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Centros educativos. “Carência de técnicos e grave situação remuneratória comprometem reabilitação de jovens”

12 out, 2022 - 06:35 • Liliana Monteiro

O mais recente relatório da Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos fala num aumento de jovens a cumprir pena nos centros, aponta como “severa” a deterioração das instalações e lamenta décadas de ausência de uma Rede Nacional de Casas de Autonomia para os jovens. Maioria dos internados em 2021 (90%) praticaram mais do que um crime.

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Está comprometida a reabilitação dos jovens institucionalizados. É a conclusão do mais recente relatório da Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos a que a Renascença teve acesso. O documento revela que muitas das infraestruturas estão a precisar de obras e aponta a persistente falta de técnicos como uma das falhas no apoio aos jovens.

É uma situação que não surpreende o presidente do Sindicato dos Técnicos de Reinserção e Serviços Prisionais, lembrando que a carreira não é atrativa. “Os profissionais ganham 709 euros (salário mínimo nacional), acabando esta por ser uma porta de entrada na função pública, pois seguem outros caminhos. As carreiras não são revistas e as pessoas não respeitadas enquanto trabalhadores. A direção-geral acaba por tentar solucionar com remendos: pessoas de outras carreiras vêm desempenhar funções sem estarem minimamente preparadas.”

“É necessário as pessoas terem alguma perspetiva de carreira e de vida para se poderem fixar nas carreiras e fazer um trabalho de continuidade”, sublinha Miguel Gonçalves.

A maioria dos processos tutelares educativos abrangem os rapazes, entre os 16 e os 17 anos, e a grande fatia de ilícitos que os leva até à justiça juvenil são os crimes cometidos contra pessoas.

De acordo com o mais recente relatório da Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos, datado de 30 de setembro, nos primeiros cinco meses do ano deram entrada 3.613 processos, o que se traduz num aumento de mais 1.329 (58,19%).

Durante o ano de 2021, estiveram internados um total de 170 jovens, por terem praticado um total de 1.293 crimes. Já 90% dos internados praticaram mais do que um crime, “154 dos jovens (90,58%) praticaram um número plural de factos, circunscrevendo-se a 16 o número dos que foram internados na sequência da prática de um único facto”, adianta o documento.

Quanto ao regime em que cumpriam o internamento, “98 jovens (62,02%), cumpriram medida de internamento em regime semiaberto, 32 jovens (20,25%) em regime aberto e 28 jovens (17,72%) em regime fechado.”

Qual a tipologia de crime mais frequente? “Os roubos representam 57% e as ofensas à integridade física qualificadas e graves representaram 47,5% do total desta tipologia”, por sua vez “os factos praticados contra a liberdade e autodeterminação sexual ascenderam a 37 (14 abusos sexuais, 6 violações, 10 de coação sexual, 4 de importunação sexual e 3 de pornografia de menores) representando 2,86% do total dos factos praticados”.

A comissão de acompanhamento indica ainda que “foram 13 os factos praticados enquadráveis na tipologia de tráfico de estupefacientes e dois dos factos praticados foram enquadrados no tipo legal de homicídio qualificado”.

No documento lê-se que “o número de jovens que, tendo praticado factos qualificados pela lei como crime, viram tardiamente aplicada a medida de internamento em centro educativo e a que têm direito e que cabe ao Estado assegurar”.

Centros Educativos com infraestruturas debilitadas e sem recursos

É visível “a severa deterioração das instalações físicas de alguns dos centros educativos; a persistente escassez de recursos humanos (técnicos de reinserção social) inibidora da cabal aplicação da Lei Tutelar Educativa (LTE); a grave situação remuneratória e de ausência de carreira dos técnicos, situações fortemente inibidoras da concretização do espírito e da letra da LTE, e consequentemente violadoras dos direitos fundamentais dos jovens que carecem desta intervenção especial do Estado”.

Conclui-se ainda que é urgente uma “atuação precoce no diagnóstico e na intervenção com o reforço das Equipas de Reinserção Social que trabalham no terreno e a atribuição de um único técnico de referência para a criança e jovem, que o acompanhe e seja responsável por todas as fases do respetivo processo”.

Pede-se ainda a intervenção nas instalações dos espaços degradados e a humanização dos espaços de convívio.

130 processos disciplinares contra jovens

O último ano registou 130 processos disciplinares contra jovens internados em centros educativos. Os inspetores não detetaram “ultrapassagem de linhas vermelhas”, mas apontam algumas deficiências que “parecem emergir de falta de formação específica do instrutor e do decisor numa área que não é fácil para quem não seja jurista, bem como da ausência de discussão sobre tais matérias.

Diz ainda a equipa que visitou os seis centros educativos que “verifica-se que alguns Centros se limitam a aplicar medidas disciplinares de forma consecutiva sem qualquer intervenção complementar com vista a debelar de forma célere o ciclo disruptivo comportamental. Dá-se por adquirido que a medida disciplinar é suficiente para, só por si, conseguir a necessária mudança de postura do jovem internado”.

Falta de recursos altera penas

Os tribunais decidem aplicar muitas vezes uma medida de internamento em regime aberto mas, “as mesmas acabam por ser levadas a cabo em regime semiaberto, o qual, nas primeiras fases de execução não representam distinção do regime fechado”, afirma a Comissão que “esta prática constitui uma violação da decisão judicial, viola as legítimas expetativas e direito do jovem a ser educado de acordo com a decisão proferida e constitui uma limitação da liberdade do jovem totalmente ilegal”.

Dos contactos no terreno, ouvindo jovens e técnicos, a Comissão de acompanhamento e fiscalização dos Centros Educativos diz ter percebido que o não cumprimento das decisões judiciais não passa pela intenção de desobedecer, mas antes pela “falta de recursos que permitam uma execução menos gravosa para os jovens e a falta de consciência patente em algumas decisões judiciais sobre o fundamento, natureza e objetivo das medidas tutelares educativas” lembrando que muitas decisões não seguem a avaliação feita pelos técnicos por exemplo a nível psicológico ao jovem.

Escola fora da comunidade

Os sete membros ca Comissão lamentam que a “falta de recursos humanos, financeiros e respostas na comunidade que lhes permita, na ausência de resposta a nível escolar, executar as restantes respostas essenciais à satisfação das necessidades de educação para o direito do jovem, fora do Centro Educativo para frequência de atividades como sejam música, desporto, formação profissional, o que acaba por impor que os mesmos sejam encarcerados para que sejam educados”.

Estado da saúde mental é preocupante

A equipa descreve a situação da saúde mental nos centros educativos como “preocupante”. Dados da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) revelam que “a percentagem de jovens internados com problemas a nível de saúde mental, na grande maioria dos centros está acima dos 54%, sendo que em três deles ultrapassa mesmo os 75%”.

No entanto, explicam que “são residuais os jovens com problemas graves de saúde mental”.

As visitas aos centros educativos permitiram concluir que “se têm registado melhorias significativas ao nível do acompanhamento pedopsiquiátrico e psicológico” e que todos os centros dispõem de atendimento psicológico permanente.

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  • Luís Neves
    16 out, 2022 Caxias 12:14
    Jornalismo se nacionalista, que analisa afirmações sem estarem contextualizadas. Primeiro dizem que não há intervenção na saúde mental dos jovens internados e acabam dizendo que houve significativa evolução ao nível do acompanhamento psicológico e pedoppsiquiatrico... Para vossa informação só há respostas na comunidade e nem na segurança social nem na saúde há resposta ao nível institucional. Informem se no terreno...

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