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Comprimidos contra a enxaqueca? Cirurgia "de recuperação fácil" pode ajudar

07 jul, 2022 - 10:35 • Isabel Pacheco

No Hospital São João, no Porto, quatro pessoas já foram submetidas com sucesso à cirurgia para tratar enxaquecas. À Renascença, o cirurgião plástico António Costa Ferreira lamenta que ainda haja resistência da comunidade médica ao procedimento. A neurologista Isabel Pavão Martins, por outro lado, ressalta que a opção está "ainda em estudo" e pede cautela na hora de dar esperança a quem sofre deste problema.

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Em quatro anos, quatro pessoas seguidas no Centro Hospitalar e Universitário de São João, no Porto, submeteram-se a um procedimento cirúrgico para o tratamento da enxaqueca e em todos os casos o “feedback [foi] muito positivo”.

É o que garante o cirurgião plástico António Costa Ferreira, em entrevista à Renascença. “Aliás, os resultados obtidos estão em linha com a experiência acumulada a nível global, em que a modalidade terapêutica é usada com bastante frequência e mais divulgada do que no meio médico português.”

Ainda assim, lamenta o também professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), continua a existir alguma “resistência” da comunidade médica ao procedimento.

“Há uma certa resistência à mudança e a assumir que poderá haver aqui uma potencial opção terapêutica para os doentes nos quais o tratamento medicamentoso não está a ser eficiente ou tolerado”, aponta.

O procedimento cirúrgico passa por identificar e interromper os “mecanismos de irritação” de um ou mais nervos localizados no exterior do crânio que podem contribuir para a enxaqueca através de “técnicas minimamente invasivas”, explica o cirurgião.

“Estamos a falar de procedimentos de recuperação fácil", elucida. "Não são procedimentos muito invasivos, muito pelo contrário, alguns deles são feitos com técnicas minimamente invasivas, ou seja, com técnicas endoscópicas e que podem ajudar.”

É, aliás, um procedimento que pode ser feito em cirurgia de ambulatório. “No extremo, o doente pode ficar uma noite internado e tem alta no dia seguinte”, adianta António Costa Ferreira.

O médico e investigador da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto é um dos autores de um estudo sobre o tema publicado recentemente na revista "Annals of Plastic Surgery", dedicada à cirurgia plástica e reconstrutiva, em que se conclui que o tratamento cirúrgico da enxaqueca é “seguro e eficaz”.

A investigação, que consistiu na revisão do conhecimento científico publicado internacionalmente entre 1996 e 2020 sobre o assunto, aponta para uma melhoria significativa entre 58,3% a 100% dos casos e a eliminação do distúrbio em até 86% dos doentes com enxaqueca.

Neurologista pede "cautela"

Contactada pela Renascença, a neurologista Isabel Pavão Martins assume que o procedimento cirúrgico em causa é “mais uma abordagem possível”, mas ressalta que ainda não está aprovada pela comunidade médica internacional. Falta saber, alerta a médica, “até que ponto é seguro” e se “tem efeitos adversos”.

“Tudo o que é procedimento cirúrgico irreversível tem risco”, diz a neurologista. Neste caso, por exemplo, “a pessoa ficar sem sensibilidade no couro cabeludo ou até afetar um pouco a parte motora e a motricidade dos músculos da zona frontal”, explica Isabel Pavão Martins, que aponta o facto de ainda não haver conhecimento científico suficiente sobre a opção cirúrgica para o tratamento da enxaqueca.

“É um procedimento ainda em estudo. Não é um procedimento recomendado pelas sociedades científicas dedicadas às cefaleias, nem europeia, nem americana”, ressalva a responsável pela consulta de cefaleias do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. É por isso que Isabel Pavão Martins pede “cautela” na hora de dar esperança aos pacientes.

“É preciso ser-se muito cuidadoso para se evitar gerar uma onda de expectativa nas pessoas que pode não ser verdadeira”, conclui a docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

A enxaqueca (dor de cabeça intensa) é um distúrbio neurovascular generalizado que afeta, aproximadamente, 19% das mulheres e 10% dos homens.

Uma combinação de fármacos e evitar fatores que possam desencadear uma crise constituem o tratamento padrão para combater as enxaquecas.

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