Emissão Renascença | Ouvir Online
A+ / A-

Tribunal de Contas

Incêndios. Auditoria aponta falhas aos programas de apoio à habitação

03 mar, 2022 - 00:23 • Redação com Lusa

Relatório do Tribunal de Contas ​aponta fragilidades na aplicação, diferentes graus de realização e falta de publicitação.

A+ / A-

O Tribunal de Contas (TdC) identifica fragilidades na aplicação, diferentes graus de realização e falta de publicitação nos programas de apoio à habitação em vigor na sequência dos incêndios de outubro de 2017 e agosto de 2018.

Em causa estão os apoios concedidos pelo Programa de Apoio à Recuperação de Habitação Permanente (PARHP) e pelo Programa de Apoio ao Alojamento Urgente (Porta de Entrada) aos danos causados nas habitações.

Inicialmente, a auditoria tinha recaído sobre a utilização das verbas do fundo Revita (relativo ao incêndio de junho de 2017), maioritariamente provenientes de doações solidárias.

Nas conclusões divulgadas esta quarta-feira, o TdC reconhece que “o caráter público do PARHP e do Porta de Entrada assegurou uma maior clareza de critérios, de regimes aplicáveis e de procedimentos para a concessão dos apoios”.

No entanto, “observaram-se fragilidades na aplicação dos apoios, ao nível da conformidade, coerência, oportunidade e coordenação”, acrescenta.

Em comunicado, o TdC refere que, no PARHP, “a cadência das transferências financeiras não ocorreu de modo semelhante nas regiões afetadas, o que originou constrangimentos à execução na região Norte”.

“Não houve completa harmonização de critérios quanto à densificação do conceito de habitação permanente e quanto à transmissibilidade por óbito aos herdeiros do direito ao apoio à reconstrução de habitação danificada”, explica, acrescentando que “houve também diferenças nos prazos fixados para a apresentação de candidaturas e na preparação de formulários de candidatura”.

Segundo o TdC, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Centro “não garantiu os procedimentos adequados ao aceitar candidaturas que não preenchiam todos os critérios, vindo-se a confirmar a sua inelegibilidade já em fase de execução das empreitadas”.

“Essa situação acarretou custos diretos injustificados no valor de cerca de 1,2 milhões de euros, a que acrescem custos indiretos no montante de 672 mil euros”, sublinha.

A auditoria mostrou que “foram implementados controlos sobre a correta concretização dos apoios, embora a monitorização automatizada tenha ficado prejudicada e no Porta de Entrada não tenham sido efetuadas verificações físicas”.

“Identificaram-se oportunidades de melhoria na identificação e mitigação de riscos éticos, na emissão de orientações, na aplicação de verificações substantivas, na gestão de conflitos de interesses e na fundamentação da escolha das entidades a convidar nos processos de contratação pública”, refere.

Atrasos nos apoios aos lesados de Monchique

Outra das conclusões revela atrasos na execução do programa Porta de Entrada, ao qual se candidataram os lesados do incêndio de Monchique ocorrido em 2018.

Segundo o relatório do TdC, este instrumento Porta de Entrada “está longe de ter colmatado as necessidades”, sendo que, “em 31 de março de 2021, o valor contratado representava apenas 26,5% da comparticipação prevista”.

De acordo com o documento, dos 33 pedidos de apoio previstos, foram aprovadas 19 de 29 candidaturas apresentadas, o que representa uma taxa de aprovação de 65,9%.

O valor contratado de 619.982,08 euros representava, àquela data, 26,5% da comparticipação do total prevista de 2,3 milhões de euros e, do valor contratado para reabilitação, apenas tinha sido pago cerca de 15%.

Do total de candidaturas apresentadas, 12 respeitam a reabilitação, sete a arrendamento, três a aquisição e sete a arrendamento temporário.

Os 19 apoios aprovados estavam contratualizados e, das restantes 10 candidaturas, nove aguardavam o envio de elementos e uma encontrava-se em fase de análise.

Dos sete apoios concedidos ao arrendamento temporário, seis agregados familiares não beneficiaram do apoio por aguardarem apoio à reabilitação da sua habitação, e o outro tinha como solução definitiva de alojamento a aquisição de habitação.

Em 31 de março de 2021 estava concluída a reabilitação de uma habitação, duas não tinham execução financeira e as restantes continuavam a aguardar elementos, entre os quais orçamentos.

Aos casos de reabilitação e de aquisição só foram disponibilizadas comparticipações financeiras não reembolsáveis.

O fogo que deflagrou na serra de Monchique em 3 de agosto de 2018, o maior registado nesse ano na Europa, devastou uma área superior a 27 mil hectares de floresta e de terrenos agrícolas, destruindo 74 casas, 30 das quais de primeira habitação e provocando danos significativos nos concelhos vizinhos de Silves, Portimão e Odemira, já no distrito de Beja.

Apoios tardios também a Norte

Os incêndios de 2017 afetaram 109 habitações de sete municípios da região Norte, tendo os apoios tardado devido à demora na atribuição dos recursos financeiros, segundo um relatório do Tribunal de Contas (TdC).

“A região Norte viu-se constrangida na celeridade da resposta por demoras na atribuição de recursos financeiros”, sustenta o relatório sobre uma auditoria à utilização de fundos na reparação dos danos causados nas habitações pelos incêndios de outubro de 2017 e agosto de 2018.

Ao contrário do Norte, na região Centro o processo de reconstrução e reabilitação das habitações foi “especialmente célere”, menciona o documento.

Acrescenta o TdC que o facto de as transferências financeiras não ocorrerem de “modo semelhante” nas duas regiões, originou “constrangimentos” à execução na região Norte.

No Norte foram atingidos sete municípios, nomeadamente Arouca, Braga, Boticas, Castelo de Paiva, Monção, Vale de Cambra e Vila Nova de Gaia, nos distritos do Porto, Braga, Aveiro, Vila Real e Viana do Castelo,

Nestas localidades registaram-se 109 habitações danificadas pelos fogos, das quais 25 com danos muito elevados ou a precisarem de reconstrução total, sublinha.

Os danos ascenderam a cerca de 3,3 milhões de euros, refere.

Das 109 casas, 82 foram em Castelo de Paiva, 10 em Monção, sete em Arouca, cinco em Vale de Cambra, três em Vila Nova de Gaia e uma em Braga e Boticas.

Exclusão de 78 habitações na região Centro custou 1,8 milhões

Finalmente, a exclusão de 78 casas da região Centro do Programa de Apoio à Recuperação de Habitação Permanente (PARHP), já na fase de execução das empreitadas, implicou custos superiores a 1,8 milhões de euros (ME).

O TdC refere que a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) “não garantiu os procedimentos adequados ao aceitar candidaturas que não preenchiam todos os critérios, vindo-se a confirmar a sua inelegibilidade”.

Por esse motivo, acrescenta, “já na fase de execução das empreitadas a cargo da CCDR, foram excluídas dos apoios do PARHP 78 habitações, acarretando custos diretos injustificados no valor de cerca de 1,2 milhões de euros, a que acrescem custos indiretos no montante de 672 mil euros”.

Segundo o TdC, “as candidaturas que não observavam a totalidade dos requisitos deveriam ter sido objeto de verificação/confirmação prévia à sua integração nas empreitadas”.

“Na região Centro o processo de reconstrução e reabilitação das habitações foi especialmente célere, mas sem prevenir os riscos de elevados apoios indevidos a recuperar”, considera.

Neste âmbito, defende que a CCDRC deve “reavaliar todos os processos em causa e promover os procedimentos adequados ao ressarcimento dos danos provocados ao erário público, bem como proceder às demais diligências necessárias ao apuramento da eventual responsabilidade civil e/ou criminal”.

Os juízes determinaram que CCDRC “remeta ao tribunal, no prazo de três meses, o resultado da reavaliação das situações respeitantes às habitações consideradas não elegíveis, explicitando individualizadamente, para cada caso, a análise conduzida, o respetivo resultado e as diligências empreendidas”.

A CCDRC deve ainda prestar “trimestralmente informação sobre as diligências realizadas com vista ao ressarcimento dos danos provocados ao erário público”.

O TdC conta que, durante os trabalhos de auditoria, “e apesar de os respetivos processos não constarem da amostra selecionada, em junho de 2020 tomou-se conhecimento de que a CCDRC havia retirado 78 habitações das empreitadas já em execução”.

“Apurou-se que foram excluídas habitações em 12 das 20 empreitadas adjudicadas pela CCDRC” e que “foi nas empreitadas de Vila Nova de Poiares (50%), Sertã (45,5%), Pampilhosa da Serra (36,8%) e Tondela (30,9%) que se registou um maior peso de habitações retiradas”, refere.

Das 78 habitações retiradas, 61 “envolviam custos diretos já incorridos, refletindo os valores referentes a levantamento topográfico, projeto de execução, demolições, estaleiro, fiscalização e obra realizada”, acrescenta.

A redução do número de habitações por empreitada implicou não só custos diretos injustificados incorridos pela CCDRC, no valor total de cerca de 1,2 milhões de euros, mas também “custos indiretos resultantes da supressão de trabalhos das empreitadas, cujo apuramento efetuado é de 672.073,96 euros, respeitante principalmente às indemnizações pagas aos empreiteiros”.

“Ao integrar no PARHP candidaturas sem observância da totalidade das condições exigidas, a CCDRC fez incorrer o erário público em custos que não deveriam ter ocorrido”, realça o TdC.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+