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ERC acusa CMTV de fazer da “morte” e da “tragédia particular” um “espetáculo televisivo”

02 ago, 2022 - 22:46 • João Carlos Malta

Em causa o suicídio de uma mãe e a morte da filha menor, em Porto Covo, e a cobertura televisiva do canal da Cofina que levou a queixa dos espetadores.

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A Entidade Reguladora da Comunicação aponta vários erros e violações das regras jornalísticas à estação CMTV na cobertura da morte por suicídio de uma mãe que pegou fogo ao carro em que seguia com as duas filhas menores. Uma delas, de três anos, acabou por morrer também. O caso remonta a março deste ano.

“Explorou o acontecimento, apelando às emoções, e fomentou o voyeurismo no público, fazendo da morte e da tragédia particular de seres humanos um espetáculo televisivo, em desrespeito pela privacidade dos familiares”, lê-se na deliberação da ERC.

Durante os dois dias em que a CMTV fez a cobertura jornalística desta tragédia, passou de forma repetida um vídeo amador em que se vê o carro em chamas onde estavam a mãe e as duas filhas.

Um ato, que leva a ERC a escrever que “as imagens do carro a arder, associadas ao relato de que se encontravam naquele carro em chamas mãe e filha, que viriam a morrer, são perturbadoras e emocionalmente desestabilizantes e, por isso, suscetíveis de influírem de modo negativo na formação da personalidade de crianças e adolescentes”.

Como este acontecimento retrata um suicídio, a ERC afirma que aquele canal não observou um conjunto importante de recomendações que se impõem na cobertura noticiosa deste tipo de casos, “tendo avançado com explicações para o ato suicida, especulativas e simplistas, detalhado os pormenores dos atos que levaram à morte e não tendo realçado alternativas ao suicídio ou fornecido informações sobre linhas de ajuda e recursos disponíveis”.

Informação permite identificar menor envolvida

O mesmo regulador critica o facto de a cobertura da CMTV permitir a identificação da filha menor que sobreviveu ao incidente, através de dados concretos sobre a família mais próxima.

"(...) as imagens do carro a arder, associadas ao relato de que se encontravam naquele carro em chamas mãe e filha, que viriam a morrer, são perturbadoras e emocionalmente desestabilizantes"

A forma reiterada como os jornalistas da CMTV tentam obter reações dos familiares quando estes se encontram visivelmente combalidos também é alvo do regulador. “A perturbação da dor dos familiares das vítimas naquele momento não encontra qualquer respaldo em critérios noticiosos e configura um grave desrespeito”, descreve a deliberação.

“É ainda relevante assinalar o facto de, na cobertura realizada a partir da habitação da família das vítimas, serem filmados por diversas vezes, incluindo através de aproximados, e também referidos pela jornalista, os brinquedos das crianças envolvidas, que se encontravam no quintal”, acrescenta.

Sobre este caso, a ERC faz ainda reparos sobre a maior parte de as informações avançadas na cobertura jornalística da CMTV não identificarem fontes de informação. E soma-lhe o facto de o relato sobre a ocorrência veicular frequentemente “elementos de factualidade que não são sustentados em fontes de informação devidamente identificadas”.

Informações sem referência à fonte

A CMTV socorre-se amiúde, segundo o regulador, de expressões vagas e genéricas para veicular os factos noticiosos, tais como «todos os dados a que a CMTV já teve acesso», «diz quem viu», «sabemos que», «numa altura em que já se sabe», «foi isso que nos contaram», «a CMTV sabe», «há informações que dão conta que».

A ERC assinala ainda um conjunto de informações imprecisas dadas pelos jornalistas do canal. Às crianças foram dadas várias idades, e a menina mais nova foi tendo vários nomes ao longo de diversos segmentos informativos.

Em relação a imprecisões na informação, a ERC escreve também que a CMTV referiu em primeiro lugar que a família viveria numa “zona de barracas”, o que não era sustentado em qualquer fonte de informação, sendo que mais tarde quando é filmada a casa das vítimas “é possível perceber que se trata de uma construção em alvenaria e em aparente bom estado de conservação”.

Também o estado de saúde da outra menor envolvida neste episódio, de nove anos, é apresentado de forma imprecisa. Há um direto em que é dito que a menina se encontra em situação grave e tem uma percentagem grande corpo queimado, mas antes e depois dessa informação é sempre dito que “a criança sofreu ferimentos ligeiros”.

A análise que a ERC fez da cobertura desta história permitiu verificar que a duração dos diretos, bem como a sua frequência, não encontra correspondência com a atualização das informações. “Bem pelo contrário, o mesmo conjunto de factos é frequentemente repetido de forma exaustiva”, enfatiza o regulador.

CMTV defende-se com "exercício do direito de expressão e liberdade de imprensa”

Chamada a pronunciar-se a CMTV refere que considera “inegável o interesse público do caso […], em grande parte devido à discussão pública gerada e pela correspondente sensibilização da sociedade em geral para as questões sociais que lhe estão subjacentes […] e que justificam o legítimo interesse por parte da sociedade em obter a informação que se mostre relevante para a plena compreensão e conhecimento do mesmo, bem como as suas implicações sociais mais amplas.”

E defende que as imagens do carro a arder são enquadradas “tão-só no sentido de retratar a realidade fática tal como a mesma ocorreu”, e que as imagens não são mais do que “um exercício do direito de expressão e liberdade de imprensa.”

A CMTV concede que “o conteúdo difundido aborda um tema sensível”, mas que contudo, “uma coisa é a violência do acontecimento e outra coisa é imputar esses danos à notícia”.

O canal garante que a cobertura noticiosa se materializou num “reporte de factos relativos ao tema em causa, desprovidos de qualquer consideração, juízo de valor ou opinião”.

Os mesmos referem ainda que as imagens transmitidas não são suscetíveis de violar a reserva da intimidade da vida privada e familiar, e que a criança que sobreviveu encontra-se sempre desfocada, não sendo possível a sua identificação.

"(...) uma coisa é a violência do acontecimento e outra coisa é imputar esses danos à notícia"

E afiança também que se limitou a dar conhecimento de factos que ocorreram e foram descritos de forma expressa e direta por parte dos seus jornalistas.

A ERC não aceitou estes argumentos e reitera que se trata de conduta reincidente da CMTV, nomeadamente em matéria de preservação do direito à intimidade da vida privada e da livre formação da personalidade de crianças e jovens, e avança que vai instaurar “um procedimento contraordenacional contra o operador de televisão Cofina Media, S.A.”.

Vai ainda remeter a deliberação para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.

Por fim, a ERC lamenta que a CMTV tenha optado “por explorar o sofrimento dos familiares das vítimas”, “através da revelação insistente e repetitiva das manifestações de sofrimento”, “valorizando a componente emotiva e voyeurista dos acontecimentos, sem acréscimo de valor informativo”.

Comentários
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  • Josehf Grzse
    18 jan, 2023 Kiev 17:29
    CMTV fazer da “morte” e da “tragédia particular” um “espetáculo televisivo” é a inaceitável mas só vê quem quer ..o pior são os comentadores desportivos que sabem de noticias quase sempre falsas e sempre ligadas a um determinado clube de cor vermelha será por ter a cor do sangue que tanto gostam de mostrar
  • EU
    03 ago, 2022 PORTUGAL 09:37
    Já agora pergunto aos Senhores da ERC. Este tipo de JORNALISMO é só na CMTV? Quando da INVASÃO da Ucrânia, EU disse aqui RR, que passei várias noites LEMBRANDO-ME dos anos da guerra colonial, lembram-se? Já agora, porque RAZÃO não repreendem aqueles Senhores Jornalistas e Comentadores ligados ao FUTEBOL que TODOS os dias fomentam o ÓDIO. Há que por travão a quem quer AUDIÊNCIAS sem escrúpulos.
  • Ivo Pestana
    03 ago, 2022 Funchal 09:18
    A cmtv faz o que quer, porque domina as audiências. Até notícias falsas dão, em especial desportivas.

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