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"Como é que eu quero ser tratado quando for velho? Vemos os idosos como um fardo"

25 mai, 2022 - 06:34 • Ana Carrilho

A resposta de cada um à pergunta pode ser meio caminho para reduzir o idadismo que reina na sociedade e que discrimina os mais velhos, diz a jurista Marta Carmo.

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“A pandemia mostrou quão prevalente é o idadismo [discriminação em função da idade, especialmente das pessoas mais velhas] na nossa sociedade”, diz Marta Carmo, jurista da Associação Portuguesa de Apoios à Vítima (APAV), em entrevista à Renascença.

Marta Carmo considera que “o idadismo esteve presente na linguagem utilizada durante as fases mais críticas da pandemia com a tomada de algumas decisões sobre quem era testado ou recebia tratamento, apenas com base na idade cronológica. Em Portugal e ainda mais noutros países”.

A responsável pelo Projeto “Portugal Mais Velho” é ainda mais clara quando lembra que, antigamente, as pessoas idosas eram vistas como as mais importantes numa comunidade, as mais sábias, as mais experientes, um pilar da família.

“Entretanto, houve uma inversão desse pensamento e, de facto, como sociedade, vemos as pessoas idosas como um fardo: é a população ativa que está neste momento a trabalhar para sustentar esta camada da população com as reformas; são pessoas frágeis, dependentes e doentes. É uma visão muito negativa das pessoas mais velhas, o que faz com que o seu papel na sociedade em geral e nas famílias, em particular, tenha diminuído.”

Marta Carmo frisa que estamos a falar de um grupo populacional cada vez maior (pelo envelhecimento da população), mas que não tem voz política nem tem direito à escolha na sua família. Acaba por perder relevância social e torna-se, obviamente, um grupo mais vulnerável a situações de “abandono, isolamento e violência”.

Para a jurista da APAV, esta é uma questão sobre a qual é preciso fazer uma reflexão generalizada: perceber a evolução demográfica e ver como é que as pessoas mais idosas podem contribuir com o seu conhecimento e ser úteis à sociedade.

A resposta de cada um à pergunta: “como é que eu quero ser visto, como é que quero ser tratado quando for velho?”, pode ser o ponto de partida para esta reflexão, diz Marta Carmo.

APAV está a apoiar mais pessoas, mas não quer dizer que haja mais crimes

Há vários anos que o número de idosos vítimas de violência que a APAV apoia continua a crescer e a tendência manteve-se durante a pandemia. O ano passado a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima acompanhou quase 1.600 pessoas. Os casos chegam por queixa ou denúncia.

Marta Carmo, responsável pelo Projeto “Portugal Mais Velho", ressalva que isso não quer dizer que a violência sobre os idosos esteja a aumentar. Mas há, certamente, uma maior atenção ao tema, que leva vítimas e outras pessoas a denunciar os casos.

Mais de três quartos das situações de violência sobre os idosos acontecem em contexto doméstico e os agressores são, na maioria dos casos, familiares próximos, como filhos/filhas ou cônjuges. Violência doméstica que, por vezes, se prolonga por muitos anos.

A coabitação – frisa Marta Carmo – é um fator de risco de violência, mesmo entre pais e filhos. Estes, frequentemente, viram-se obrigados a abandonar a sua vida pessoal, social e profissional, a perder rendimentos para passar a cuidar 24h/dia, 7 dias/semana.

“Estamos a falar de uma questão que muito poucas vezes é abordada, o facto das pessoas serem obrigadas a tornar-se cuidadores informais”, diz a especialista. Umas pessoas cuidam com gosto, outras nem por isso. É preciso ver o perfil do cuidador, se tem capacidades, se tem ferramentas que lhe permitam desempenhar essa tarefa, se tem personalidade para prestar esses cuidados. Às vezes, não há outra hipótese porque faltam respostas sociais ou não são acessíveis.

“Tudo isso resulta, infelizmente, em situações de sobrecarga, esgotamento físico e emocional, que são fatores de risco de violência”, alerta Marta Carmo.

Nalgumas situações os idosos já têm poucos contactos com os familiares: ou porque vivem longe ou porque as visitas aos mais velhos não são uma prioridade.

Com a pandemia esse afastamento acentuou-se. A pretexto de os proteger do contágio pelo vírus de Covid-19, ficaram fechados em casa ou nas instituições, afastados dos familiares, amigos e do convívio social. Aumentou o isolamento e a solidão, com impacto a nível físico e mental.

Marta Carmo admite que algumas famílias aproveitaram o pretexto para abandonar mais os seus velhos, mas também frisa que há um lado positivo: as situações em que os idosos intensificaram a utilização dos meios de comunicação, das tecnologias, do WhatsApp, para manterem contacto com filhos e netos. “Isso é positivo”

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