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Presidente da CAP em ​Entrevista

Agricultores pedem ajuda. "Se houvesse um terramoto, ninguém ficava à espera da tomada de posse do Governo"

28 fev, 2022 - 10:30 • Sandra Afonso

Presidente da CAP, Oliveira e Sousa, defende que estamos na tempestade perfeita, perante o agravamento dos preços das matérias-primas, o conflito na Ucrânia e a seca no país. É urgente acautelar a produção nacional, os agricultores não podem esperar que o Governo tome posse.

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Os agricultores estão esgotados e desesperados, pedem medidas urgentes e imediatas ao primeiro-ministro, António Costa, mas ainda não passaram da ministra da Agricultura, que não deixou sinal de esperança, diz o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), em entrevista à Renascença.

O setor não quer linhas de crédito, mas ajuda para enfrentar aquela que consideram já a pior seca do século no país. Aos consumidores, Eduardo Oliveira e Sousa deixam um aviso: os preços vão continuar a subir. Depois da energia e dos combustíveis, segue-se o supermercado.

O presidente da CAP alerta que estamos na tempestade perfeita, perante o agravamento dos preços das matérias-primas, o conflito na Ucrânia e a seca no país. É urgente acautelar a produção nacional, os agricultores não podem esperar que o Governo tome posse.

Qual é a situação neste momento na Agricultura?

A seca tem vários níveis, mas aquele que mais preocupa os agricultores é a alimentação animal, em particular os animais que estão no campo. Os agricultores estão completamente angustiados, no que respeita à necessidade de adquirirem alimentos suplementares para os animais, isso tem custos muito significativos, as reservas estão a chegar ao fim porque estavam destinadas a ser utilizadas no verão, como é normal, e as próprias culturas que deveriam estar pujantes na entrada da primavera também estão a agonizar e vão perder-se. Os agricultores poderão ainda, depois de vir a autorização de Bruxelas, dar algumas dessas culturas aos animais, mas as pastagens, naturais ou semeadas, estão esgotadas.

Há uma angústia e uma necessidade urgentíssima de ajudar esses agricultores para que não se desfaçam dos animais, que podem vir a fazer-nos ainda mais falta do que habitualmente, face à situação que se está a viver na Europa, cujos contornos estão longe ainda de sabermos quando e como vai terminar.

Já existe algum cálculo dos prejuízos sofridos ou estimados para curto prazo?

Uma quantificação em valor é impossível de fazer neste momento, porque tem vários níveis de abordagem. Não só o prejuízo provocado pela compra de alimentos que não deveriam ser necessários, também o prejuízo dos alimentos que se compram serem mais caros do que o habitual porque há uma escalada de preços das matérias-primas, da energia e até dos transportes, e depois há todos os prejuízos futuros.

É impossível contabilizar neste momento, mas é de certeza absoluta um valor muito grande e, principalmente, é uma descapitalização do setor, que não pode descapitalizar-se para além da angústia que já vivia, fruto do aumento dos custos de produção.

Este conflito agrava uma situação que já era, de si, difícil? Ao aumento dos combustíveis junta-se agora a possível dificuldade de abastecimento de cereais?

Exatamente. Recordo que a Ucrânia é o nosso principal fornecedor de milho, que por sua vez é o principal elemento no fabrico das rações para os animais. Da Rússia, vem o trigo, o centeio, os cereais que estão na base da panificação. Muito do nosso pão é fabricado com cereais daquelas regiões e, por isso, se esta situação se mantiver e se houver embargos à Rússia e fechar de fronteiras, há todo um mercado que vai perturbar-se.

É necessário que o Governo opte por alternativas, que necessariamente serão mais caras. Tudo isto vai refletir-se na economia nacional, na inflação e na tesouraria. Daí o nosso apelo para ajudar os agricultores, para que não sejam obrigados a vender os animais.

Em termos práticos, que preços estão mais em risco de subir? Já falou aqui na carne e no pão, há mais?

Creio que vai ser horizontal. Não há produto nenhum que não tenha incorporado energia ou combustível, seja no transporte, no fabrico ou na própria distribuição.

Por isso, vai haver aumento de preços em toda a cadeia. Depois, há produtos que consomem mais ou menos energia, como as culturas regadas, que estão a atravessar uma fase complicada por falta de água, os produtos que têm incorporadas matérias importadas, que vão ser mais caras e mais difíceis de obter.

Mesmo que a guerra acabe depressa, haverá uma escalada dos preços, inevitavelmente.

E essa escalada deverá manter-se por muito tempo? Ou seja, são aumentos pontuais ou ainda deverão permanecer durante algum tempo?

Nestas questões da escalada dos preços é rara a ocasião em que os preços baixam para os níveis anteriores às crises. Mesmo que possa haver um aliviar desta escalada, creio que algum aumento ficará perpetuado.

Vamos atravessar um mau momento, a todos os níveis, desde o pagamento da fatura da eletricidade, que já está a acontecer, ao pagamento da fatura dos combustíveis, que não param de aumentar, e agora vai ter obviamente que, a pouco e pouco, refletir-se todos esses aumentos nos produtos produzidos para consumo. Por isso, no supermercado vai haver aumentos, não tenho dúvidas nenhumas.

A CAP pediu, entretanto, uma reunião urgente com o primeiro-ministro. Já tem uma resposta?

Não tenho e é pena. Depois disso já estivemos reunidos [na sexta-feira] com a ministra da Agricultura, de quem não obtivemos as respostas que gostaríamos, numa perspetiva de saber se estavam ou não a ser contempladas medidas de socorro, e é mesmo essa a palavra, socorro aos agricultores que têm a corda na garganta, nomeadamente os que têm os animais para alimentar. Nada foi dito sobre essa matéria.

Fala-se em medidas urgentes, que irão ser aprovadas em Bruxelas, que é um imediato que pode ter dois ou três meses. Nós vivemos uma época em que o já é já, é amanhã, é na próxima semana.


"Uma linha de crédito é uma dívida futura e nós necessitamos de uma medida tipo socorro"

Mas ficou aberta uma porta depois deste encontro, há nova reunião agendada?

A ministra da Agricultura limitou-se a fazer uma listagem das medidas que tinha discutido na semana anterior em Bruxelas. São medidas idênticas às que foram aprovadas em anos anteriores, que vão chegar aos agricultores no verão, as mais rápidas.

Esta seca está com contornos idênticos ou mais graves do que a seca de 2005. Associada à escalada dos preços e agravada pela situação da Ucrânia, obrigaria a estar em cima da mesa das decisões do Governo e eu não tenho informação de que esteja.

Que tipo de medidas podem ser avançadas no imediato?

Pode haver um adiantamento do fundo ambiental, pode haver possibilidades do Ministério das Finanças libertar alguma coisa, no âmbito da gestão do Orçamento do Estado, mesmo em duodécimos.

O governo está em funções, a seca não pode esperar, os agricultores não podem esperar pela tomada de posse do novo Governo e pelas decisões que venham a ser tomadas na futura Assembleia da República.

Na próxima quinta-feira, os deputados vão reunir com os ministros do Ambiente e da Agricultura para discutir a seca. O que espera deste encontro?

Muito provavelmente irão analisar medidas de mais longo prazo, a não ser que entretanto fiquem sensibilizados para esta situação e que, juntando o ministro do Ambiente que manda no Fundo Ambiental e a ministra da Agricultura, que tem todos os elementos sobre a urgência destas medidas, pode ser que cheguem a um acordo para usar as verbas do fundo.

A CAP produziu um documento com mais de 30 medidas, todas elas discriminadas. Estão na mão do senhor primeiro-ministro, do ministro do Ambiente, da ministra da Agricultura e da Comunicação Social. Há medidas que são difíceis de explicar ao cidadão comum, porque são muito técnicas, mas estas medidas são simples de entender: ajudar imediatamente os agricultores que estão a ficar esgotados e que não querem endividar-se.

Os agricultores não aceitam de bom grado dizer que vai haver uma ajuda através de uma bonificação de uma linha de crédito. Uma linha de crédito é uma dívida futura e nós necessitamos de uma medida tipo socorro. Quando uma casa está a arder não se pergunta quanto é que custa chamar os bombeiros, primeiro apaga-se o fogo e depois fazem-se contas.

O facto de o Governo ainda não ter tomado posse pode ser usado como desculpa?

Numa situação destas não é desculpa. Eu tenho a certeza absoluta que se amanhã houvesse um terramoto, ninguém ficava à espera da tomada de posse do Governo para mandar avançar o socorro para o terreno.

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