ter faturação anual para o HFAR 2015/18 de 16 milhões euros por ano. Hoje a faturação ao HFAR -com a evolução dos custos de saúde- não chega aos 7 milhões de euros anual e isso ajuda-nos a equilibrar o subsistema.

O HFAR precisa de salas de cirurgia para crescer, muito bem, mas é preciso encontrar forma de rentabilizar ganhando escala, abrindo o hospital, trazendo pessoas que não são militares para acesso a cuidados de saúde como os antigos combatentes, numa unidade de saúde mais regulada.

Somos 110 mil beneficiários 52% residem na região de Lisboa e Setúbal, quer dizer que 48% dos beneficiários vivem fora desta região, norte, centro, Açores e Madeira.

Há dividas no IASFA?

Não, felizmente não. Até ao final de 2021 foi efetuado o saneamento da dívida da ADM aos prestadores de saúde privados e durante o ano de 2022 tem sido possível cumprir os prazos de pagamentos referentes às despesas de saúde das entidades privadas, de acordo com o previsto, 60/90 dias.

A dívida que temos é com o HFAR, está reconhecida em contas e que vai ter de ser regularizada . Neste momento está nos 21 milhões de euros. No início do ano vamos tentar regularizar uma parte mas a dívida tem uma dimensão que exige intervenção mais estruturada . A solução terá de ser como no passado a regularização da dívida aos privados que foi feita com IASFA, Ministério da Defesa e das Finanças. Felizmente hoje não há divida ao sector privado, a regularização da dívida aconteceu no final de 2021.

A dívida vem desde quando?

Não é uma dívida reconhecida e fechada num ano. O que aconteceu ao longo dos anos foi que a velocidade de pagamento de faturação é inferior à velocidade de entrada de novas faturas no IASFA . Temos faturas com atraso global de pagamento de um ano . Herdámos uma faturação enorme desde 2015 a 2018. É preciso resolver o problema estrutural e não apenas pagar.

Como fecham as contas deste ano?

Julgo que estamos num bom caminho, não vamos ter surpresas. As sombras que existiram sobre o IASFA estão afastadas, mas temos de estar atentos e acompanhar a evolução do estado de saúde do Instituto de forma muito próxima.

Qual o valor dos apoios sociais atribuídos pelo instituto?

Os apoios sociais atribuídos no âmbito da Ação Social Complementar englobam aproximadamente 750 beneficiários. Entre subsídios e comparticipações em 2020 os apoios ascenderam aos 467 815 mil euros; em 2021 aos 326 450 mil euros e em 2022 ( até final de novembro) 433 571 mil euros.

Habitação social. Quantos edifícios têm e quantos devolutos?

Temos no total 2.155 frações, destas 1.793 são habitacionais. Contratos de arrendamento, renda livre, temos 1.169 frações. Sobram 624 casas não ocupadas.

Nos últimos anos fizemos um esforço e lançamos três concursos de arrendamento, dois ficaram concluídos e estamos em vésperas de entrega de 60 casas. Entre ter as casas paradas por falta de verbas para recuperação, havendo procura -particularmente na região de Lisboa- encontrámos um mecanismo que introduziu a possibilidade de os arrendatários fazerem obras até cinco mil euros a abater num período máximo de cinco anos nas rendas. Foi pensado alargar esse plafond a 10 mil euros de obras. Estamos a pensar abrir o mais tardar no início de janeiro um novo concurso para 100 casas.

Existem situações em que não são os beneficiários a usar as casas?

Sim e isso é um problema. Dívidas de pessoas que ficaram nas casas apos morte do beneficiário. Há questões sensíveis do ponto de vista social, há casos de pessoas órfãs e que não podemos despejar, encaminhamos para outras respostas dos municípios. Agora há outros casos que configuram situações que avançámos para tribunal.

Qual o valor das despesas de saúde relativas a beneficiários da ADM abrangidos pela Portaria nº 1034/2009, onde se incluem os Deficientes das Forças Armadas?

Os valores pagos nos últimos seis anos têm rondado os 20 Milhões de euros por ano, com exceção do ano 2021 em que, devido às verbas transferidas para o IASFA no âmbito do Memorando de Entendimento para o Equilíbrio Financeiro do IASFA, ascenderam a 32,5 milhões de euros.

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