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Utentes sem médico de família: número cresce e passa um milhão no final de 2021

08 jun, 2022 - 16:43 • Núria Melo , Rosário Silva , com Lusa

Mais de 300 mil portugueses ficaram sem médico de família no ano passado, de acordo com o Conselho das Finanças Públicas. À Renascença, o presidente da Associação de Médicos de Medicina Geral e Familiar considera a situação “inadmissível”, com tendência para se agravar.

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Mais de 1,1 milhões de portugueses não tinham médico de família no final de 2021, um aumento de cerca de 300 mil pessoas em relação ao ano anterior, alertou esta quarta-feira Conselho das Finanças Públicas (CFP).

O número de pessoas sem médico de família atribuído representa 10,9% do total de inscritos no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e "corresponde a um aumento de mais de 303 mil utentes" face a 2020, "agudizando a trajetória de afastamento do objetivo de cobertura plena da população" por estes clínicos, refere o relatório do CFP sobre a evolução do desempenho do SNS em 2021.

De acordo com o documento hoje divulgado, a região de Lisboa e Vale do Tejo continuava a concentrar o maior volume de utentes sem médico de família, representando 68,8% do total deste universo em 2021.

O relatório do organismo independente presidido por Nazaré da Costa Cabral identifica os "riscos e incertezas" da atividade assistencial, sublinhando a "demora na retoma plena da atividade dos cuidados primários", caso das consultas médicas presenciais, o que limita o seu papel enquanto primeiro ponto de contacto com o SNS.

O aumento do recurso aos serviços de urgência pressiona os hospitais e obriga-os a redirecionar recursos da atividade programada, alerta ainda o CFP, ao considerar que a necessidade de recuperar integralmente a resposta assistencial aumenta a pressão financeira sobre todo o sistema de saúde.

De acordo com este organismo, em 2021, as equipas dos cuidados primários continuaram a afetar uma parte importante do seu trabalho à resposta à pandemia, não só na identificação, triagem e seguimento das pessoas que contraíram a doença, mas também na execução do plano de vacinação contra a covid-19.

Além desta atividade, os cuidados primários procuraram reativar as restantes tarefas de acompanhamento da população, com os médicos de família a realizarem cerca de 15,9 milhões de consultas presenciais, que representaram mais 1,8 milhões do que em 2020, mas "um valor ainda muito distante dos 22,3 milhões de 2019".

Já ao nível hospitalar, apesar da "forte pressão que a covid-19 continuou a exercer sobre os hospitais do SNS em 2021, com maior visibilidade nos serviços de urgência e nos internamentos em enfermaria e em unidades de cuidados intensivos, estes conseguiram voltar a níveis de produção semelhantes a 2019, principalmente na atividade programada", sublinha o relatório.

De acordo com os dados divulgados pelo CFP, foram realizadas 12,4 milhões de consultas médicas em 2021, valor em linha com 2019 e 11,4% acima de 2020, assim como mais de 708 mil intervenções cirúrgicas, ultrapassando mesmo as cerca de 704 mil de 2019 e acima das 579 mil de 2020.

No âmbito dos programas de gestão do acesso programado ao SNS, os resultados do programa Consulta a Tempo e Horas (CTH) de 2021 ficaram aquém de 2019, com menos 20% de consultas realizadas.

Além disso, e apesar da melhoria face a 2020, o aumento de mais 552 mil pedidos de primeira consulta hospitalar efetuados pelos médicos de família em 2021 foi superior ao acréscimo de mais 111 mil consultas CTH realizadas, o que se refletiu no aumento da lista de espera no final do ano em mais 145 mil utentes.

"A dinâmica de procura e oferta no CTH permitiu melhorar o grau de cumprimento dos tempos de resposta, com 77,3% das consultas CTH realizadas dentro dos tempos máximos de resposta garantidos", adianta o documento.

Também o volume de operados em 2021 atingiu os valores de 2019, com cerca de 628 mil utentes operados, mais 114 mil que em 2020.

"Este desempenho positivo contribuiu para uma melhoria do tempo médio de espera dos operados (3,2 meses em 2021), para uma ligeira redução da lista de espera (210 mil em espera) e para a subida da percentagem de inscritos a aguardar dentro dos TMRG (70,6%)", conclui o relatório.

O CFP, que iniciou a sua atividade em fevereiro de 2021, é um organismo independente que fiscaliza o cumprimento das regras orçamentais em Portugal e a sustentabilidade das finanças públicas.

Situação "inadmissível" e preocupante

Para o presidente da Associação de Médicos de Medicina Geral e Familiar, é “inadmissível” que mais de um milhão e 100 mil portugueses não tenham médico de família.

Em declarações à Renascença, Nuno Jacinto reage ao relatório agora divulgado pelo Conselho das Finanças Públicas, manifestando uma crescente preocupação.

“Não é admissível, estes alertas já foram feitos há muito tempo e todos sabemos porque estas situações acontecem”, começa por dizer o responsável.

“Nós temos cada vez mais profissionais a sair do SNS, seja por reforma, seja por descontentamento, e temos uma enorme dificuldade em captar os mais novos médicos de família, para o Serviço Nacional de Saúde”, alude, Nuno Jacinto.

No final de 2021, acrescenta, “tínhamos este número elevado de portugueses sem médico de família, e os dados que temos já de 2022, mostram que este número continuou a subir ao longo do primeiro trimestre, portanto, a situação é preocupante e se nada for feito vai continuar a agravar-se”.

O presidente da associação que representa os médicos de medicina familiar, alerta para a situação da região de Lisboa e Vale do Tejo, aquela que concentra o maior volume de portugueses sem médico de família, o que fica a dever-se às más condições de trabalho, comparativamente com o resto do país.

“As condições de trabalho para os médicos, na região de Lisboa e Vale do Tejo, são ainda piores que no resto do país e, portanto, isto acaba por ser algo que se vai alimentando”, regista.

E, se as condições “são piores”, existem “menos profissionais a serem atraídos para ficar nessa zona”, explica.

Preocupado, Nuno Jacinto, lembra que “faltam médicos de família, mas há mais utentes”, o que se reflete nas condições de trabalho que “se deterioram”, ficando “mais difícil para os profissionais irem para esses locais”.

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