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​Opinião de Manuel António Pereira

O que dizer sobre os Rankings?

08 jul, 2022 - 00:05 • Manuel António Pereira, presidente da direção da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE)

A publicação dos rankings oculta todo o trabalho quotidiano para a promoção do perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória, corporizado em projetos educativos ambiciosos e até audazes. Apenas mostra que os alunos, em exame, foram capazes de determinados desempenhos.

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Há um período do ano em que a comunicação social se debruça sobre as escolas e as aprendizagens dos alunos: quando publica os rankings... havendo outras alturas em que também o faz, no arranque do ano letivo, quando faltam professores, quando ocorrem anormalidades. Importa hoje, nesta cadência anual em que somos visitados, abordar os rankings. Um tema que desperta paixões e desafia a exercícios de opinião.

Os rankings de 2021, publicados entre as duas chamadas de realização dos exames nacionais de 2022, traduzem uma apreciação dos desempenhos em que se imporia relevar todo o contexto pandémico, organizacional e de avaliação, que foi vivido nas escolas portuguesas, traduzido numa sólida resposta do sistema educativo, consciente do agravamento das desigualdades pré-existentes, a um primeiro objetivo: chegar a todos e não deixar ninguém para trás.

Todavia, com os rankings, surge, imediatamente, a comparação entre o ensino público e o ensino privado. Independentemente das condições socioeconómicas dos públicos que os frequentam e os diferenciam. E não é a adoção de alguns mecanismos de “controlo”, como a ponderação socioeconómica do perfil social dos alunos, que torna esta comparação mais fiável ou justa, porque as realidades e os contextos são muito desiguais. E a pandemia acentuou as desigualdades.

Não queremos, com isto, dizer que as escolas não valorizam os rankings. As listas ordenadas que a comunicação social divulga são sempre mais um instrumento de trabalho para potenciar futuras intervenções e as reportagens produzidas são um elemento que pode inspirar as alterações a que se aspira.

Mas as listas também são importantes para as famílias, porque é mais um elemento de ponderação em futuras escolhas. E é aqui que está uma das condições para a polémica que sempre se instala. Porque a publicação dos rankings, conferindo transparência aos desempenhos, em exame, dos alunos, oculta todo o trabalho quotidiano de alunos, famílias, escolas e professores, para promoção do perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória, corporizado em projetos educativos ambiciosos e até audazes. Apenas mostra que os alunos, em exame, foram capazes de determinados desempenhos.

Todos os anos por esta altura é incontornável o debate sobre a necessidade de um novo modelo de acesso ao ensino superior que permita, em muitos casos, libertar o ensino secundário deste brutal e incompreensível garrote que obriga a que, durante três anos, apenas se trabalhe para os exames nacionais, com evidente prejuízo de uma formação mais humanista e mais completa.

É preciso que o tempo do ensino secundário seja um tempo de preparação sólida para a frequência do ensino superior. É preciso que o ensino secundário consiga realizar essa sua verdadeira função e deixe de ser o que tem vindo a ser ampliado pela discussão à volta de competições estéreis que culminam em cada ano na publicação de rankings que, no limite, mais não são do que publicidade gratuita para escolas que ferozmente lutam, em cada ano, por lugares cimeiros nessas listas.

Há todo um país condenado a ocupar, em cada ano, os piores lugares do ranking desde que estes existem. Se alguém tem dúvidas, proponho que se faça essa avaliação. Uma espécie de determinismo insano para o qual parece não haver solução. E mesmo quando os resultados de alguma escola, pontualmente, se afastam substancialmente dessa lógica determinista, a realidade não é alterada nem os pressupostos mudam.

Os rankings também são uma chamada de atenção para aquele país mais despovoado ou mais abandonado onde, parece, as expectativas não vão além do imediato e onde as opções de futuro por vezes quase nem existem.

Por mais que as escolas diversifiquem estratégias ou implementem percursos alternativos, enquanto não se investir a montante na melhoria das condições de vida, através da criação de emprego ou no incentivo à fixação, pouco mudará. Resta a providencial estoicidade dos atores educativos que não aceitam esta pena de Sísifo a que parecem terem sido condenados.

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