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Quando as provas do crime estão debaixo de água

08 jun, 2022 - 23:33 • Celso Paiva Sol

A Renascença foi conhecer o trabalho do Núcleo Especial de Operações Subaquáticas da GNR.

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No mar, nos rios, lagos, barragens, mas também em locais bastante mais pequenos, como os poços, desde que dentro de água, sempre que haja indícios de crime o trabalho fica, por norma, a cargo do Núcleo Especial de Operações Subaquáticas da GNR.

A especialização forense faz com que este grupo seja cada vez mais chamado pelo Ministério Público (MP).

Hilário Cerqueira, comandante da Companhia de Intervenção e Proteção em Emergência da GNR, de que este núcleo faz parte, explica que “qualquer prática de crime, ou quando há indícios da prática de crime no meio aquático ou subaquático, as medidas cautelares e de polícia são efetuadas por estes militares. A busca, a recuperação, a fotografia e a preservação dessa prova debaixo de água”.

A diferença deste para outros grupos de mergulho, que existem em vários outros organismos, é precisamente o facto de pertencer a um órgão de polícia criminal.

Os seus elementos executam “missões de recuperação de cadáveres, de armamento, de veículos, de estupefacientes, tudo o que são diligências policiais de preservação de prova nós temos capacidade de fazer debaixo de água. Tudo o que é feito à superfície, nós fazemos debaixo de água”, explica o capitão Hilário Cerqueira.

O método de trabalho é muito semelhante ao que é aplicado à superfície. “A primeira operação é garantir o campo de busca, com diversos equipamentos. Com arinques, cabos – nós chamamos às cordas cabos com o interior em chumbo – desenhamos no fundo a área que vamos pesquisar. E depois temos que garantir que cada centímetro quadrado, cada metro quadrado é pesquisado”, relata.

A diferença está, naturalmente, no cenário em que esse trabalho é realizado, porque “em 90% dos casos não há qualquer visibilidade''.

“Nós, mergulhadores, falamos através de toque, todas as nossas ações debaixo de água são feitas pelo toque. Trabalhamos em parelhas, e através das mãos os mergulhadores vão fazendo a busca de todo o fundo”, afirma Hilário Cerqueira.

Seja um corpo, uma viatura, uma bala, ou qualquer outro elemento, uma vez encontrados, são tratados como uma eventual prova de crime, ou uma ajuda para a explicação de determinados factos.

O capitão Hilário Cerqueira explica que, se forem objetos de pequenas dimensões, esta equipa especial de mergulhadores faz “o enquadramento com um marco alfanumérico, regista-se e retira-se a coordenada marcada à superfície através de um arinque ou de um balão, faz-se a fotografia e é naturalmente preservado dentro de um saco hermético, designado o local e a tipologia do objeto”.

“Os métodos e os equipamentos variam consoante a dimensão daquilo que se encontra, e se for grande, como um veículo, já se usa a reflutuação. No fundo são balões onde por variação de pressão é introduzido ar, que traz o objeto para a superfície. Já os cadáveres, exigem maiores cuidados, para que todos os vestígios que têm possam ser preservados.”

Nestas declarações à Renascença, o comandante deste núcleo que faz parte da Unidade de Emergência de Proteção e Socorro da GNR sublinha, várias vezes, uma das suas principais preocupações. Quase uma espécie de lema: “No final de uma investigação, não podem ficar dúvidas. Quando vamos fazer buscas de objetos de menor dimensão, como armas ou munições, temos que garantir que no espaço em que trabalhamos ou está ou não está. Não fica a dúvida. Após a diligência policial não pode ficar qualquer dúvida sobre se aquele objeto está lá ou não”.

“Mesmo que a tarefa pareça impossível face à dimensão dos objetos, como munições, por exemplo, são elementos de reduzida dimensão que nós, através das mãos, de detetores de metais, ou de robôs subaquáticos, temos que encontrar. Se estiverem na água, vamos encontrá-los”, sublinha.

“Não trabalhamos em águas azuis e transparentes”

O trabalho destes mergulhadores da GNR é executado em condições bastante adversas. Na maior parte dos casos sem qualquer visibilidade.

“O fundo que estamos habituados a encontrar não é, certamente, um meio marinho de águas azuis e transparentes. São poços, barragens, rios, onde existem objetos que constituem perigo para os militares, como viaturas, ferros, resíduos, lixos, estruturas pontiagudas. E a visibilidade é quase sempre nula, vemos talvez um palmo à frente da cabeça. Temos que utilizar lanternas, e os nossos mergulhos são sempre efetuados com capacete para proteger a cabeça desses objetos”, explica Hilário Cerqueira.

É debaixo das pontes que são encontrados mais objetos e corpos, porque é lá de cima que mais frequentemente são lançados uns e outros.

Mas este grupo, composto por apenas 13 mergulhadores, não atua somente na busca subaquática em processos já em curso, também é chamado para prevenir e combater crimes que estejam a acontecer – sobretudo ambientais.

Hilário Cerqueira destaca “o trabalho feito nas margens dos rios à procura de pontos de rejeição de águas contaminadas”.

“Percorremos todo o leito do rio para detetar estas infraestruturas, efetuamos a sua sinalização e damos conhecimento às autoridades competentes. Também atuamos na captura ilegal de espécies, em especial do meixão, em que a nossa missão visa identificar os pontos de captura”, refere.

À lista de missões, junta-se igualmente a limpeza subaquática, como recentemente aconteceu em lagoas da Serra da Estrela, situações em que ficam claros os efeitos mais perversos da pressão turística sobre alguns locais. Aparece de tudo um pouco, mas principalmente lixo.

E depois, ainda há aqueles casos em que não se procurava nada, e se encontra, por exemplo, uma elevada quantidade de droga.

O capitão Hilário Cerqueira lembra um certo treino “aqui há uns anos, num mergulho no Sul do país, na Costa Vicentina, quando estávamos em instrução num mergulho de visibilidade no mar, e surgiram estupefacientes. Foi uma grande apreensão, resultado de um treino”.

O Núcleo Especial de Operações Subaquáticas é um dos cinco grupos especializados da Companhia de Intervenção e Proteção em Emergência da GNR.

No quartel que os abriga na Pontinha, em Lisboa, também estão o Núcleo de Resgate em Montanha, o Núcleo de matérias perigosas, e o Núcleo de resgate em estruturas colapsadas.

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